Saúde

Covid-19 e majoração do FAP

Afinal, Covid-19 é ou não doença ocupacional? E qual o impacto tributário para as empresas?

covid-19
Crédito: unsplash

A Portaria 2.309 do Ministério da Saúde, publicada em 28 de agosto de 2020, incluiu o coronavírus (COVID-19) na Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho (LDRT). Com isso, coronavírus passou a ser classificado expressamente como doença ocupacional. Confira-se a redação pretendida pelo normativo:

Poucos dias depois, em 2 de setembro de 2020, a Portaria nº 2.345 do Ministério da Saúde foi publicada para “tornar sem efeito a Portaria nº 2.309/GM/MS, de 28 de agosto de 2020, publicada no Diário Oficial da União nº 168, de 1º de setembro de 2020”.

A dúvida que paira, portanto, é a seguinte: o coronavírus poderá ser considerado como uma doença relacionada ao trabalho por parte da Previdência Social? Em caso positivo, isso terá um impacto em termos de majoração da carga tributária das empresas?

Retomando o assunto, vale lembrar que o Supremo Tribunal Federal (STF) já havia sinalizado um possível entendimento nessa linha. Em sessão realizada no dia 29 de abril, o STF suspendeu a eficácia do artigo 29 da Medida Provisória (MP) 927/2020, segundo a qual “casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal.

O racional utilizado pelos Ministros do STF foi o seguinte: referido dispositivo da MP 927/2020, ao prever que casos de contaminação pelo coronavírus não seriam considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação de nexo causal, prejudicaria inúmeros trabalhadores de atividades essenciais e de risco que continuariam expostos ao vírus.

O prejuízo seria o seguinte: o afastamento por auxílio-doença acidentário (em decorrência de uma doença ocupacional) gera uma série de “benefícios” adicionais ao afastamento por auxílio-doença comum (sem relação com o trabalho), como a inexistência do período de carência, a estabilidade profissional por 12 meses e a manutenção dos depósitos do FGTS no período de inatividade.

A redação da MP 927/2020 dava a entender que o empregado efetivamente exposto ao coronavírus (covid-19) – como os profissionais de saúde, por exemplo – somente teria tais benefícios se conseguisse comprovar o nexo causal, isto é, que realmente contraiu o coronavírus no ambiente de trabalho, prova de certa forma impossível de ser feito nestes casos (uma “prova diabólica”, segundo o Supremo).

A decisão do STF permite duas leituras possíveis. A primeira é no sentido de que o STF apenas retirou dos empregados o ônus de comprovar que a contaminação ocorreu no ambiente de trabalho (e não fora dele). Isto é, a vinculação da doença ao ambiente de trabalhado ainda dependerá da comprovação de que a empresa não adotou todas as medidas necessárias para manutenção da higidez do posto laboral dos empregados.

A segunda, sugere que a revogação do dispositivo – “casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais…” permitiria afirmar o contrário: casos de coronavírus serão considerados ocupacionais.

Com a edição da Portaria 2.309/2020 (já revogada), o Governo Federal sinalizou um possível alinhamento com essa segunda interpretação. Ao classificar expressamente o coronavírus (codid-19) como doença relacionada ao trabalho, poderia representar uma severa majoração da carga tributária de empresas de todos os setores econômicos, independentemente da sua vinculação com as atividades essenciais ou de risco, cujos empregados de fato bravamente continuam laborando expostos ao risco de contaminação. Explica-se.

Doenças ocupacionais são aquelas desencadeadas pelo exercício de determinada atividade laboral, constando em listas previstas em legislação específica, nos termos do artigo 20, inciso I da Lei 8.213/1991. Na seara tributária, empresas são penalizadas quando da ocorrência de doenças ocupacionais com a majoração da carga tributária incidente sobre a folha de salários. A recíproca também é verdadeira, já que as empresas são bonificadas, mediante redução de tributos, quando da redução das doenças profissionais.

Ora, em se tratando da transmissão pandêmica de uma doença altamente contagiosa que não guarda qualquer relação com o trabalho (na grande maioria dos casos), não nos parece razoável a imputação automática de responsabilidade às empresas. Como será possível presumir que os empregados serão contaminados no trabalho, desconsiderando quaisquer outras atividades praticadas fora da empresa?

Caso o coronavírus venha a ser considerado como uma doença ocupacional – como pretendeu a já revogada Portaria 2.309/2020 -, as empresas poderão ser subjetivamente responsabilizadas pela contaminação da COVID-19 de qualquer um de seus empregados e em qualquer hipótese, sendo desnecessário a comprovação de que a empresa não adotou qualquer medida (i) para promover o isolamento social ou (ii) de saúde e segurança no trabalho.

Na esfera tributária, o impacto se daria na nas contribuições previdenciárias destinadas ao Risco Ambiental do Trabalho (RAT) ajustado. A alíquota da contribuição ao RAT, que varia de 1% a 3% a depender do grau de risco da atividade desenvolvida pela empresa, é ajustada pelo Fator Acidentário de Prevenção (FAP), índice que varia entre 0,50000 a 2,0000. Em suma, o índice do FAP pode reduzir pela metade ou dobrar a carga deste tributo que incide mensalmente sobre a folha de salários (“contribuição ao RAT ajustada pelo FAP”).

O FAP é calculado levando em consideração o número de acidentes de trabalho, óbitos, invalidades ou doenças ocupacionais nos estabelecimentos da empresa. Estas ocorrências são registradas por meio de Comunicado de Acidente de Trabalho (CAT), de emissão obrigatória por parte da empresa, ou de Nexo Técnico Epidemiológico (NTEP), registro feito pelo médico perito do INSS vinculando a enfermidade ao ambiente laboral. De acordo com a metodologia de cálculo do FAP as ocorrências registradas em 2020 terão impacto nos índices FAP dos anos de 2022 e 2023.

No cenário atual, ainda que a Portaria 2.309/2020 tenha sido revogada, é possível que a Previdência Social interprete a decisão do STFde forma equivocada e inclua os dados dos empregados contaminados pela COVID-19 automaticamente para fins de apuração do índice FAP de 2022 e 2023, aumentando significativamente o montante a ser recolhido pela empresa a título de contribuições sobre a folha de salários por dois anos consecutivos.


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