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Coronavírus e seus efeitos nos contratos administrativos

Até que ponto contratos públicos ou administrativos serão afetados e quem poderá ou não ser responsabilizado?

Foto: Minsa/Fotos Públcias

A cada nova crise econômica – cíclica por natureza – ressurge problema recorrente nos contratos administrativos em andamento: os efeitos negativos sobre eles causados em razão de acontecimentos macroeconômicos e a possibilidade de seu reequilíbrio econômico-financeiro. A crise da vez é a COVID19 ou coronavírus.

O que questiona é: até que ponto contratos públicos ou administrativos serão afetados e quem poderá ou não ser responsabilizado por isso tudo?

Existem duas variáveis do problema: uma delas será o impacto econômico-financeiro nos custos dos contratos causados pela maxi-valorização da moeda norte americana, que impacta em diversos insumos das empresas brasileiras; a outra variável diz respeito à falta de insumos, matérias-primas e mercadorias importadas, especialmente aquelas produzidas na China, cuja produção foi por lá paralisada e terá reflexos nos fornecimentos e prazos de entregas de tais itens.

Ambas as variáveis impactarão – inegavelmente – diversos contratos pactuados, inclusive aqueles com o Poder Público, não obstante os entes públicos contratantes se neguem – na perspectiva de análise de fatos análogos passados – a aceitar tal realidade. As soluções por ele dadas, nas esferas administrativas, são sempre negativas dos direitos dos contratados de serem seus contratos repactuados quanto a valor ou prazos de cumprimento.

Mas o fato é que a própria Lei de Licitações prevê, em seu artigo 65, parágrafo 5º, a possibilidade de reequilíbrio dos contratos administrativos, quando houver modificação dos preços dos insumos em decorrência da criação ou alteração de tributos ou outras disposições legais que neles repercutam. E mais adiante, ainda previu o legislador (artigo 65, inciso II, alínea d) a preservação do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos na hipótese de superveniência de “fatos imprevisíveis, ou previsíveis, porém, de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado”.

Não há margem para dúvida que a alteração drástica no cenário econômico mundial já observada por conta do coronavírus (com reflexos imediatos nesse ano e prováveis também para o ano de 2021) insere-se neste contexto de imprevisibilidade ou imensurabilidade e afeta a situação de muitas empresas contratadas pelo Poder Público, na medida em que se majoram seus custos e insumos ou retardam seus fornecimentos (no caso de insumos e produtos importados). Isso, por si só, já autoriza a revisão dos contratos administrativos.

Pensamento em sentido contrário inviabilizaria as próprias contratações feitas por entes públicos, pois o risco assumido por quem com eles contrata inviabilizaria a elaboração de propostas condizentes com os preços de mercado.

Essa discussão jurídica é antiga e a conclusão sofre pequenas variações, dependendo de quem responde. Parece-nos prevalecer, porém, a conclusão favorável aos particulares contratados e afetados pelas variações macroeconômicas.

Como prevê a legislação, se é necessário fato superveniente como exigência para se alterar os valores e prazos originais do fornecimento de determinado equipamento ou mercadoria ou de determinada prestação de serviços (cujos preços são balizados pelo dólar ou impactados por ele), não há o que se discutir quanto ao direito das empresas contratadas no cenário econômico atual. Há fato inegavelmente superveniente, enquadrado na Teoria da Imprevisão.

Certamente que, quando celebrado um contrato administrativo, a ocasião da cotação dos preços originais foi a da proposta apresentada na licitação. Depois dela e da assinatura do contrato, qualquer fato absolutamente anormal no contexto econômico (notadamente das proporções que estamos vendo atualmente) pode ser chamado de superveniente.

Nem se alegue, em sentido contrário, que a variação cambial ou paralisação de linhas de produção pelo mundo afora seria previsível antes da licitação. Até porque, mesmo que previsível fosse, suas consequências seriam incalculáveis. Não há como se prever – por mais visionário – que haveria uma pandemia viral, que gerasse as consequências que estamos presenciando no funcionamento de negócios e no câmbio.

Assim, para muitos contratados, os caminhos serão dois: (1º) o contratante público reequilibra o contrato afetado pela variação cambial e prazos contratuais que impactem no custo e cronograma dos contratos ou (2º) a impossibilidade de executar o contrato, nesses casos, não pode implicar na aplicação de alguma penalidade ao particular contratado, haja vista que não haveria omissão, negligência ou desídia, mas sim impossibilidade efetiva de cumprimento do contrato em razão de fenômenos econômicos causados por terceiros. Tal impossibilidade não pode ser punida.

Ou seja, estaríamos diante de álea econômica extraordinária, a dos acontecimentos macroeconômicos, absolutamente imprevisível ou de consequências incalculáveis aos contratados e que afetam negativamente a equação contratual.

Confirmando o que se afirma, basta perguntar: alguém arrisca dizer se haverá variação cambial durante o próximo mês? Não apenas isso, alguém se arrisca a dizer qual a extensão do Corona Vírus para o mundo em geral no próximo mês?

Percebe-se, pois, como são incalculáveis as consequências dos acontecimentos macroeconômicos recentes, que se ajustam com perfeição para a readequação do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos, desde que demonstrados, caso a caso, que os efeitos da crise impactaram negativamente nos contratos em andamento.