Artigo

Ciência, Chernobyl e coronavírus

A velha luta entre a ciência e o obscurantismo

Foto: Cesar Lopes/PMPA

Assistam (ou vejam de novo) a série Chernobyl, da HBO. Nestes tempos de coronavírus, ela parece feita de encomenda para discutir o papel da ciência e suas relações com alguns interesses políticos.

Na série, o desastre causado em uma usina nuclear permite que se apure e denuncie os erros cometidos em nome dos interesses do Governo da União Soviética e da imagem que o regime comunista pretendia passar ao mundo. O exame criterioso dos fatos, o conhecimento técnico, a razão apontam, ao longo de toda a série, em uma direção, defendida com lucidez, insistência e coragem pelos cientistas. E ela é contestada, reprimida, censurada pelos burocratas e pelo poder.

No fundo, Chernobyl não fala apenas sobre um acidente nuclear mas, a partir dele, descreve de forma impiedosa a velha guerra entre a verdade e a censura, entre a razão e sua deturpação pelo Poder. Os burocratas soviéticos não precisavam se preocupar com as próximas eleições mas tratavam de manter a imagem falsa que criaram sobre sua própria capacidade.

Irônico, que ao comparar Chernobyl com a situação gerada pelo coronavirus, tema tão diferente e em outro momento histórico, repita-se a mesma contradição. Os interesses políticos, especialmente onde a crise coincide com o período eleitoral (Estados Unidos e Brasil, por exemplo) divergem do que a ciência recomenda. Então, criado o choque, é preciso, para os “interesses” colocar em dúvida, depois questionar e por fim tentar desmoralizar o que a ciência recomenda.

Na série, apenas o agravamento brutal da crise acaba obrigando a burocracia a ceder. O que a ciência, baseada no conhecimento e na experiência recomenda nunca é aceito no primeiro momento. Quando a situação se deteriora, a contragosto, autoriza-se o que havia sido proposto e rejeitado inicialmente. No coronavirus, parece que apenas um número maior de infectados e de mortos será capaz de conter a demagogia ou a priorização do interesse de poucos (muitos deles empresários) sobre a sobrevivência de muitos. Trump, nos Estados Unidos, mudou de discurso pela força da tragédia em Nova Iorque. Na mesma Rússia, apenas agora descobriu-se a epidemia. E assim em tantos países.

Diferente da série, o ambiente democrático permite tornar mais visíveis os movimentos obscurantistas. Ao mesmo tempo, e por causa da democracia, facilita um apoio minoritário mas radical, às vezes carregado de ódio, via redes sociais contra a verdade e o bom senso.

No Brasil, o choque entre Bolsonaro/Fiesp/alguns setores empresariais e a Ciência está em pleno curso. Seu resultado influenciará o número de vítimas que o coronavirus fará entre nós. Dele dependerá também (fundamental para nosso futuro), o peso que o País passará a dar aos cientistas, aos especialistas, aos técnicos – na maioria muito competentes – espalhados pelo setor público e, no mais das vezes, frustrados por não poderem, no dia a dia, em períodos não dramáticos, fazer prevalecerem o bom senso, o conhecimento, o olhar para o médio e o longo prazos.

Apoiar e torcer por eles agora quando todos os olhares estão ansiosamente voltados para o embate entre a Ciência e os “interesses” é também uma boa forma de ajudar para que, depois que a epidemia se for, o País olhe um pouco mais para seus cientistas, seus técnicos e o enorme mas desvalorizado time dos sensatos…

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