As eleições de 2022 revelam um quadro de resultados mistos no que tange à representação política em perspectiva de gênero e raça. Com relação às mulheres eleitas para a posição de deputada federal, se por um lado vimos crescer o percentual de negras, indígenas e trans entre elas, o que fez aumentar a diversidade entre as representantes deste grupo, por outro o percentual total de eleitas não possibilita grandes entusiasmos. Passamos de 15% para 18% de eleitas como deputadas federais, o que significa que, dos 513 representantes que assumirão essas cadeiras no próximo ano, apenas 91 serão mulheres. Com isso, o Brasil continuará ocupando o posto de um dos países da América Latina com mais baixos índices de mulheres eleitas nessas posições.
O aumento não foi uniforme. Alguns estados perderam representantes mulheres. O Distrito Federal e o Piauí se destacam neste sentido. No primeiro, o número de eleitas que em 2018 era de 5, ou seja, 62,5% do total de 8 cadeiras, passou para 2. No Piauí apenas uma mulher foi eleita, quando em 2018 eram 4, ou seja, passou de 40% das vagas de um total de 10 cadeiras, para 10% apenas.
Diferentemente das perdas, não houve casos de ganhos tão significativos. Quatro estados elegeram mulheres acima do percentual de 30%. Com 38% entre os eleitos, o Acre e o Amapá foram os estados que mais elegeram mulheres. Ainda assim, no primeiro caso, houve um retrocesso no desempenho eleitoral delas, pois no pleito anterior esse índice era de 50%. O Amapá manteve o percentual de 2018. Goiás elegeu 35% quando em 2018 havia eleito 12%; e Santa Catarina elegeu 31%, mas já havia eleito 25% em 2022. O Pará pode ser considerado o caso de melhor desempenho proporcional das mulheres, passando de 1 parlamentar para 5 em 2022.
Há um padrão que se repete de um pleito para o outro em que a região Centro-Oeste é a que mais elege mulheres e a Nordeste a que menos elege. Em 2022, dentre os eleitos da primeira, 27% eram mulheres. Em contrapartida, o Nordeste elegeu apenas 11,9% – um aumento até de certo ponto significativo com relação aos 7,9% de 2018.
Tabela 1: Proporção de mulheres eleitas para a Câmara dos Deputados em 2018 e 2022 por região e UF
Região | UF | Vagas | 2018 | 2022 | 2018 | 2022 |
Centro-Oeste | DF | 8 | 5 | 2 | 63% | 25% |
GO | 17 | 2 | 6 | 12% | 35% | |
MS | 8 | 2 | 1 | 25% | 13% | |
MT | 8 | 1 | 2 | 13% | 25% | |
Subtotal | 41 | 10 | 11 | 24% | 27% | |
Nordeste | AL | 9 | 1 | 0 | 11% | 0% |
BA | 39 | 3 | 5 | 8% | 13% | |
CE | 22 | 1 | 3 | 5% | 14% | |
MA | 18 | 0 | 3 | 0% | 17% | |
PB | 12 | 1 | 0 | 8% | 0% | |
PE | 25 | 1 | 3 | 4% | 12% | |
PI | 10 | 4 | 1 | 40% | 10% | |
RN | 8 | 1 | 1 | 13% | 13% | |
SE | 8 | 0 | 2 | 0% | 25% | |
Subtotal | 151 | 12 | 18 | 8% | 12% | |
Norte | AC | 8 | 4 | 3 | 50% | 38% |
AM | 8 | 0 | 0 | 0% | 0% | |
AP | 8 | 3 | 3 | 38% | 38% | |
PA | 17 | 1 | 5 | 6% | 29% | |
RO | 8 | 3 | 2 | 38% | 25% | |
RR | 8 | 2 | 1 | 25% | 13% | |
TO | 8 | 2 | 0 | 25% | 0% | |
Subtotal | 65 | 15 | 14 | 23% | 22% | |
Sudeste | ES | 10 | 3 | 1 | 30% | 10% |
MG | 53 | 4 | 9 | 8% | 17% | |
RJ | 46 | 10 | 9 | 22% | 20% | |
SP | 70 | 11 | 14 | 16% | 20% | |
Subtotal | 179 | 28 | 33 | 16% | 18% | |
Sul | PR | 30 | 5 | 4 | 17% | 13% |
RS | 31 | 3 | 6 | 10% | 19% | |
SC | 16 | 4 | 5 | 25% | 31% | |
Subtotal | 77 | 12 | 15 | 16% | 19% | |
Total | 513 | 77 | 91 | 15% | 18% |
Fonte: compilado pelos autores a partir dos dados abertos do TSE
Observando os dados por raça/cor das eleitas, vemos que as mulheres não brancas tiveram um desempenho eleitoral comparativamente maior que o das mulheres brancas. As mulheres negras em 2018 representavam 17% das eleitas, mas em 2022 passaram para 32%. Apenas uma mulher indígena foi eleita em 2018, entretanto, nas eleições deste ano, foram 4. Além desse aumento na diversidade das eleitas no quesito raça/cor e etnia, 2 das eleitas são mulheres trans.
Dos estados que elegeram mais de uma mulher negra, destacam-se o Acre e o Maranhão, pois das 3 mulheres eleitas, duas são negras (66,7%). Na Bahia e no Pará, das 5 eleitas, 3 são mulheres negras (60%).
Proporcionalmente, a região que mais elegeu mulheres negras foi o Norte (57,1%), seguido pelo Nordeste e o Sudeste, ambos com 33,3%, e pelo Sul, onde 20% das eleitas são mulheres negras.
Tabela 2: Proporção de mulheres negras eleitas para a Câmara dos Deputados em 2018 e 2022 por região e UF
Região | UF | Vagas | Mulheres 2018 | Mulheres 2022 | Negras 2018 | Negras 2022 | Negras 2018
(% entre mulheres) |
Negras 2022
(% entre mulheres) |
Centro-Oeste | DF | 8 | 5 | 2 | 1 | 0 | 20,0% | 0,0% |
GO | 17 | 2 | 6 | 0 | 1 | 0,0% | 16,7% | |
MS | 8 | 2 | 1 | 1 | 0 | 50,0% | 0,0% | |
MT | 8 | 1 | 2 | 0 | 0 | 0,0% | 0,0% | |
Subtotal | 41 | 10 | 11 | 2 | 1 | 20,0% | 9,1% | |
Nordeste | AL | 9 | 1 | 0 | 0 | 0 | 0,0% | 0,0% |
BA | 39 | 3 | 5 | 1 | 3 | 33,3% | 60,0% | |
CE | 22 | 1 | 3 | 0 | 1 | 0,0% | 33,3% | |
MA | 18 | 0 | 3 | 0 | 2 | 0,0% | 66,7% | |
PB | 12 | 1 | 0 | 0 | 0 | 0,0% | 0,0% | |
PE | 25 | 1 | 3 | 0 | 0 | 0,0% | 0,0% | |
PI | 10 | 4 | 1 | 0 | 0 | 0,0% | 0,0% | |
RN | 8 | 1 | 1 | 0 | 0 | 0,0% | 0,0% | |
SE | 8 | 0 | 2 | 0 | 0 | 0,0% | 0,0% | |
Subtotal | 151 | 12 | 18 | 1 | 6 | 8,3% | 33,3% | |
Norte | AC | 8 | 4 | 3 | 1 | 2 | 25,0% | 66,7% |
AM | 8 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0,0% | 0,0% | |
AP | 8 | 3 | 3 | 2 | 0 | 66,7% | 0,0% | |
PA | 17 | 1 | 5 | 0 | 3 | 0,0% | 60,0% | |
RO | 8 | 3 | 2 | 2 | 2 | 66,7% | 100,0% | |
RR | 8 | 2 | 1 | 0 | 1 | 0,0% | 100,0% | |
TO | 8 | 2 | 0 | 0 | 0 | 0,0% | 0,0% | |
Subtotal | 65 | 15 | 14 | 5 | 8 | 33,3% | 57,1% | |
Sudeste | ES | 10 | 3 | 1 | 0 | 1 | 0,0% | 100,0% |
MG | 53 | 4 | 9 | 1 | 3 | 25,0% | 33,3% | |
RJ | 46 | 10 | 9 | 4 | 4 | 40,0% | 44,4% | |
SP | 70 | 11 | 14 | 0 | 3 | 0,0% | 21,4% | |
Subtotal | 179 | 28 | 33 | 5 | 11 | 17,9% | 33,3% | |
Sul | PR | 30 | 5 | 4 | 0 | 1 | 0,0% | 25,0% |
RS | 31 | 3 | 6 | 0 | 2 | 0,0% | 33,3% | |
SC | 16 | 4 | 5 | 0 | 0 | 0,0% | 0,0% | |
Subtotal | 77 | 12 | 15 | 0 | 3 | 0,0% | 20,0% | |
Total | 513 | 77 | 91 | 13 | 29 | 16,9% | 31,9% |
Os dados analisados aqui permitem aferir que a próxima legislatura contará com um aumento significativo de mulheres que pertencem a grupos sociais até então pouco presentes neste espaço. Esse aumento é positivo e necessário. Em um país tão fortemente marcado por preconceitos e desigualdades sociais, aumentar a presença de mulheres negras, indígenas e trans no processo legislativo representa não apenas um ganho simbólico, mas também a possibilidade de construir políticas públicas mais inclusivas e representativas das perspectivas desses grupos. Porém, esse aumento é incipiente se comparado à sua participação na população. Além do mais, trata-se de um aumento dentro de um universo muito pequeno de mulheres eleitas – apenas 17,7%.
Embora tenhamos conquistado um número de mudanças nas regras eleitorais visando ampliar a participação de grupos generificados e racializados no processo político decisório, os resultados atingidos até aqui ficaram muito distantes da almejada paridade. Comparando os dados da PNAD de 2019 sobre a participação na população com os dados das eleições de 2022, percebemos como a categoria gênero e a intersecção entre genero e raça são fundamentais para interpretarmos desigualdades políticas: as mulheres de diferentes raças e etnias estão subrepresentadas em relação a todos os homens, mas a subrepresentação das mulheres negras é significativamente maior que todas as demais.
Os homens brancos representam 20,2% da população, porém 311 deles foram eleitos em 2022, o que equivale a 61% do universo dos eleitos. Ou seja, os resultados demonstram uma exacerbada sobrerrepresentação de homens brancos. Já os homens negros compõem 27,6% da população, mas passarão a ocupar 21% das cadeiras. Quando se trata das mulheres, as brancas representam 22,5% da população, mas ocuparão 11,3% das cadeiras; as negras, no entanto, que representam 28,6% da população, ficarão com apenas 6% delas.
Assim, os dados indicam que as mulheres são o grupo que está em maior desvantagem em termos de representação, porém, dentre elas, a diferença racial é um fator imperativo, com as mulheres negras sendo o grupo mais sub-representado, dentre todos os demais.
Em conclusão, ganhamos nessas eleições ao elegermos uma bancada feminina mais diversa. Porém, considerando-se a grande discrepância em termos de homens e mulheres, tendo as cadeiras destas últimas aumentado em apenas 18%, os resultados são menos promissores. Nesse ritmo, atingiríamos paridade de gênero na Câmara dos Deputados apenas em 2046. Enquanto nossos vizinhos da América Latina seguem avançando a passos largos e alguns deles já alcançaram paridade de gênero em seus parlamentos, precisaríamos de mais 16 anos para atingir a média atual do continente.