Direito Administrativo Sancionador

Acordo de não persecução cível ainda deve ocupar a pauta do STJ

Momento-limite para a homologação do acordo de não persecução cível em ação de improbidade administrativa

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Sede do STJ. Crédito: Reprodução/Flickr STJ

O parágrafo 1º do artigo 17 da Lei da Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992) foi alterado, em 2019, pela Lei 13.964/2019 (Pacote Anticrime), passando a dispor que as ações por improbidade administrativa “admitem a celebração de acordo de não persecução cível”. Anteriormente, o dispositivo mencionado vedava a transação, acordo ou conciliação nestas ações.

Como se observa, as alterações legislativas visam possibilitar e estimular a resolução extrajudicial de conflitos no âmbito das ações por improbidade administrativa, evitando-se, quando possível, o ajuizamento. Restou possibilitado, assim, o acordo de não persecução cível no âmbito da ação de improbidade administrativa, firmada exclusivamente na seara administrativa e, por isso, sem que haja necessidade da intervenção de um juiz ou tribunal.
A Lei 13.964/2019 (Pacote Anticrime) também incluiu disposição, constante no parágrafo 10-A do artigo 17 da Lei da Improbidade Administrativa (LIA), dispondo que “[H]avendo a possibilidade de solução consensual, poderão as partes requerer ao juiz a interrupção do prazo para a contestação, por prazo não superior a 90 (noventa) dias”. Ou seja, mesmo que já em curso o processo perante o Poder Judiciário, autoriza-se a solução consensual, com a possiblidade de suspensão do prazo para contestar. Segundo os dispositivos legais, isto ocorrerá a requerimento das partes e logo após o recebimento da petição inicial, ou seja, no curso do prazo para a contestação (artigo 17, §§ 10 e 10-A).

A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento realizado antes da alteração do artigo 17, § 1º, da LIA, havia entendido pela impossibilidade de homologação de acordo no âmbito de ação de improbidade administrativa. A partir das modificações feitas na legislação, a Turma alterou o seu entendimento. Neste sentido, foi homologado acordo no Agravo em Recurso Especial 1.314.581 – SP (STJ, Primeira Turma, j. 23/02/2021).

No AgInt no REsp n. 1.659.082/PB[1], a Primeira Turma do STJ decidiu que “o pedido de sobrestamento decorrente da possibilidade de acordo advinda com a Lei n. 13.964/2019 (Pacote Anticrime), no âmbito da ação de improbidade, deve ocorrer até a apresentação da contestação” (trecho da ementa do julgado em aspas). Em outro caso (AREsp 1.314.581/SP[2]), decidiu-se que é possível acordo de não persecução cível no âmbito da ação de improbidade administrativa em fase recursal.

Neste último, o ministro-relator salientou que o entendimento anteriormente fixado no AgInt no REsp n. 1.659.082/PB se restringiria ao prazo limite para requerer a suspensão do processo (do prazo para contestar), não impedindo, todavia, a homologação de acordo realizado, mesmo que o processo já esteja em fase recursal. A nosso ver não é isto, todavia, que se verifica na literalidade do inteiro teor do voto no AgInt no REsp n. 1.659.082/PB. Examinando o artigo 10-A da Lei da Improbidade Administrativa, anotou-se: “vê-se, sem dificuldades, que o legislador ordinário limitou a possibilidade da celebração de acordo no curso da ação de improbidade até a apresentação da contestação”.

De toda forma, trata-se de interpretação feita própria Turma, fator que não deve ser desconsiderado, esclarecendo que no primeiro caso (AgInt no REsp n. 1.659.082/PB) tratava-se especificamente do sobrestamento do processo ante a possibilidade de acordo. Além disso, a interpretação é consentânea com o sistema processual.

O próprio Código de Processo Civil, nada obstante reafirme  expressamente a inafastabilidade de jurisdição (art. 3º, caput), estimula a resolução consensual dos conflitos, o que fica claro, dentre outros dispositivos, pela própria redação dos parágrafos do artigo 3º, quando aduzem que “[O] Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos” e que “[A] conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial”, assim como pelo artigo 139, inciso IV, que dispõe incumbir ao juiz “promover, a qualquer tempo, a autocomposição”.

Assim, é possível afirmar que o atual entendimento da Corte é no sentido de que é possível acordo de não persecução cível no âmbito da ação de improbidade administrativa, ainda que já esteja em fase recursal. Porém, com relação ao sobrestamento do processo, tal providência deve ocorrer somente até a apresentação da contestação. Esta é a interpretação dada aos artigos 17, parágrafo 1º e 10-A da Lei 8.429/1992.

Nada obstante, a questão relativa ao momento limite para a homologação do acordo de não persecução cível no âmbito da ação de improbidade administrativa ainda deve ocupar as decisões da Corte.

Sendo celebrada, a homologação da transação induz a extinção do feito sem resolução do mérito na forma do artigo 487, III, “b”, do Código de Processo Civil, no todo ou em parte, a depender da abrangência do acordo.


O episódio 53 do podcast Sem Precedentes discute ações sobre a Lei de Segurança Nacional, que tem sido usada em inquéritos contra críticos de Bolsonaro. Ouça:


[1] STJ, AgInt no REsp n. 1.659.082/PB, rel. min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 18/12/2020.

[2] STJ, AREsp 1.314.581/SP, rel. min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 23/02/202.

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