Pandemia

A responsabilidade social das empresas e o momento de crise

Essa experiência deve evoluir a interação entre a inciativa privada e a sociedade para um novo patamar

Crédito: Amazônia Real/Fotos Públicas

O mundo atravessa uma crise de excepcional gravidade, que envolve diversos âmbitos da vida, como a saúde da coletividade, economia e relações sociais. A pandemia do coronavírus exige dos governos e da sociedade medidas extraordinárias de confinamento social, bem como o esforço prioritário para o atendimento das pessoas acometidas pelo vírus, principalmente para o sistema de saúde pública.

Enfrentamos o grande desafio de organizar a vida social e, principalmente, os recursos materiais e humanos, que são limitados, para a prevenção e tratamento da Covid-19.

As necessárias medidas de confinamento social levaram à paralização ou redução da maioria das atividades econômicas, com graves repercussões para empresas, empregados e o conjunto da sociedade.

Mas, principalmente, vem atingindo as parcelas mais frágeis economicamente, como os trabalhadores de baixa renda, os informais, os desempregados e os moradores de rua, que vêm em risco a sua capacidade de sobrevivência. Essa situação exige imediata e forte atuação do Poder Público, com medidas de proteção social e de manutenção de emprego e renda.

Mas também as empresas, principalmente as de maior porte econômico, tem a tarefa, de ao lado de se organizar da melhor forma para o enfrentamento desse período, desenvolver atuações que sejam compatíveis com a sua responsabilidade social.

A Responsabilidade Social Empresarial é definida de diversas formas pelos estudiosos do tema, mas podemos utilizar o conceito de Rachel Sztajn[1] de que “consiste na tomada de decisões administrativas que levem em conta valores éticos, o respeito às pessoas, à comunidade, ao meio ambiente”.

Quer dizer, responsabilidade social implica em administrar a sociedade de forma a atender ou superar anseios éticos, jurídicos e negociais do público, tendo em vista as atividades exercidas.

É reconhecido que a sociedade avalia de forma cada vez mais atenta as práticas adotadas pelas empresas e as suas consequências, exigindo-lhes condutas que considera responsáveis. A empresa não é mais encarada, simplesmente, como uma estrutura voltada à geração de lucros e cujo retorno social está concentrado na criação de empregos diretos, indiretos e o pagamento de tributos.

A empresa tem responsabilidades junto à sociedade na qual está inserida, sendo que a sua capacidade de definir suas próprias obrigações e políticas não está dissociada dos objetivos que essa sociedade, em determinado momento, considerada como válidos e necessários[2].

Não basta mais simplesmente o cumprimento do seu objeto social, a partir do respeito da legislação. Como parte integrante da sociedade, da qual necessita para existir e sobreviver, a empresa deve estar engajada às suas exigências[3].

O gestor empresarial tem se deparado com a necessidade de equacionar o objetivo de melhores resultados financeiros e avaliação de formas de operações que sejam socialmente responsáveis[4], agregando valor social à sua empresa, marcas e produtos.

Não se trata de a iniciativa privada assumir os encargos que são de competência do Estado, substituindo-o. Mas sim das empresas estarem inseridas em iniciativas que contribuam para o bem-estar da sociedade no qual estão inseridas. Reconhecimento e valorização da solidariedade empresarial, desvinculada do cumprimento de obrigações legais, mas decorrentes de iniciativas espontâneas.

A iniciativa privada já atua nesse sentido, em iniciativas ou instituições próprias (institutos, associações e clubes) ou em parceria com o poder público. Mas numa situação de tal grau de excepcionalidade, urgência e complexidade, espera-se uma atuação ainda mais consistente e voltada para o enfrentamento da situação de calamidade pública e a minimização dos dramáticos efeitos que estão sendo gerados.

São muito importantes iniciativas como o “Não demita”, na qual um número relevante de empresas, de diversos portes e ramos de atividade, estão se comprometendo publicamente a não demitir funcionários de 01/04 a 31/05. O manifesto da iniciativa destaca exatamente a visão da responsabilidade social:

“A primeira responsabilidade social de uma companhia é retribuir à sociedade o que ela proporciona a você – começando pelas pessoas que dedicam suas vidas, todo dia, ao sucesso do seu negócio. É por isso que nossa maior responsabilidade, agora, é manter nosso quadro de funcionários”.

A garantia dos empregos, mesmo num cenário de paralização das atividades e/ou de forte redução da demanda, demonstra o compromisso das empresas com os seus funcionários e com a sociedade como um todo, ao contribuir para a manutenção circulação da renda e manutenção do consumo.

A mídia tem divulgado diversas atitudes tomadas para grandes empresas em apoio às medidas de atendimento médico aos contaminados pela Covid-19, e também de apoio aos pequenos empreendimentos e assistência aos mais necessitados. Doações de mascarás e respiradores, álcool em gel, alimentos e de valores em dinheiro têm sido efetivadas.

O Banco Itaú anunciou a doação de R$ 1 bilhão para ações vinculadas à pandemia do coronavírus. Segundo a imprensa, é a maior doação já feita no Brasil. A Fiat Chrysler inaugurou um hospital de campanha, com 200 leitos, em Betim/MG, além de outras iniciativas, como a doação de protetores faciais ao IML de Belo Horizonte.

São diversos os bons exemplos, que se espera incentivem outros mais a se engajarem nesse esforço em prol da saúde e bem-estar da coletividade. A sociedade certamente saberá valorizar aqueles que se mostram solidários e engajados nesse momento.

Vários intelectuais, como filósofos, economistas, cientistas sociais e juristas, têm se manifestado sobre como a crise do coronavírus deverá alterar diversos aspectos da vida, após a sua superação. Grande parte dessas especulações apontam para avanços da sociedade global em ternos de solidariedade, combate à desigualdade social e a construção de relações mais humanizadas.

Espera-se, também, que essa experiência, que certamente deixará marcas profundas na comunidade mundial, dissemine ainda mais a visão da Responsabilidade Social das Empresas, fomentando que a interação entre a inciativa privada e a sociedade evolua para um novo patamar, na busca da concretização de uma realidade mais justa e solidária.

 


[1] SZTAJN, Rachel. A Responsabilidade Social das Companhias. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, abr./jun., 1999. p. 36

[2] A Constituição Federal, em seu artigo 170, dispõe que a ordem econômica se funda na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, com o objetivo de assegurar a todos existência digna e que deve observar os princípios da soberania nacional, propriedade privada, função social da propriedade, livre concorrência, defesa do meio ambiente, redução das desigualdades regionais e sociais e a busca do pleno emprego.

[3] Ao Estado contemporâneo se atribuem, hoje, os qualificativos de “Estado –  social” e de “Estado-participado” no qual existe um elemento comum que o diferencia dos qualificativos anteriores: de que o Estado, na sua constituição, não é algo diferente da sociedade que o cria, mas sim e apenas a própria sociedade, ou seja o complexo das pessoas que nele se integram como seres sociais; e o de que, na acção do Estado, o cidadão, como pessoa, participa em termos de contribuinte, integrando na realização dos fins da sociedade, decorrendo entre ambos uma relação de colaboração ou de simbiose e não de oposição ou de mera autoridade própria e discricionária.” (FAVEIRO, Vítor. O Estatuto do Contribuinte – A pessoa do contribuinte no Estado Social de Direito. Coimbra: Coimbra Editora, 2002. p. 186)

[4] CARDOSO, Alessandro. A responsabilidade social das empresas, o dever fundamental de recolher tributos e o planejamento tributário. Revista Direito e Justiça, número IX. Juruá Editorial. Pgs 487-504.

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