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STF

A quem cabe o reconhecimento de comunidades quilombolas?

Decreto presidencial combatido no STF dá ao Poder Executivo, poder de estabelecer onde se situaram efetivamente os quilombos

Amadeu Garrido de Paula
02/04/2015|16:41
Atualizado em 02/04/2015 às 15:41

Depois do voto-vista divergente da Ministra Rosa Weber, novo pedido (ou perdido) de vista interrompeu o julgamento da matéria pelo Supremo Tribunal Federal. O DEM ajuizou ação direta de inconstitucionalidade  (nº 3.231) de Decreto que concedeu atribuições ao Executivo para regulamentar o reconhecimento, a delimitação e a outorga dos títulos de propriedade, previsto pelo texto magno, às comunidades quilombolas.

Vemos na ação dos Democratas, antes de tudo, um tiro no pé. Sem regulamentação, comunidades negras podiam - e o fizeram - alegar que as terras onde fixaram suas moradas e seus labores foram refúgios de escravos. Os quilombolas começaram a crescer em proporção geométrica no Brasil. No Estado de São Paulo, alegou-se que determinados locais eram antigos quilombos, em número tão grande que gerou a inverossimilhança.

O decreto presidencial ora combatido no STF veio exatamente para que o Poder Executivo, com auxílio de historiadores, antropólogos, sociólogos, memorialistas do direito etc, possa estabelecer com precisão onde se situaram efetivamente os quilombos. Sempre soubemos que os quilombos não proliferaram sob nossa nefanda escravidão. Foram em pequeno número, até porque resultavam de atos de heroísmo dos fugitivos, não raro capturados pelos capitães do mato antes de conseguirem proteger-se em porções de terra imunes à localização por seu senhores. A esse justo e valente combate de negros escravizados foi destinada a norma constitucional das Disposições Transitórias. Em outras palavras, aos descendentes, ou sucessores na terra desses homens sofridos e admiráveis, o constituinte concedeu a propriedade sobre os territórios sob sua posse.

Enquanto advogados, tivemos oportunidade de agir em favor de comunidade quilombola, prestes a ser despejada. Felizmente, com êxito, graças ao apoio do Ministério Público Estadual de São Paulo. Assim como os médicos têm olho clínico, e os mais experientes percebam, ao primeiro olhar, o que aflige seus pacientes, os advogados também possuem uma intuição momentânea acerca da pretensão de seus constituintes. Percebemos imediatamente, à vista de senhores e senhoras idosas, seus vestimentos, sua conduta serena, não obstante a desgraça iminente, provavelmente herança genética daquele heroísmo, que, efetivamente, descendiam de quilombolas e eram quilombolas.

Porém, ao mesmo tempo, como só ocorre em nosso País, o mapa do Estado começou a encher-se de pontos supostamente quilombas. Não raro, um equívoco, falta de orientação jurídica de grupos que imaginaram obter o título da terra, com facilidade, por meio de um engenhoso disfarce teatral. Não só as comunidades quilombolas têm direito à propriedade que ocupam. Como é curial, ela pode ser adquirida por usucapião, modo originário e o mais seguro de se adquirir um título de domínio, porque não carrega eventuais vícios de antecessores. O problema é que nossa justiça está distante, os advogados precisam ser remunerados, o processo de usucapião é complexo, moroso e desestimulante. A advocacia pública exerce importante papel para romper esse impasse, porém é quase nada, no aspecto, em nosso próprio e adiantado Estado de São Paulo. Daí o recurso à ficção para se alcançar justiça.

Do exposto, decorre que o decreto combatido no Supremo Tribunal é justo e constitucional, conforme asseverou o voto da Ministra Rosa Weber. O Executivo não extrapolou, antes chamou para si a responsabilidade de investigar e determinar criteriosamente se um determinado sítio de nossas generosas terras rurais tem efetiva característica de reminiscência de quilombo. Isso é bom para a própria clientela política do DEM, proprietários e adquirente de terras rurais; a discriminação é vinculada a critérios, e eventuais abusos ou erronias do Executivo,obviamente, ficam sujeitos ao controle jurisdicional.

Ao contrário, a norma constitucional eficaz, porém em branco, serve para aquela disseminação indiscriminada da arte cênica no campo do direito.

O decreto é perfeitamente constitucional ao dar concretude a uma norma jurídica e gerar a ordem onde começou a imperar a desordem, produto remoto de nossa vergonhosa história da escravidão.logo-jota