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Direito Tributário

A EC 109/21 e o retrocesso na redução dos incentivos fiscais à inovação

Para viabilizar auxílio emergencial, emenda impõe redução dos incentivos fiscais para até 2% do PIB

Marina Machado Marques
24/03/2021|07:00
Crédito: pixabay

Com o objetivo de viabilizar o pagamento do auxílio emergencial à população, a Emenda Constitucional nº 109/21 apresenta uma medida de corte de gastos preocupante para os setores relacionados ao desenvolvimento científico e tecnológico do país: o encaminhamento de um plano de redução gradual dos incentivos federais de natureza tributária para até 2% do PIB, que não pode alcançar os benefícios relacionados ao Simples Nacional, às entidades sem fins lucrativos, aos programas de desenvolvimento do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, à Zona Franca de Manaus e demais áreas de livre comércio, aos produtos da cesta básica e aos programas destinados à concessão de bolsas de estudos para estudantes de cursos superiores (PROUNI).

De acordo com o Demonstrativo dos Gastos Governamentais Indiretos de Natureza Tributária (Gastos Tributários) do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) 2021, os incentivos fiscais federais foram estimados em R$ 307,9 bilhões, representando 4,02% do PIB. Deste total, 48,5% refere-se àqueles excepcionados pelo texto.

Depreende-se desses dados que o alcance da redução pretendida depende da eliminação da maior parte dos benefícios não excepcionados, inclusive os que são destinados à inovação tecnológica. Entretanto, a promoção e o incentivo ao desenvolvimento científico, pesquisa, capacitação científica, tecnologia e inovação são deveres do Estado assegurados pelo artigo 218 da Constituição.

Segundo a doutrina especializada, as interações entre universidade (academia), indústria e governo são a chave para o desenvolvimento de um ecossistema para inovação que produza crescimento econômico e social – modelo denominado de hélice tríplice[2].  Nesse contexto, no âmbito das políticas públicas de inovação, ciência e tecnologia a faceta extrafiscal das normas tributárias, concretizada especialmente mediante a concessão de incentivos fiscais, não se trata de um privilégio tributário.

O Manual de Oslo define que será inovação todo produto, processo, método organizacional ou marketing novo (ou significativamente melhorado) destinado ao ambiente de produção que seja efetivamente implementada. Em regra, as inovações são fruto de longos processos de pesquisa e desenvolvimento experimental, sujeitando-se a uma série de incertezas que demandam a constância e a previsibilidade das políticas tributárias.

Importante ressaltar, ainda, que a segurança jurídica é princípio basilar do direito tributário, motivo pelo qual os benefícios destinados à inovação tecnológica concedidos por prazo certo e com condição não podem ser simplesmente revogados[3].

Além disso, o princípio da não surpresa exige a aplicação, nos demais casos, do princípio da anterioridade, haja vista que a revogação de benefício fiscal implica em aumento da carga tributária.

Duas importantes iniciativas que estão fora das exceções da Emenda Constitucional são a Lei nº 11.196/2005, conhecida como Lei do Bem, e o Programa Rota 2030. A primeira permite a dedução do IRPJ/CSLL apurado sob a sistemática do lucro real dos dispêndios com pesquisa e desenvolvimento para geração de novos produtos e processos no país, bem como a redução do IPI e depreciação acelerada de máquinas e equipamentos com este fim.

Por sua vez, o  Programa Rota 2030, instituído pela Medida Provisória nº 843/2018, convertida na Lei nº 13.755/2018, tem por objetivo promover o desenvolvimento tecnológico e a inovação no setor automotivo, concedendo créditos calculados por meio da aplicação das alíquotas do IRPJ/CSLL sobre até 45% dos dispêndios realizados no Brasil, no respectivo período de apuração, aplicados em pesquisa e desenvolvimento, desde que as despesas sejam consideradas operacionais. Tal benefício é cumulável com outros incentivos, inclusive que se refiram a bases similares, como os concedidos pela Lei do Bem (artigo 12 da Lei nº 13.755/2018).

Através do programa, a Finep anunciou um apoio ao desenvolvimento de soluções baseadas em grafeno[4], um dos mais revolucionários e disruptivos materiais recentemente descobertos, possuidor de propriedades eletrônicas, térmicas e mecânicas extremamente diferenciadas que podem resolver diversos problemas do setor automotivo. Mundialmente, há uma verdadeira corrida científica pelo material, produzido, dentre outras formas, a partir da grafita, recurso mineral abundante no país e costumeiramente exportado com baixo valor agregado.

Com essas breves considerações, demonstra-se que os incentivos fiscais à inovação tecnológica não são privilégios tributários. Pelo contrário, são formas de efetivação de um valor constitucional que também auxilia a promoção do desenvolvimento nacional, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Assim, eventual revogação desses benefícios representa um grave retrocesso ao país.


O episódio 53 do podcast Sem Precedentes discute ações sobre a Lei de Segurança Nacional, que tem sido usada em inquéritos contra críticos de Bolsonaro. Ouça:


[2] ETZKOWITZ, Henry e ZHOU, Chunyan. Hélice Tríplice: inovação e empreendedorismo universidade-indústria-governo. Estudos Avançados 31 (90), 2017, p. 23-78. Tradução de Carlos Malferrari.

[3] Vale lembrar a redação da Súmula 544/STF: “Isenções tributárias concedidas, sob condição onerosa, não podem ser livremente suprimidas”.

[4] http://www.finep.gov.br/noticias/todas-noticias/6077-finep-discute-possibilidades-de-uso-do-grafeno-na-cadeia-automotivalogo-jota