Economia

A distribuição de combustíveis e o paralelismo de preços

Uma perspectiva da alta de preço da gasolina, do etanol e do diesel no mercado brasileiro

combustíveis
Crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A discussão acerca do preço dos combustíveis está presente no nosso cotidiano e nos meios de comunicação. No âmbito do JOTA não poderia ser diferente, com diversos artigos sobre o tema. Destaco um recente texto de Fabio Graner, “A complexa e necessária discussão do que fazer com os preços dos combustíveis”, trazendo diversos pontos com os quais pode-se concordar ou não, mas sua conclusão é irretocável no sentido de que não há saída fácil para o problema e a de que soluções orientadas pela lógica eleitoral, assim como restrições fiscais, podem não ser as mais adequadas para o nosso país.

Partindo da ideia de que não existe uma solução fácil, pretendo, de forma objetiva, focar questões relativas à distribuição de combustíveis no Brasil, em especial à formação de preços nas distribuidoras e postos de gasolina, considerando o conceito de paralelismo de preços. Entendo que sem a devida análise do comportamento dos agentes, alguns instrumentos que objetivem a queda dos preços dos combustíveis serão pouco eficientes ou inócuos, principalmente no longo prazo.

Preliminarmente, é necessário observar que o setor de petróleo e combustíveis pode ser dividido em duas grandes etapas. A primeira, o upstream, inicia-se na retirada do petróleo de um poço e termina com a sua entrega a uma refinaria, onde será utilizado como matéria-prima para diversos produtos. Um produto bastante relevante são os combustíveis, em especial a gasolina, o diesel e o querosene de aviação (QAV). A etapa seguinte é o downstream, a distribuição desses produtos da refinaria até o seu consumidor final.

O segmento de upstream é concentrado no Brasil e nos mais diversos países considerando a complexidade da operação, os riscos e custos envolvidos. Em que pese a existência de outros agentes atuando nesse mercado no Brasil, a Petrobras tem uma grande importância e uma significativa participação nesta etapa.

No downstream, ou distribuição, o retrato é diferente, apesar da complexidade e dos altos custos, os riscos são menores do que em segmentos como o de exploração, e em que pese o fato de haver uma relação complexa e de dependência com um agente com grande poder de mercado, a Petrobras. No passado recente brasileiro, houve a entrada de diversos grupos internacionais e nacionais nesta atividade, muitos dos quais, pelos mais diversos motivos, deixaram de atuar no Brasil, levando a processos de desinvestimento e venda de ativos.

Conforme dados[1] da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), observa-se que nas diversas regiões do país, entre 60% e 70% do mercado de distribuição de combustíveis está concentrado nas três grandes distribuidoras, quais sejam: a Shell/Raízen, a Ipiranga/Ultra e a BR Distribuidora/Vibra (anteriormente pertencente à Petrobras). Tais participações conferem um significativo poder de mercado a essas empresas.

Desverticalização

Uma recente mudança relevante nesse mercado foi a desverticalização da Petrobras com a venda da BR Distribuidora, uma empresa com significativa participação de mercado e uma marca forte. A meu ver, essa operação tem um impacto significativo nos preços do mercado, na medida em que a estratégia e a estrutura de preços das empresas cindidas passam a seguir caminhos diferentes.

Um ponto relevante da relação Petrobras e BR Distribuidora está no fato de que tais empresas eram controladas pelo Estado, tendo a União como acionista majoritária. Estava presente a dicotomia entre ser uma empresa privada, voltada ao lucro para os seus acionistas, e ser um agente público relevante e estratégico no setor de energia. Essa dicotomia e o poder de comando do sócio majoritário pode levar a uma influência na política de preço dos combustíveis, influência que, ao longo do tempo, foi atenuada por mecanismos internos da Petrobras voltados à sua independência e governança. É importante destacar que, apesar de tal blindagem, não é difícil imaginar a possibilidade de influência nos preços pelo governante. No que tange ao paralelismo de preços, o mero potencial poderá ser suficiente para inviabilizar o paralelismo, em outras palavras, a mera possibilidade de um agente ter outra racionalidade pode influenciar na existência, ou não, do paralelismo.

Dessa forma, sem entrar no mérito da desverticalização nesta oportunidade, é importante ressaltar que esta terá um impacto significativo. Tal movimento cria um cenário em que existem três grandes agentes distribuidores desverticalizados, em que não existe a efetiva, ou potencial, intervenção direta do Estado nos preços de comercialização dos produtos.

Paralelismo de preços

O paralelismo de preços ocorre quando diferentes agentes em um mercado acompanham os preços praticados pelos outros. Não se trata de cartel, no qual existe o denominado paralelismo plus em que está presente um acordo expresso, uma combinação ilícita, entre agentes para determinar preço ou quantidade.

O paralelismo pode acontecer de forma mais ou menos intensa nos mais diversos mercados, mas ele tende a ser mais comum em mercados com algumas características. Um primeiro elemento é a homogeneidade, a substitutibilidade e a essencialidade do produto. A gasolina, o diesel, o etanol podem ser considerados homogêneos, na medida em que possuem as mesmas características.  Complementarmente, temos o fato de não admitirem substitutos e, ao mesmo tempo, serem “insumos” essenciais. Se o arroz fica muito caro, este poderá ser substituído por outros produtos como macarrão. O arroz e o macarrão são alimentos importantes, mas não são os únicos existentes. A gasolina, o diesel e o etanol como fontes de energia para veículos não podem ser facilmente substituídos e, ao mesmo tempo, são essenciais para a economia.

Outra característica que potencializa o paralelismo é a publicidade do preço. Nos postos de combustíveis, os preços são públicos, podem ser vistos por qualquer um que passe em frente ao posto. A publicidade do preço com certeza é positiva para o consumidor que pode pesquisar o preço mais baixo, mas também permite com que postos concorrentes saibam os preços praticados uns pelos outros.

E como terceira característica que considero relevante nesta breve análise, existe a questão do número de concorrentes e as barreiras à entrada de novos agentes, ponto que ganha complexidade por conta das características da distribuição. A abertura de um posto de combustível é custosa e é limitada em diversas localidades por questões de espaço, meio ambiente e as licenças necessárias para operação. Por sua vez, na distribuição também haverá barreiras à entrada associadas à escala e à complexidade em um país continental com uma logística complexa e infraestrutura limitada.

Em termos práticos, com base em uma lógica econômica explicada matematicamente, o paralelismo acontece quando um agente entende que é melhor para ele subir o preço, por ele ser líder ou por estar acompanhando o líder, em uma lógica em que mesmo que ele venda menos em dado momento, o aumento nominal compensa a perda de volume comercializado. Por exemplo, um posto de gasolina pratica o preço de R$ 5,80, um concorrente no mesmo bairro tem um preço de R$ 5,85 e outro de R$ 5,78. Se ele aumenta o preço para R$ 5,82, não perde tantos clientes e ainda amplia a sua margem em R$ 0,02. O concorrente que cobra R$ 5,78 pode até vender um pouco mais, mas está com uma margem menor. Se ele subir para R$ 5,81, ainda será o mais barato da região e elevará sua margem em R$ 0,03. O que cobra R$ 5,85 pode aumentar um pouco mais o valor e ampliar a sua margem.

Os preços vão subindo aos poucos e os concorrentes vão testando a reação uns dos outros. No exemplo, os postos aumentaram os preços sem um acordo expresso, mas de uma forma tácita, observando a ação uns dos outros. O consumidor aos poucos foi pagando mais.

Em situações de instabilidade no petróleo, haverá, igualmente, uma tendência ao aumento de preços observando a ideia de paralelismo em que os agentes observam o aumento de preço e o comportamento de seus concorrentes. E, após a alta, os incentivos para baixar, mesmo com a queda do preço do insumo, são muito pequenos. Quando ocorre, tende a ser de uma forma bem mais lenta do que a subida.

Conclusão

Para concluir, retorno à ideia de Fabio Graner de que não existem soluções fáceis. É necessário deixar de lado políticas populistas voltadas a interesses eleitorais imediatos e pensar no setor no médio e longo prazo.

Torna-se necessário definir instrumentos regulatórios e de fomento que estimulem a entrada de novos agentes no setor de distribuição de combustíveis. Complementando a regulação, existe a necessidade de uma atuação no âmbito da defesa da concorrência que coíba estratégias de empresas com grande poder de mercado que prejudiquem a concorrência, insistindo também numa atuação setorial de combate à cartéis, o paralelismo plus, conduta objeto de condenações administrativas e judiciais no Brasil nos últimos anos.

Ademais, trata-se de um setor socialmente e economicamente importante para a economia brasileira, influenciando na inflação, na arrecadação dos estados, na produção e distribuição de produtos e no cotidiano dos cidadãos de forma direta e indireta. O tema é vasto e o mercado é complexo e relevante. Soluções que o analisem sob uma única perspectiva, tal como um cobertor curto, deixarão os ombros ou os pés de fora.


[1] Conforme anuário da ANP e outras fontes públicas de informação.  Acesso em 09/08/2022 – https://www.gov.br/anp/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/anuario-estatistico/arquivos-anuario-estatistico-2021/textos/secao-3.pdf