Mediação

A Covid-19 e os métodos alternativos de resolução de disputas

Atores sociais deveriam ver a via jurisdicional como última alternativa, e não como meio ordinário de solução

eficiência, CADE, concorrência
Crédito: Pxhere

O jornal Valor Econômico edição de 25 de março de 2020, página E1, noticia que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) irá estimular a utilização de meios alternativos de resolução de disputas em âmbito individual e coletivo, especificamente nesse momento da pandemia trazida pela variação “Covid-19” de um dado vírus que trará sérios desafios sociais, políticos e econômicos, e em nível jurisdicional há a expectativa de surgimento de diversos tipos de processos.

Dada a extraordinariedade da situação vivida muitos arriscam dizer tratar-se de uma crise econômica sem precedentes, e nessa esteira virão crises de outros matizes, a comprovar as já deflagradas crises social, a conferir os “panelaços”, política, em que governadores de diversos estados publicamente romperam com o governo federal, que com eles troca acusações, e econômica, já tendo o mercado antecipado o efeito da severa queda de receitas.

É bem verdade que setores como de distribuição de produtos farmacêuticos e de varejo para alimentação, além de setores como de entregas rápidas, experimentam sensível aumento de vendas e contratação de pessoal, mas o fato é que de um modo geral a crise econômica já está instalada.

Estima-se que os mercados tenderão a se fechar, gerando o efeito da localização, contraponto ao da globalização, e é na fricção dessa talvez alteração dos paradigmas estruturantes do contexto sócio-econômico-político-jurídico em que vivemos que as relações sociais irão se adaptar a essa nova realidade, e essa acomodação gerará acertos dos mais variados tipos: novos contratos serão firmados, contratos antigos serão adaptados e outros serão rescindidos, resolvidos e resilidos.

Conforme as causas e efeitos de cada alteração de vínculo obrigacional as partes envolvidas evoluirão para soluções que potencialmente necessitarão de juízes ou árbitros para serem equacionadas.

A Recomendação nº 1, do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, dada de 23 de março de 2020, trata justamente de conclamar os magistrados de todo o Brasil a buscar a solução mediada dos conflitos.

O Conselho Nacional de Justiça adotou a Resolução nº 313, para tratar das questões jurisdicionais alusivas à prestação jurisdicional em suas vertentes atendimento ao público e ônus processuais das partes em especial quanto a prazos, e a Portaria nº 57, de 20 de março de 2020, incluiu o “Covid-19” no “Observatório Nacional sobre Questões Ambientais, Econômicas e Sociais de Alta Complexidade e Grande Impacto e Repercussão”. Em especial essa última cuida-se de medida administrativa orientada para se colher informações visando possibilitar a jurimetria sobre a matéria.

Interessante o Projeto de Lei nº 791/2.020, apresentado pela Presidência da República na data de 18 de março de 2020, e cuja finalidade é a de instituir o Comitê Nacional de Órgãos de Justiça e Controle “para prevenir ou terminar litígios, inclusive os judiciais, relacionados ao enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus (Covid-19)”.

Por meio dessa proposição legislativa pretende-se criar uma esfera extrajudicial destinada a tratar de questões relativas à res publica, de interesse dos entes federativos e afetos à gestão do Poder Executivo de cada qual, a fim de afastar potencial corrida às Cortes do estado em decorrência da crise por que passamos nesse início do mesmo de março de 2020 e que perdurará por tempo incerto – longo serão o efeito dessa crise, e daí ser necessário pensar na gestão pública dos conflitos, de modo a estimular todos a buscar meios alternativos e adotar postura diversa.

A promoção da autocomposição de conflitos e utilização de meios alternativos de solução de disputas, tais como a negociação, conciliação, mediação, arbitragem, dispute boards, para citar os mais conhecidos, é matéria já antiga entre nós.

Seria importante, pois, que em ação coordenada do Conselho Nacional de Justiça com os Tribunais estaduais e federais houve maior preocupação com a gestão dos conflitos em todos os níveis, quer seja na relação da Administração com seus pagadores de impostos e contratados em geral para o fornecimento de produtos e serviços, quer seja nas relações trabalhistas e civis e comerciais.

É fato notório que no Brasil privilegia-se a solução de conflitos por meio do Poder Judiciário, relegando-se a total descrédito soluções que pudessem ser alcançadas com o mesmo grau de resultado em esfera extrajudicial.

Mesmo a arbitragem, quer nos parecer, está hoje relegada no mais das vezes aos chamados grandes e complexos conflitos, e mesmo os profissionais que a ela de dedicam parecem nutrir especial interesse pelos conflitos societários e empresariais. Mesmo quando voltada à Administração Pública a arbitragem parece ser visualizada sob o prisma das grandes contratações de obras públicas ou concessão de serviços públicos.

Nas instituições dedicadas à administração de arbitragens, tais como Câmara de Comércio Brasil-Canadá dentre vários outros que têm proliferado em nível nacional e internacional, há regulamento específico para os procedimentos de mediação e conciliação, mas sua utilização dá-se em nível muito inferior aos das arbitragens, a confirmar nossa tradição de preferir as chamadas soluções adjudicatórias, em que um terceiro decide no lugar de as partes alcançarem o consenso.

A submissão dos conflitos à jurisdição estatal ou de árbitros, ademais, a pretexto de equacionalizar as relações sociais e trazer segurança jurídica, ocasionará elevado custo à parte perdedora, e isso no âmbito de situações em que qualquer das partes cogitou seriamente – ou teve tempo para fazê-lo – os custos econômicos envolvidos em submeter aos meios tradicionais de resolução de disputas.

A própria utilização do termo “tradicional”, hoje aceito por todos os que tratam do tema, está em oposição ao conceito de meio “não tradicional”, dentre os quais podemos novamente citar a negociação, conciliação, mediação e os dispute boards. Vale repetir, a tradição em nosso país é a judicialização dos conflitos.

Importante frisar que o fenômeno da judicialização trouxe maior dramaticidade aos sujeitos processuais com a promulgação doa Lei nº 13.105/2015, que em seu artigo 85 estabeleceu níveis rígidos de da parte vencida ao pagamento de verba honorária, e faixas de condenação quando em juízo a Fazenda Pública e entidades a ela equiparadas.

O mesmo se aplica à jurisdição trabalhista, a teor da recente reforma imprimida pela Lei nº 13.467/2.017, que atendeu a um reclamo antigo da classe dos advogados e estabeleceu a condenação ao pagamento de verba honorária nas causas envolvendo o direito do trabalho.

O custo da lide jurisdicional é também maior, pois presume-se que a contratação de serviços de natureza jurídica para fins de auxiliar pessoas e empresas a litigar é maior do aquele que seria cobrado para a finalidade de se acompanhar uma negociação, conciliação ou mesmo mediação.

É certamente um contrassenso que a pretexto de se minorar perdas os sujeitos de uma dada relação jurídica venham a justamente incorrer em maiores e custas e na incerteza do resultado que juízes ou árbitros podem adotar para determinado caso.

Além disso, a probabilidade de as partes cumprirem acertos a que chegaram no contexto de critérios construídos de forma bilateral do que sujeitar-se a determinações fixadas por um terceiro. O aspecto temporal é também vital.

No atual cenário de crise a espera por soluções que inevitavelmente demandam tempo reclama a agilidade que é própria das soluções consensuais, e isso mesmo nas hipóteses em que há a concessão de tutelas provisórias, pois a disponibilidade do direito em caráter final e efetivo pode consumir longo tempo até que possa haver efetiva constituição de uma dada situação jurídica.

Em nosso entender, urge que haja uma mudança de postura por parte de advogados e empresas, e para esse fim deveria haver rápida sensibilização para que entidades as mais diversas – Conselho Nacional de Justiça, Tribunais Superiores, Tribunais Regionais e Estaduais, Ordem dos Advogados do Brasil, Instituto dos Advogados de São Paulo, Instituto Brasileiro de Direito Processual, Instituto Brasileiro de Direito Administrativo, enfim, uma ação conjunta com direção a uma mesma finalidade que é a estimular os atores processuais a evitar a jurisdicionalização de seus conflitos e passarem a pensar pragmaticamente.

Dentre as várias mudanças que especialistas em economia, por exemplo, vem preconizando para o futuro das empresas e da economia, é chegado o momento de haver também essa importante mudança estrutural, de modo que os atores sociais passem a encarar a via jurisdicional como última alternativa, e não como meio ordinário de solução de suas pretensões.