Coronavírus

A cooperação temporária de concorrentes durante a pandemia

Como a flexibilização da concorrência pode salvar os mercados

Crédito: Marcelo Seabra/Agência Pará

O coronavírus criou desafios de saúde, sociais, comerciais e econômicos sem precedentes – que exigem soluções criativas e inovadoras. Em algumas áreas, o interesse público seria atendido pela cooperação entre os concorrentes para criar soluções e obter os produtos e serviços onde eles são mais necessários para combater o vírus.

Os agentes antitruste em todo o mundo veem tanto a necessidade de continuar a aplicar vigorosamente as leis de concorrência, quanto a necessidade de permitir – de maneira flexível – a cooperação temporária entre concorrentes envolvidos em atividades relacionadas ao combate à Covid-19.

O comitê diretor da International Competition Network (ICN), composto por 140 autoridades da concorrência, reafirmou a importância de uma concorrência saudável para a economia e os consumidores. No documento ICN Steering Group Statement: Competition during and after the Covid-19 Pandemic, foi reconhecida a necessidade de cooperação entre empresas, com prazo e escopo limitados, para garantir que a população seja abastecida com bens.

A declaração aponta para a possibilidade de que autoridades da concorrência comuniquem diretrizes e ajustes operacionais e processuais de maneira transparente para lidar com as circunstâncias da crise, na medida em que suas leis assim permitirem.

A ICN também ressaltou o papel importante de advocacy das agências antitruste, a fim de explicar não apenas ao público, mas também aconselhar seus governos quanto a relevância da concorrência nos mercados. Indicar os efeitos e implicações de medidas econômicas é tarefa essencial e que possui especial importância em momentos críticos como o atual.

A troca de ideias, experiências e melhores práticas é de grande relevância neste momento e a ICN, como uma comunidade global das agências de concorrência, comprometeu-se a continuar a promover a colaboração dentro da rede.

A autoridade antitruste brasileira, o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), manifestou seu apoio a declaração da ICN e tem demonstrado a continuação de seus trabalhos mesmo diante das condições adversas da pandemia.

No cenário internacional, destacam-se ações tomadas pela autoridade de concorrência australiana (a Australian Competition and Consumer Commission – ACCC) que consultará ativamente as empresas sobre possíveis aprovações de cooperação entre concorrentes necessárias para atendimento do interesse público.

A ACCC autorizou que as empresas de tecnologia médica cooperem, a fim de coordenar o fornecimento e a potencial produção na Austrália de equipamentos respiratórios, kits de teste, equipamentos de proteção individual e outros dispositivos médicos necessários para combater a pandemia. Isso também se aplica a fornecedores e distribuidores de produtos médicos, que poderão trocar informações e coordenar pedidos e solicitações de entrega.

A autoridade antitruste britânica (British Competition and Markets Authority – CMA) tem demonstrado a intenção de esgotar todas as possibilidades no setor de alimentos e higiene, a fim de garantir o suprimento dos cidadãos.

Além disso, os varejistas britânicos de alimentos poderão trocar informações sobre níveis de estoque, compartilhar capacidade de transporte e armazenamento e cooperar para manter seus negócios abertos e garantir suprimentos.

Ademais, a CMA deixou clara a contínua aplicabilidade das leis de concorrência. A autoridade manifestou, ainda, que irá continuar a investigar e punir caso de conduta anticompetitivas.

Embora este seja um momento sem precedentes, mostra-se fundamental a manutenção da concorrência a longo prazo para garantir o funcionamento dos mercados e da economia.

Ainda que haja permissão da cooperação temporária entre concorrentes, é possível verificar que os agentes antitruste estão atentos aos efeitos futuros dessa prática e tomando medidas que refletem essa preocupação.

Ainda que a higidez na aplicação das leis de concorrência seja essencial, as demandas excepcionais decorrentes da pandemia exigem novos posicionamentos. A flexibilização de determinadas normas é mais do que necessária para salvar os mercados e, inclusive, a própria concorrência.

Nesse sentido, as autoridades concorrências têm um papel de extrema relevância para garantir que o gerenciamento dos impactos da crise seja feito a priori e de maneira criativa para, assim, criar o melhor ambiente para a recuperação econômica no futuro sem a Covid-19 – que todos esperamos que esteja próximo.

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