A entrevista coletiva dos técnicos da área fiscal do Ministério da Economia para explicar o relatório bimestral de receitas e despesas mostrou que o sinal de melhora fiscal não é tão forte quanto uma análise fria dos números divulgados. Há dois motivos para isso. O primeiro e mais concreto é o encontro de contas entre o governo federal e o município de São Paulo envolvendo a dívida da prefeitura e a posse do Campo de Marte, disputa que se arrastava há décadas.
O acordo assinado há cinco dias faz um encontro de contas de R$ 23,8 bilhões, dando a posse do aeroporto para o governo federal e abatendo a dívida da prefeitura com a União. O entendimento vai gerar uma despesa primária de mesmo valor, ao mesmo tempo que aumenta a receita financeira da União. Dessa forma, a dívida fica neutra, mas o déficit primário pula dos R$ 66,9 bilhões de saldo negativo previstos no documento (e que são melhores do que o R$ 76,2 bilhões estimados na lei orçamentária) para R$ 90,7 bilhões.
Segundo o secretário do Tesouro Nacional, Paulo Valle, esse acordo não foi incorporado ao relatório porque ainda não foi homologado, mas ele reconheceu que a despesa será incorporada neste ano. Ele também disse que o primário pode piorar em até R$ 34,8 bilhões referente aos precatórios que estão de fora do teto e podem ser alvo de encontro de contas ou pagamento com 40% de desconto (que nesse caso elevaria menos o déficit). Assim, com esses dados de fora do relatório, o déficit primário pode ficar entre R$ 90 bilhões e R$ 125 bilhões no governo central, sem considerar novas medidas que podem ser acionadas.
É importante ressaltar, porém, que não dá para dizer que as contas não tiveram de fato alguma melhora. Mesmo com R$ 49,8 bilhões em desonerações tributárias adotadas neste ano e que foram incorporadas às contas, o saldo apontado no relatório melhorou, efeito de receitas espetaculares nas áreas de petróleo, minérios, dividendos e também de melhora na arrecadação da previdência.
Com base nesses dados, o secretário especial de Tesouro e Orçamento, Esteves Colnago, enfatizou que o primeiro relatório bimestral de receitas e despesas do ano trouxe a terceira melhora consecutiva na projeção de resultado primário.
O comentário de Colnago, um dos principais integrantes da equipe econômica, ocorreu no mesmo dia em que o Banco Central fez mais um alerta sobre o risco de a questão fiscal impactar negativamente a inflação e destacar que isso estava parcialmente incorporado pelo mercado.
Habilidoso, o técnico não quis referendar nem contraditar o posicionamento da autoridade monetária, apesar de questionado duas vezes, mas ressaltou que os dados fiscais estão sim melhorando, mesmo que se possa considerar, e ele também avalia assim, que poderiam ser melhores.
Colnago deu recados importantes, como a rejeição a ideias de subsídios e/ou subvenções para a gasolina, por não haver espaço no teto de gastos e por considerar que isso beneficiaria classe média alta. A parte do teto pode ser driblada por mais um crédito extraordinário, que neste ano já somam quase R$ 25 bilhões, mas o secretário disse não ver, no momento, justificativa para isso.
Ele reconheceu que há pressões por desoneração do PIS/Cofins da gasolina, que se reforçam com o bom momento da arrecadação. Mas reforçou sua visão contrária a agir nesse combustível e defendeu a tese de que o momento agora é de se esperar antes de tomar novas atitudes. Colnago até tem razão, dadas as condições das contas do país, mas as razões da política são de outra ordem. E, nesse caso, a melhora fiscal recente, que já não é grande coisa (como deixam claro os dados de fora do relatório), pode se esvair rapidamente.