Em meio aos ruídos econômicos que vem provocando por falas recentes, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deslocou para o campo político a discussão de uma moeda em comum com a Argentina. Como o assunto estava em debate no gabinete presidencial há semanas, um comunicado mais detalhado era esperado por representantes da diplomacia brasileira. Ao deixar o assunto em estágio inicial, e sob responsabilidade dos dois ministros da Fazenda, o governo brasileiro criou um fato político ao reforçar uma guinada diplomática e o relançamento das relações com os países vizinhos e na cooperação “sul-sul”, sem provocar novo estremecimento com agentes financeiros.
Em caráter simbólico, a iniciativa reforça o aspecto ideológico do atual governo, que mantém a aposta no multilateralismo e na diversificação de arranjos econômicos fora do eixo tradicional dos países ricos do mundo. Nas eras Lula e Dilma Rousseff, o Brasil sempre se esforçou (e por vários momentos contra os próprios interesses locais) para sustentar e avançar o Mercosul, além de ser impulsionador de organizações como Brics e o próprio G20.
Embora a proposta tenha gerado um ruído inicial com agentes econômicos, a iniciativa não tem impacto de curto prazo e seus estudos, segundo fontes da área econômica, devem levar entre três e quatro anos, para só depois se decidir se isso irá avançar ou não.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, porém, indicou que há caminhos de curto prazo para fomentar o comércio bilateral, como o uso de um fundo garantidor para viabilizar o crédito à exportação. A Argentina historicamente é comprador de produtos de maior valor adicionado (manufaturados) do Brasil, mas essa relevância tem diminuído nos últimos anos.
Em seu discurso, mas também nos bastidores, Haddad e sua equipe atuaram para desfazer a ideia de “moeda única”, que apareceu na fala do ministro argentino Sergio Massa ao “Financial Times”. O objetivo do governo brasileiro é uma unidade de conta comum, uma espécie de ‘URV’, que flutuaria contra as duas moedas, para retirar o dólar de cena na relação bilateral. Embora a moeda americana não seja um problema para o Brasil, a dificuldade de acesso dos argentinos à divisa americana acaba prejudicando a economia brasileira pelo canal do comércio.
Enquanto isso no Brasil…
Ministros trabalham com o prazo de depois do Carnaval para que a máquina federal comece efetivamente a rodar. Além do ruído institucional com as Forças Armadas e a dificuldade administrativa na reorganização de 37 pastas, há reclamações de ministros de partidos centro sobre a trava imposta pelo Planalto para avalizar indicações de quadros técnicos em cargos no segundo escalão. A avaliação é de que a manutenção de nomes que já estavam na esfera pública, mas não têm vínculos diretos com o bolsonarismo, poderia atrair agentes financeiros ao sinalizar continuidade em algumas diretrizes da política pública, caso de Minas e Energia e Integração Regional.
Enquanto a composição final dos ministérios segue indefinida, a ‘verborragia’ do presidente da República em assuntos econômicos recentes tem gerado os primeiros ruídos internos. Um dos episódios recentes envolveu a Casa Civil, que foi surpreendida pelas declarações sobre Imposto de Renda e fez chegar a Lula a reclamação. Ainda que o petista tenha prometido em encontro com centrais sindicais ampliar a isenção de quem recebe até R$ 5 mil, não há ideia em estudo no Planalto.
Frente ampla
A articulação política acelerou as tratativas com partidos do centrão para ampliar a base no Congresso. Lideranças políticas de siglas como PP, PL e Republicanos calculam que podem oferecer cerca de 70 votos no início da nova legislatura. Há “pressa” de parlamentares em chegar antes à mesa de negociações para negociar cargos em segundo e terceiro escalão em troca da fidelidade no Congresso. As conversas têm sido centralizadas pelo ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha.
A aproximação com o bloco que detém maioria na Câmara deve passar ainda, nos próximos dias, por um posicionamento público da bancada do PT na Casa em apoio ao deputado Jhonantan de Jesus (Republicanos-RR) na disputa para a vaga de ministro do Tribunal de Contas da União (TCU). A oficialização tem sido cobrada por lideranças da legenda do centrão para destravar as negociações com o Planalto.
O nome do deputado do Republicanos é apoiado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que estuda convocar a eleição na primeira semana de fevereiro, após ser reconduzido por mais dois anos à frente do cargo, como é o mais provável. A deputada Soraya Santos (PL-RJ) também é candidata, embora lideranças da legenda de Valdemar Costa Neto ainda atuem para demovê-la, temendo que o partido possa ser retaliado na configuração de blocos partidários que devem influenciar a nova disposição de forças na Mesa e comissões permanentes.