Entusiasmado com os dividendos políticos que colheu após o embate com Alexandre de Moraes no caso Daniel Silveira, o presidente Jair Bolsonaro (PL) escolheu o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) como antagonista simbólico da sua ofensiva contra a segurança das urnas eletrônicas e as supostas afrontas que estariam sendo cometidas pelo Judiciário na tentativa de tutelar seu governo.
Ao enviar notícia-crime à Corte acusando Moraes de abuso de autoridade e de atacar a democracia, o presidente tinha pleno conhecimento das consequências jurídicas quase nulas da sua investida, mas calculou milimetricamente o bônus eleitoral de novo round na briga com o magistrado que vai presidir a eleição presidencial de outubro.
Bolsonaro quer transformar Moraes num “inimigo pessoal” dentro do Judiciário, o que o levaria a condição de “juiz suspeito” na sua gestão à frente do TSE, sucedendo Edson Fachin.
O ministro é relator de quatro dos cinco inquéritos em curso hoje no STF contra Bolsonaro: acusação de interferência política na Polícia Federal, suspeita de divulgação de dados sigilosos sobre as urnas eletrônicas, suposto envolvimento na disseminação de fake news e possível associação da vacina contra a Covid-19 a doenças como a Aids.
Indicado ao Supremo por Michel Temer, Moraes teve destacada atuação em governos do PSDB em São Paulo, sobretudo como principal secretário do ex-tucano Geraldo Alckmin (PSB), hoje candidato a vice na chapa de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a eleição presidencial de 2022.
O ministro também comprou uma contenda pesada com a família de Bolsonaro e aliados do governo na comunicação digital, ativo poderoso do bolsonarismo desde a campanha de 2018. As digitais de Moraes estão em diversas iniciativas que acabaram por reduzir a capilaridade e o financiamento da estrutura de apoio ao presidente nas redes sociais.
Alvo pessoal
Bolsonaro e seus principais apoiadores caracterizam a ofensiva de Moraes contra as “fake news” como uma afronta à liberdade de expressão, valor que o presidente gostaria de ver na linha de frente da pauta das eleições deste ano.
Ao fulanizar a disputa com o STF e optar por Moraes como alvo preferencial, Bolsonaro tem afirmado a interlocutores que deseja expressar sua contrariedade em relação a decisões pontuais e específicas da Corte, mantendo um distanciamento estratégico nos ataques à “instituição Supremo”.
Com isso, o governo pouparia ministros com quem Bolsonaro acredita manter pontes pessoais e, de quebra, alimentaria dissensos dentro do colegiado, já que as atitudes de Moraes produzem algum desconforto em parte dos seus pares.
Ao protagonizar uma permanente queda-de-braço com o Judiciário, Bolsonaro também espera mudar a pauta, deixando a crise econômica e temas de sua alçada e altíssimo potencial de dano eleitoral, como a inflação e o preço dos combustíveis, em segundo plano.
Ministros instalados no Planalto, hoje mais próximos do convívio rotineiro com o presidente, afirmam acreditar na possibilidade de converter a agenda da campanha pela reeleição numa guerra ideológica e focada em valores subjetivos como a “liberdade de expressão” e a defesa dos “valores da família”. Para tanto, seria necessário que Bolsonaro isolasse itens da pauta econômica, terceirizando responsabilidades e se distanciando das notícias negativas que afetam o bolso do brasileiro.
Aceno às ruas
Parcela substantiva dos seus apoiadores mais leais, que asseguram um piso sólido de popularidade, defende que Bolsonaro adote medidas mais enérgicas contra o STF. Esse grupo esteve à frente dos protestos de 7 de Setembro, os mais expressivos do atual mandato e que levaram dezenas de milhares de pessoas às ruas de São Paulo e Brasília.
Naquela ocasião, o presidente decidiu comparecer pessoalmente ao palanque da avenida Paulista e discursou, prometendo “descumprir” novas medidas adotadas por Moraes, citando-o nominalmente.
Na sequência, dadas as críticas do centrão à conduta de Bolsonaro, ele baixou o tom e contou com o apoio do ex-presidente Michel Temer para buscar um “cessar-fogo” com o ministro, que durou até abril deste ano.
Por ocasião da condenação de Silveira, deputado da base raiz do bolsonarismo, Bolsonaro encontrou um novo expediente para contraditar uma decisão de Moraes, concedendo um indulto ao aliado, o que gerou intensa mobilização de sua base política mais radical, que tratou a decisão como uma vitória do Executivo contra a cúpula do Judiciário, a quem se atribui manobras para supostamente inviabilizar a governabilidade bolsonarista.
O Planalto sabe que precisa manter aquecida essa massa que é capaz de confrontar Lula e seus aliados nas mobilizações populares, que tendem a ganhar tração com o aquecimento da campanha. Nesse contexto, a figura de Alexandre de Moraes é um prato cheio para engajar esse público, quando preciso.