Na CCJ do Senado

Evangélico, André Mendonça se compromete em sabatina com o Estado Laico

‘Entendo não haver espaço para manifestação pública religiosa durante as sessões do Supremo Tribunal Federal’, afirmou

revisão da vida toda STF
André Mendonça durante sabatina na CCJ do Senado - Crédito: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Nome “terrivelmente evangélico” indicado ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelo presidente Jair Bolsonaro, André Mendonça disse nesta quarta-feira (1/12) ter compromisso com o Estado Laico. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado sabatina o ex-advogado geral da União e ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro.

“Na vida, a Bíblia, no Supremo, a Constituição”, declarou, ao relembrar como sua religião foi destacada ao longo do processo. “Ainda que eu seja genuinamente evangélico, entendo não haver espaço para manifestação pública religiosa durante as sessões do Supremo Tribunal Federal”.

Além do Estado laico, o ex-advogado geral da União e ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro listou mais dois compromissos aos senadores: com a democracia e com a Justiça. “Em primeiro lugar, me comprometo com a democracia e o Estado Democrático de Direito”.

Durante o mandato, Bolsonaro manteve uma relação tensa com as instituições, principalmente com o STF. O presidente já criticou publicamente ministros da Corte e é alvo de inquéritos no Tribunal, e seus aliados são investigados por atos antidemocráticos.

Ao longo da sabatina, Mendonça foi indagado sobre a relação com Bolsonaro e sua atuação como AGU em prol do presidente. Ele afirmou saber a distinção entre a função de ministro de Estado e do STF.  “Reafirmo meu compromisso com a imparcialidade e a independência”, prometeu. 

A relatora de sua indicação na CCJ do Senado, Eliziane Gama (Cidadania-MA), lembrou que movimentos e até parlamentares defenderam a ditadura militar e o Ato Institucional nº 5. A senadora quis saber o posicionamento do indicado sobre movimentos autoritários. Mendonça afirmou que a democracia “é uma conquista da humanidade. Para nós não, mas em muitos países foi conquistada com sangue derramado e vidas perdidas”.

“A democracia é uma conquista da humanidade. Não há espaço para retrocesso, e o STF é o guardião desses direitos e direitos fundamentais”, afirmou, completando: “Em relação à tortura, é um crime que não devemos aceitar também, não só a tortura física, mas outros tipos de tortura: psicológica, constrangimentos de outras naturezas. Só podemos olhar pra frente com relação à democracia. Não podemos dar passos atrás”. 

Filho do presidente Jair Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro disse em outubro de 2019 que, “se a esquerda radicalizar”, a resposta “pode ser via um novo AI-5”. Diante da repercussão da declaração, afirmou que “talvez tenha sido infeliz” e que não há “qualquer possibilidade” da volta do ato da ditadura. Ao votar no impeachment da então presidente Dilma Rousseff, o então deputado Jair Bolsonaro exaltou Carlos Alberto Brilhante Ustra, declarado torturador pela Justiça.

CPI e uso da Lei de Segurança Nacional

Eliziane questionou o indicado sobre os trabalhos da CPI da Pandemia, que pediu o indiciamento de Bolsonaro e dos três filhos e de mais de 70 pessoas.  “Eu entendo que o valoroso da CPI deve ser levado a sério por todas as instituições do sistema de Justiça”, afirmou Mendonça, salientando ter o compromisso de apuração e tratamento adequado do resultado dos trabalhos da comissão.

Em seu pronunciamento inicial, o ex-AGU falou sobre a Lei de Segurança Nacional (LSN), que foi usada contra críticos do presidente. Isso causou desgaste e resistências ao nome de Mendonça no Supremo. “Sentindo-se o Presidente da República ofendido em sua honra por determinado fato, o que significa a análise individual de a pessoa por si própria sentir-se subjetivamente ofendida em sua honra, devia o Ministro da Justiça instar a Polícia Federal para apurar o caso sob pena de não o fazendo incidir em crime de prevaricação”, justificou ele sobre o uso da lei, criada em 1983, durante o regime militar e revogada em setembro deste ano.

A relatora também indagou o indicado sobre ataques a jornalistas e sobre liberdade de expressão. O presidente critica constantemente a imprensa e já hostilizou repórteres.  “Não deve haver censura prévia, nem restrição de atuação livre da imprensa. Sem imprensa livre não se constrói a democracia”, afirmou.

Mendonça declarou que o Supremo, em nenhum país do mundo, diz que qualquer direito é absoluto. “Também a liberdade de expressão, essas ameaças [citadas pela senadora Eliziane Gama], devem estar submetidas, o que é próprio do estado de direito, também no sentido de não compactuar ou confundir liberdade de expressão com autorização para ameaças ou ofensas à honra das pessoas ou às instituições democráticas do nosso país. Nesses casos, a própria lei penal ou a lei civil traz possibilidade de fazer a devida recomposição dos danos”, opinou.

O ex-AGU foi indagado ainda sobre sobre a propagação de notícias falsas. “Fake news, sofri inúmeras. Eu era um dos ministros mais criticados até por apoiadores do presidente do República, por buscar diálogos”, disse. Outro ponto sobre o qual Mendonça discorreu foi sobre corrupção. “Todo mundo aqui é contra a corrupção, lógico, mas acho que há mais consensos que podemos estabelecer, não podemos criminalizar a política”.

A Operação Lava-Jato perdeu força nos últimos tempos, e as forças-tarefas deixaram de existir este ano. As críticas à atuação, especialmente do grupo de investigadores de Curitiba, se intensificaram com a divulgação de mensagens que procuradores trocavam no aplicativo Telegram.  “Delação premiada não é elemento de prova. Não posso basear uma convicção com base em uma delação. Delação não é acusação. Dito isso, entendo que o combate da corrupção tem que ser feito respeitando-se direitos e garantias individuais. Os fins não justificam os meios. Precisamos respeitar a política”, afirmou.

Prisão após condenação em 2ª instância

Em sua apresentação inicial, o ex-AGU pontuou seu posicionamento sobre alguns temas, como a prisão após condenação em segunda instância: “Entendo que a questão está submetida ao Congresso Nacional, cabendo a este deliberar sobre o tema, devendo o STF revistar o assunto apenas após eventual  pronunciamento modificativo por parte do Poder Legislativo sobre a matéria e caso o Judiciário seja indagado a fazê-lo”, afirmou. Em novembro de 2019, o Supremo derrubou a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância.

Mendonça disse que o Poder Judiciário deve atuar como pacificador dos efeitos sociais, “sem ativismo ou interferências indevidas”. Afirmou que dará tratamento igualitário a todas as partes, incluindo governo e oposição.

A indicação de Mendonça foi feita em 13 de julho pelo presidente,  A mensagem com a indicação (MSF 36/2021) chegou à CCJ em 18 de agosto. O ex-ministro aguarda há quatro meses o trâmite que pode aprovar ou não seu nome ao Supremo.

Bolsonaro disse no seu primeiro ano de governo que escolheria um candidato terrivelmente evangélico para o STF. Falou o nome de Mendonça, então ministro de seu governo, inclusive, em discurso na Câmara. O ex-ministro é pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil há 18 anos, mas, atualmente, está licenciado da função. 

Mendonça é o segundo nome indicado por Bolsonaro ao Supremo. O primeiro foi Kassio Nunes Marques. Marques, aprovado pelo Senado por 57 votos a 10.

A vaga para a qual Mendonça foi indicado foi aberta com a aposentadoria de Marco Aurélio Mello, em julho.

 

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