O projeto de lei que trata da privatização dos Correios (PL 591/2021) estava pautado para ser votado nesta terça-feira (9/11) na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, mas o relator mudou o parecer, e a análise da proposta foi adiada.
O texto aprovado na Câmara dos Deputados havia sido mantido pelo senador Marcio Bittar (PSL-AC), relator da proposta no Senado, que havia rejeitado as emendas apresentadas na comissão. O parecer havia sido apresentado na última semana e houve pedido de vista coletiva. Nesta terça, o relator mudou uma parte do parecer. (Veja a complementação do parecer apresentada pelo relator)
Se aprovada, a proposta – que prevê a mudança do nome da empresa para Correios do Brasil – segue direto para o plenário do Senado. Se o texto for aprovado na Casa e posteriormente sancionado pelo presidente da República Jair Bolsonaro, os Correios vão a leilão. O aval da Casa ao projeto sem alterações acelera a tramitação do texto, uma vez que evita uma nova análise pelos deputados.
A venda dos Correios faz parte do programa de privatizações do governo federal, que avançou menos do que o prometido na campanha. O interesse na privatização é tanto que Bolsonaro entregou pessoalmente a proposta ao Congresso, acompanhado dos ministros Paulo Guedes (Economia) e Fábio Faria (Comunicações).
A expectativa do BNDES é que o processo de venda aconteça no primeiro semestre de 2022. Atualmente, ocorre a avaliação do valor da companhia, padrão para casos de desestatização. O consórcio Carta Brasil e BR Partners venceram a concorrência para serem avaliadores independentes neste ano.
Os Correios já estão incluídos no Programa de Parceria de Investimentos (PPI) desde 2019, por isso o processo do BNDES acontece antes da aprovação. Para cumprir o cronograma do banco de desenvolvimento, o Senado precisaria aprovar o projeto ainda neste ano – mais um motivo para o relator não querer que ele volte para a Câmara dos Deputados.
Em seguida, o Comitê Interministerial, que inclui os Correios, membros dos ministérios da Economia e das Comunicações, deve aprovar o modelo de privatização proposto pelo BNDES. Depois, é a vez de o Tribunal de Contas da União (TCU) dar o aval. Depois destes trâmites, enfim, o edital para leilão deve ser publicado.
Lucro em 2020
Em maio deste ano, o Conselho de Administração dos Correios aprovou as Demonstrações Contábeis do ano anterior. No documento, foi apresentado um lucro líquido na ordem de R$ 1,53 bilhão – o maior resultado nos últimos 10 anos. O patrimônio líquido cresceu 84% em relação ao ano de 2019, totalizando, aproximadamente, R$ 950 milhões. Esses são alguns dos dados que críticos da privatização usam para expor que a venda da empresa é um erro.
O lucro de 2020 veio após prejuízos em anos anteriores. Entre 2001 e 2020, foram 16 anos de lucros e quatro de prejuízos (entre 2012 e 2016). Atualmente, a empresa não depende de aportes do Tesouro. Porém, segundo estudos independentes contratados pelo BNDES, a melhor solução para a empresa seria a venda da estatal, com manutenção do monopólio postal e a regulação do serviço privado. É nessa tese que o banco tem se apoiado.
Ainda que, atualmente, entregas de encomendas também sejam exploradas por empresas privadas, são os Correios quem ainda detêm o monopólio de serviços postais. O envio de contas de luz e água, por exemplo, são uma fatia considerável no grande volume de correspondências pagas.
Além de autorizar a exploração pela iniciativa privada de todos os serviços postais, a proposta remete a regulação do setor à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Atualmente, a iniciativa privada participa da exploração dos serviços postais por meio de franquias. Os preços, no entanto, seguem tabelas dos Correios, que detém o monopólio de serviços como carta e telegrama.
O substitutivo aprovado na Câmara prevê que o monopólio para cartas e cartões postais, telegramas e correspondências agrupadas continuará com os Correios por mais cinco anos, podendo o contrato de concessão estipular prazo superior. Como forma de garantir a universalidade do serviço postal, o texto estabelece que a privatização precisa contar com a prestação dos serviços com abrangência nacional e a celebração de contrato de concessão, sob regulação da Anatel.
Pontos sensíveis
Uma das questões em jogo e um dos pontos sensíveis em discussão – o possível aumento de preços de serviços – já foi comentada no início de outubro, em um evento on-line, pelo presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Gustavo Montezano. Ele garantiu que a cobertura de atendimento dos Correios não será reduzida e que a tarifa não seria aumentada. Além disso, afirmou que estados e municípios vão aumentar suas arrecadações se a estatal for privatizada.
A privatização dos serviços postais vem e volta na política dos Estados Unidos, por exemplo. Mas, por lá, nunca vingou. A preocupação é, justamente, o atendimento em áreas remotas, que não trazem rentabilidade comercial, e um consequente aumento de preços para envios a estas regiões.
Pelo projeto brasileiro, seria proibido o fechamento de agências para prestação do serviço postal universal em áreas remotas e garantida a manutenção da prestação de serviços de interesse social. A empresa é responsável, por exemplo, pela logística de alguns serviços essenciais, como distribuição de medicamentos e vacinas para o SUS, envio e recolhimento das urnas eleitorais aos municípios e entrega das provas do Enem.
Ainda que não estejam interessadas em comprar os Correios, grandes empresas de logística, varejo e e-commerce estão de olho em quem vai arrematar a companhia. Os Correios têm uma capilaridade sem igual, com prestação de serviços de entrega de correspondência e de encomendas nos mais de 5.500 municípios do país. Em 60% das cidades brasileiras, os Correios são a única representante da União.
Esse pode ser um ativo estratégico para expansão de grupos privados, com a possibilidade de o comprador dar um salto competitivo em relação aos concorrentes. Por outro lado, pequenos e médios empreendedores e empresas, que dependem dos Correios para suas entregas de mercadorias, podem ser impactados pela dinâmica de quem arrematar a estatal no leilão.
Além de atender todos os municípios brasileiros com entregas, os Correios contam com estruturas físicas que permitem oferta de outros serviços, incluindo logística reversa, o que empresas de e-commerce não são capazes de oferecer em igual proporção no interior do país.
Por isso, a operação é tida como estratégica para o modelo de negócios de empresas de e-commerce. Para o governo, a demora da privatização gera a perda de uma janela de oportunidade, em que ainda é vantajoso para essas empresas adquirir os Correios, enquanto ainda não desenvolveram plenamente sua capacidade logística.
Outro ponto em jogo e igualmente sensível é sobre os empregados da empresa. No mesmo evento do início de outubro, Montezano disse que não haveria redução no quadro de trabalhadores dos Correios. Durante a tramitação na Câmara, foi rejeitada uma emenda do deputado Bohn Gass (PT-RS), que pretendia aumentar de 18 para 60 meses a garantia de emprego dos trabalhadores da empresa no caso de desestatização e exigir da nova controladora uma garantia real para as dívidas trabalhistas e vinculadas ao fundo de previdência complementar Postalis e ao plano médico Postal Saúde.
Pontos que dividem senadores
Alguns pontos do projeto ainda dividem os senadores e podem afetar a análise. Para manter o texto da Câmara, foram rejeitadas cinco emendas apresentadas pelo senador Angelo Coronel (PSD-BA). Entre elas, estava a tentativa de responsabilizar a Anatel por fiscalizar planos de metas que determinem obrigações de cobertura e de qualidade do serviço prestado pela nova empresa. Para Bittar, a Anatel não tem estrutura para fazê-lo.
Integrantes da Comissão, como Jean Paul Prates (PT-RN) e Paulo Paim (PT-RS), pediram que o texto fosse antes analisado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). O pedido gira em torno da possibilidade de a privatização ser inconstitucional. Nessa linha, tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) uma ação direta de inconstitucionalidade do projeto que prevê a privatização – o procurador-geral da República, Augusto Aras, defendeu a inconstitucionalidade.
Por conta de todo o trâmite, executivos do BNDES têm pedido pressa do Legislativo. “Caso a gente perca essa janela, não sabemos o que será mais possível mais à frente. Nosso apelo a todos os envolvidos no projeto é que o Brasil aproveite sua chance. Tem de pegar os momentos em que as oportunidades aparecem”, afirmou o presidente do BNDES, em webinar da instituição na semana passada.
Com informações da Agência Câmara e da Agência Senado