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Entenda o que é o orçamento secreto e se Bolsonaro o vetou

Tira suas dúvidas sobre o esquema que está no centro das articulações entre Executivo e Congresso

orçamento secreto
Sessão Solene destinada à inauguração da 3ª Sessão Legislativa Ordinária da 56ª Legislatura. Presidente da República, Jair Bolsonaro, Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco e Presidente da Câmara, dep. Arthur Lira (PP - AL) / Crédito: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

A campanha do presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição, tem uma resposta engatilhada para questionamentos a respeito do orçamento secreto. Quando perguntada sobre o esquema envolvendo as emendas de relator, o mote tornou-se dizer que a prerrogativa é do Congresso Nacional, e que o mandatário tentou vetar os dispositivos, mas teve seu veto derrubado.

O presidente valeu-se da tática no dia 10/10 quando questionado sobre o assunto por uma repórter do jornal O Estado de S. Paulo. “Pelo amor de Deus, pare com isso. O orçamento secreto é uma decisão do Legislativo que eu vetei. Depois derrubaram o veto,” afirmou Bolsonaro. “Eu desvetei? Desconheço desvetar.”

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A mesma estratégia foi utilizada pelo presidente durante o debate presidencial promovido pela TV Globo. Na ocasião, Jair Bolsonaro respondeu a uma provocação do candidato Ciro Gomes. “Foi criado pelo Parlamento. A última palavra sempre é do Parlamento. Quando eu veto alguma coisa, o Parlamento derruba o veto, passou a ser lei. A última palavra é deles. Vá no parlamento e mude isso. Não tem como mudar, a não ser que o Parlamento queira mudar isso aí. Eu não tenho qualquer ascendência sobre esse tal orçamento secreto. Zero. Zero, Ciro. (…) Eles mandam para o respectivo ministério mandar dinheiro pra estados e municípios e ponto final. Essa é a verdade do que acontece com esse orçamento.”

Veja como surgiu e de que maneira funciona o orçamento secreto, além do envolvimento do Palácio do Planalto no esquema bilionário:

A emergência

A denominação foi dada pelo jornal O Estado de S.Paulo, que publicou, em janeiro do ano passado, uma reportagem semanal sobre a liberação de R$ 3 bilhões do governo a centenas de congressistas em meio às eleições para a Câmara dos Deputados e para o Senado Federal. O nome que se popularizou no meio político, no entanto, somente viria em maio daquele ano, com o lançamento de uma série de matérias acerca do esquema governista.

Capitaneada pelo repórter Breno Pires, a apuração revelou que ministérios, em especial o do Desenvolvimento Regional, aprovavam a distribuição de recursos a pedido de parlamentares. O plano beneficiava majoritariamente deputados e senadores alinhados a pautas do governo, e sua fiscalização era de difícil execução devido à natureza das emendas.

As emendas parlamentares

A legislação brasileira garante a deputados e senadores emendas para aplicação em áreas como saúde e educação. Conforme apontou o pesquisador Rodrigo Oliveira de Faria, até 2020, a maioria dos recursos provinha de emendas individuais (RP6), indicadas por cada parlamentar e de caráter impositivo. Além delas, existem as emendas coletivas de bancada (RP7) e de comissão (RP8). As primeiras são impositivas e dizem respeito às bancadas estaduais, enquanto as outras são destinadas às comissões temáticas nas duas Casas e não possuem caráter impositivo. Há, ainda, as emendas de relator-geral (RP9), as quais promovem alterações em programações orçamentárias ou a inclusão de novas.

De acordo com Faria, os relatores-gerais, sempre um deputado ou um senador, que se revezam na função, já movimentavam recursos no exercício de suas atribuições. Não havia, entretanto, marcação específica para tais emendas. O que mudou foi a atribuição de um identificador e a relação com as demais regras orçamentárias. Foram as emendas de relator que deram origem ao orçamento secreto.

O problema de sua concepção e seu uso está ligado à transparência. Ao contrário das emendas tradicionais, não é possível saber o nome do parlamentar que registrou o pedido, tampouco o destino desses recursos, conforme reportou o jornal O Estado de S.Paulo.

No final do ano passado, a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber suspendeu a execução das emendas de relator, mas deu um passo atrás e autorizou a execução contanto que o Congresso aprovasse medidas para trazer mais transparência. A ação continua no Supremo.

A criação do orçamento secreto

A iniciativa para a criação do orçamento secreto, com as emendas RP9, partiu do Legislativo em 2019 durante a votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2020. Como o costuma relatar, o presidente da República inicialmente vetou a criação do orçamento secreto. Como mostrou O Estado de S.Paulo, quando o texto retornou ao Congresso, não houve votos o suficiente para derrubar o veto presidencial.

No entanto, a proposta foi ressuscitada no final do mesmo ano pelo hoje ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência e então ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos (sem partido). Assinado pelo presidente Jair Bolsonaro, o texto seguiu para o Congresso e foi aprovado em votação simbólica, em que não há registro formal dos votos individuais.

Após o pedido do Supremo, os congressistas aprovaram um projeto para dar ares de legalidade às emendas de relator. O voto decisivo saiu de Rogério Carvalho (PT-SE).

Uma perspectiva

Dados de Rodrigo Oliveira de Faria produzidos com base em informações do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (SIOP) da Secretaria de Orçamento Federal do Ministério da Economia mostram que os valores movimentados no esquema do orçamento secreto totalizaram R$ 30,124 bilhões em 2020. No ano seguinte, o montante atingiu R$ 18,530 bilhões.

A título de comparação, o petrolão, escândalo gestado no seio da Petrobras e descoberto pela Polícia Federal no âmbito da Operação Lava Jato, resultou em uma recuperação de mais de R$ 6 bilhões. Já o valor do mensalão, esquema de compra de votos durante o governo do Partido dos Trabalhadores, foi de R$ 100 milhões, segundo o professor do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS) Gregório Grisa.

Em nota, a Transparência Internacional Brasil classificou o orçamento secreto como “o maior processo de institucionalização da corrupção que se tem registro no país”. Na avaliação da organização sem fins lucrativos, a gestão Bolsonaro e o bloco do centrão assaltam os cofres públicos ao utilizar verbas públicas sem transparência ou medida eficiente de controle de gastos.

A prática

Por lei, metade dos valores das emendas individuais, tanto de senadores quanto de deputados, devem ser destinadas à área da saúde. Com o orçamento secreto, a história é outra.

O Estado de S. Paulo apurou que recursos são direcionados a municípios escolhidos ou colocados em órgãos e empresas como a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), pela qual é possível comprar máquinas e realizar obras mais facilmente. O jornal revelou que bilhões foram executados para a obras e a compra de equipamentos, com valores acima dos de referência.

Uma reportagem de Breno Pires para a Piauí colocou em palavras os efeitos do orçamento secreto sobre o processo eleitoral de 2022. O levantamento da revista aponta que um montante de R$ 6 bilhões ajudou a eleger cerca de 140 parlamentares do centrão, entre os quais 80 do partido do presidente da República, o PL.

A reportagem tentou contato com o partido de Jair Bolsonaro e a Presidência da República por email, mas não obteve retorno. O espaço permanece aberto.

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