O presidente do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5), desembargador Vladimir Souza Carvalho, manteve 94 respiradores sob a gestão do estado do Ceará e da prefeitura da capital, Fortaleza. Carvalho negou, na noite do último sábado (2/5), o pedido da União, que havia requisitado administrativamente de uma empresa fornecedora de material médico os equipamentos comprados anteriormente pelo estado e pelo município.
A União também perdeu na Justiça, no fim do mês passado, o direito de ficar com respiradores do Maranhão. A tentativa de requisição administrativa foi endereçada à mesma empresa, a Intermed Equipamento Médico Hospitalar. No caso do Maranhão, quem barrou a medida foi o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF).
No caso do Ceará, o estado comprou 50 respiradores e a prefeitura de Fortaleza encomendou outros 44. O desembargador Vladimir Carvalho determinou que a empresa mantenha a entrega dos ventiladores como previsto anteriormente: 50 equipamentos para Secretaria de Saúde do Ceará, 24 para Secretaria de Saúde do Município de Fortaleza e 20 para o Instituto José Frota, ligado à prefeitura. Segundo a decisão, as compras de respiradores já estavam liberadas pelo Ministério da Saúde.
A empresa estaria se recusando a entregar ventiladores pulmonares e outros produtos contratados sob o argumento de que o Ministério da Saúde teria requisitado toda a produção existente, bem como aquela a ser produzida no período compreendido nos 180 dias subsequentes ao recebimento do ofício.
“É perceptível que, embora seja imprescindível um trabalho cooperativo e coordenado para o enfrentamento da pandemia, entre março e abril ainda não havia uma orientação precisa e uniforme sobre as ações, competências e responsabilidades dos entes federativos”, disse Carvalho. Leia a íntegra da decisão.
Ele ressalta que, nesse período, “é de conhecimento público que a evolução do número de casos e óbitos se deu de forma assustadora, numa curva exponencial de aumento de situações, levando ao esgotamento do sistema de saúde pública em diversas cidades, a exemplo do amplamente noticiado na cidade de Fortaleza”, disse Carvalho.
O desembargador afirma, ainda, que “não seria razoável que os entes federativos locais se mantivessem inertes, o que levou à adoção de medidas para fazer frente à situação, tais como a adaptação, em várias localidades, de instalações atípicas para funcionarem como hospitais, e agilização de processos de aquisição de respiradores”.
A decisão do TRF5 reafirmou o entendimento da 1ª Vara da Justiça Federal no Ceará, em ação civil pública do Ministério Público Federal (MPF) e do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE). Os MPs argumentaram que não existe fundamentação plausível para a empresa se negar a cumprir os contratos firmados, uma vez que foram iniciados antes da emissão dos ofícios do MS.
Alegaram, ainda, que o próprio Ministério criou regras de exceção para as requisições, estando livres dos efeitos dessas medidas os produtos prontos cujos contratos já haviam sido firmados até a data da requisição do MS, estando pendente apenas a entrega. Apontaram a gravidade da situação no estado, e o esgotamento do sistema de saúde em Fortaleza.
O presidente do TRF5 destacou, também, o custo aos cofres públicos da medida do governo federal, já que a Intermed estaria vendendo cada ventilador por R$ 60 mil à União, ao passo que o mesmo equipamento alienado aos entes públicos locais tiveram preço menor, o que implicaria num ganho extra de até R$ 11,8 mil por produto que a empresa deixe de vender ao estado e ao município e o faça à União.
Nos autos, a Advocacia Geral da União (AGU) usou dados do Ministério da Saúde para justificar o confisco dos ventiladores. “Em 861 municípios, existe apenas um ventilador mecânico disponível. Além disso, a maior parte dos respiradores está nas capitais: elas concentram 47% do total de aparelhos. São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Belo Horizonte e Recife — as cinco capitais com maior quantidade absoluta — possuem 26% dos respiradores do Brasil. Diante desse contexto de extremas desigualdades, mostra-se imperiosa a regulação e a coordenação do Ministério da Saúde, bem como, em consequência, a requisição administrativa dos respiradores em produção e daqueles que serão produzidos pelas empresas”, argumentou a AGU.
A União alegou que a requisição administrativa é “amparada pela Lei 13.979/2020, a qual previu a adoção da mesma como ferramenta à disposição da União no enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus”. No pedido para derrubar a decisão da primeira instância, disse, ainda, que o risco de dano grave sem a reversão é evidente por impedir que a distribuição eficiente, comprometendo a logística nacional.
Além disso, argumentou que a centralização das aquisições e distribuição dos ventiladores no Ministério da Saúde não viola a competência concorrente dos entes do Sistema Único de Saúde (SUS), mas garante que todos “sejam atendidos na medida de suas necessidades, privilegiando a igualdade entre os entes federativos, mitigando o poder econômico de alguns entes em detrimento de outros”.
A decisão foi tomada no agravo de instrumento de número 0804540-81.2020.4.05.0000.