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TCU aponta possível gasto irregular de Bolsonaro ao favorecer grupos de mídia

Com ressalvas, TCU aprova contas do governo referentes a 2019, mas fala em possível perseguição à imprensa

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O presidente Jair Bolsonaro / Crédito: Antonio Cruz/ Agência Brasil

O plenário do Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou com ressalvas as contas do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) referentes ao ano de 2019, primeiro ano da gestão presidencial. Agora, o parecer será submetido à análise do Congresso Nacional.

Apesar da aprovação, o TCU apontou sete irregularidades relacionadas à execução do orçamento da União em 2019 e enviou alertas sobre o possível uso irregular de dinheiro público com publicidade estatal, além de possível perseguição a alguns veículos de imprensa, como Folha de S.Paulo e Rede Globo, e favorecimento a outros, devido a preferências políticas e religiosas.

O ministro-relator das contas, Bruno Dantas, dedicou um capítulo de seu parecer para alertar o governo que diversas denúncias de irregularidades e perseguição à imprensa por parte da Secretaria de Comunicação podem ser um demonstrativo de possível choque com a livre manifestação do pensamento e as liberdades de expressão e de imprensa.

Como exemplo, o relator apontou a exclusão do jornal Folha de S.Paulo de uma licitação pública a mando de Bolsonaro, assim como o favorecimento de canais em detrimento de outros por meio de publicidade oficial devido a preferências pessoais e/ou religiosas.

“A análise da materialidade das despesas revela que houve redução da ordem de 28% nos gastos da Secom com publicidade do ano de 2018 para 2019. Por outro lado, chama a atenção o fato de que alguns canais de comunicação foram mais privilegiados em detrimento de outros, sem que houvesse aparentemente justificativas para tanto”, assinalou Bruno Dantas em seu voto.

Segundo o ministro, todo esse quadro pode indicar, em alguma medida, “risco de desvio de finalidade dos agentes estatais na condução da coisa pública, em possível ofensa aos princípios da impessoalidade, da motivação e da moralidade, mas também da legitimidade do gasto e dos atos administrativos”.

No parecer das contas, o TCU também apontou possível uso irregular de recursos públicos para perseguir jornalistas ou veículos de comunicação. Foi citada a representação sobre suposto uso do Coaf para investigar o jornalista Green Glenwald, fundador do site The Intercept Brasil, que revelou conversas do então juiz Sérgio Moro com procuradores da Lava Jato. Foram mencionadas também ameaças à Rede Globo. Dantas lembrou que Bolsonaro falou em não renovar a concessão da Rede Globo.

Dessa forma, Dantas recomendou que os gastos com publicidade e propaganda passem a a ser detalhados na internet, em sítio único e de fácil acesso ao público, contando com informações relativas a todos órgãos públicos contratantes, incluindo empresas estatais, com a segregação da informação em nível de fornecedores e valores pagos mensalmente.

Recentemente, o TCU concedeu uma cautelar determinando que o Banco do Brasil suspendesse o uso de dinheiro público para anúncios em sites e blogs após denúncias de favorecimento a sites que compartilham notícias falsas.

Irregularidades

O primeiro ato considerado irregular que foi destacado pela Corte foi a realização de despesas em montante superior aos créditos orçamentários ou adicionais do exercício de 2019. Nesse sentido, o tribunal não concordou com o pagamento de R$ 1,48 bilhão de benefícios previdenciários por parte do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) sem previsão orçamentária.

Inicialmente, o Congresso Nacional havia destinado R$ 637,9 bilhões ao custeio de benefícios previdenciários, dotação suficiente para cobrir as despesas previdenciárias, estimadas e R$ 630,4 bilhões.

No final do ano, porém, o valor foi reduzido a R$ 628,9 bilhões ao final do exercício, gerando uma insuficiência equivalente ao valor executado à conta do orçamento de 2020. Ainda assim, o INSS manteve os pagamentos.

Além disso, o TCU também apontou como irregular a concessão ou ampliação de benefícios tributários que causem renúncia de receita sem observância à Lei de Responsabilidade Fiscal. A área técnica concluiu que a edição de nove normas levaram a uma renúncia de R$ 182,86 milhões. A irregularidade se caracterizou pela ausência dos requisitos exigidos na lei de responsabilidade fiscal.

Os aportes de capital de R$ 7,6 bilhões à Emgepron também foram considerados irregulares. De acordo com o voto de Bruno Dantas, o aporte serviu apenas para formação de caixa na estatal a fim de que ela terceirizasse a fabricação de corvetas e a aquisição de navio de apoio antártico como instrumento para terceirização da execução de despesas típicas da Administração Direta.

Segundo o ministro, o procedimento revela que a modelagem adotada configurou
medida de escape ao teto de gastos, “visando à execução de despesas públicas por meio de empresa estatal em favor de órgão da administração direta”.

Outra irregularidade destacada pelo TCU foi o risco de descumprimento à regra de ouro, segundo a qual é vedada a realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital, ressalvadas as autorizadas mediante créditos suplementares aprovados pelo Congresso Nacional.

Em 2019, pela primeira vez desde a Constituição de 1988, a União se valeu de autorização excepcional do Legislativo para realizar operações de crédito em montantes superiores às despesas de capital, cumprindo o dispositivo.

Segundo o Tesouro Nacional, antes dos impactos do coronavírus, a insuficiência de recursos para cumprir materialmente a Regra de Ouro poderia se estender até, no mínimo, 2026.

Apesar de reconhecer as dificuldades para dar cumprimento ao dispositivo, Dantas frisou que “se regras fiscais não se mostram viáveis, que sejam aprimoradas pelo processo legislativo apropriado; enquanto vigerem, contudo, que sejam respeitadas, não apenas formalmente, mas em sua essência”.