Um dia depois da operação policial que deixou 26 mortos na Vila Cruzeiro, comunidade do Complexo da Penha, na zona norte do Rio de Janeiro, os holofotes das autoridades se voltaram para o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin. Ele é o relator da ADPF 635, que estabeleceu diretrizes e restrições para a realização de operações policiais no Rio de Janeiro durante a pandemia da Covid-19. Além de pedir que o Rio de Janeiro refaça o plano de redução da letalidade policial, o PSB requereu que o STF oficie o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, para que apure possível crime de abuso de autoridade, em razão da destruição do monumento às vítimas da Chacina do Jacarezinho e da tentativa de criminalização de moradores e das organizações da sociedade civil.
Em fevereiro deste ano, durante os julgamentos dos embargos de declaração da ADPF 635 — conhecida como ADPF das Favelas —, foi dado o prazo de 90 dias para que o estado do Rio de Janeiro apresentasse um plano de diminuição da letalidade policial. Fachin se reuniu nesta quarta-feira (25/5) com membros da Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro para tratar do plano de redução da letalidade policial e, em seguida, recebeu parlamentares ligados aos direitos humanos.
A operação desta terça-feira (24/5), realizada por agentes do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) da PM, da Polícia Rodoviária Federal e da Polícia Federal, foi a segunda mais letal da história do Rio de Janeiro — atrás apenas da realizada no Jacarezinho em maio de 2021, quando 28 pessoas foram mortas. Em nota, Fachin afirmou ter demonstrado muita preocupação com o número de mortes em conversa com o procurador-geral de Justiça do Rio de Janeiro, Luciano de Oliveira Mattos, mas demonstrou confiança nas investigações do Ministério Público.
Após a operação policial, o secretário da Polícia Militar do Rio de Janeiro, coronel Luiz Henrique Marinho Pires, culpou diretamente o Supremo e a ADPF 635 pela suposta migração de criminosos ao estado. “A gente começou a reparar essa movimentação, essa tendência deles de migração para o RJ, a partir da decisão do STF”, afirmou ele em entrevista, segundo a Folha de S. Paulo. “Isso vem acentuando nos últimos meses. Esse esconderijo deles nas nossas comunidades é fruto basicamente dessa decisão do STF. É o que a gente entende, a gente está estudando isso, mas provavelmente deve ser fruto dessa decisão do STF”.
A fala escancarou a tensão entre autoridades do Rio de Janeiro e o Supremo, algo que já havia ficado evidente após a chacina do Jacarezinho no ano passado. Na ocasião, a Polícia Civil também acusou o Supremo de atrapalhar o trabalho dos agentes.
A reunião com a PGE se deu por volta das 18h15 desta quarta-feira (25/5) com os procuradores Bruno Dubeux, Raphael Augusto Sofiati e Carlos da Costa e Silva. Eles entregaram a Fachin um plano de diminuição da letalidade construído em conjunto com as forças de segurança do estado. Segundo apurou o JOTA, o encontro já estava agendado antes mesmo da operação policial na Vila Cruzeiro.
Questionado pelo JOTA, o governo estadual afirmou em nota que publicou no dia 23 de março um Plano Estadual de Redução da Letalidade Policial, já entregue a Fachin. O plano, segundo o governo, é baseado em três eixos de atuação: recursos humanos, recursos materiais e procedimentos operacionais. “Um dos destaques é o uso de câmeras operacionais portáteis — o Governo do Estado já adquiriu 21.571, na maior licitação desse tipo de equipamento feita no País”, afirmou o governo.
O PSB, autor da ADPF 635 em conjunto com a Defensoria Pública do Rio, entidades de direitos humanos e movimentos e sociais, se manifestou no processo relatando um recrudescimento da violência no Rio de Janeiro. O grupo demanda que outro plano seja elaborado, no prazo de 60 dias, uma vez que o entregue pelo governo se trataria de “uma mera carta de intenções absolutamente genéricas, sem nenhum compromisso real com a redução da letalidade policial no estado”.
Fachin ainda se reuniu com os deputados federais Talíria Petrone (PSOL-RJ) e Orlando Silva (PCdoB-SP) após a conversa com os procuradores. “Esse plano não tem metas de como vai reduzir essa letalidade, separa pessoas que são inocentes das que cometem crimes (e não há pena de morte no Brasil)… Há um pedido para a revisão desse plano”, afirmou Petrone após a conversa. “Houve uma aceitação bastante boa do ministro em relação a isso, e também uma solidariedade expressa em relação ao drama que o Rio vive. Foram 39 chacinas em um ano, quase 200 pessoa assassinadas. Nos pareceu que o ministro está bastante sensibilizado com o que aconteceu, está disposto o mais breve possível a responder nossas provocações”, acrescentou.
Em nota, o governo do Rio de Janeiro ainda afirmou que “a Polícia Militar vem atuando em várias frentes para reduzir de forma consistente os índices de letalidade violenta e de vitimização policial”, como “a criação de uma série de programas preventivos pautados pelo conceito de polícia de proximidade; investimento maciço em treinamento e em equipamentos de proteção individual; e aprimoramento dos protocolos de atuação operacional desenvolvidos conjuntamente com o Poder Judiciário”.
Em nota, a Câmara de Controle Externo da Atividade Policial e Sistema Prisional do Ministério Público Federal (7CCR/MPF), vinculado à Procuradoria-Geral da República expressou sua “profunda preocupação” com o desfecho da operação policial realizada. Também expressou “total apoio à atuação dos membros ministeriais com atribuições naturais para realizar investigação pronta, independente, isenta, imparcial e autônoma, que permita a responsabilização dos autores dos gravíssimos atos praticados”.