Coronavírus

Prefeitos e governadores cobram abastecimento; secretaria do MJ estuda medidas

Preocupação da Secretaria Nacional do Consumidor é evitar ações excessivas que afetem chegada de produtos à ponta

secretário do consumidor
Para ex-secretário de Defesa do Consumidor, reação da equipe econômica causou atritos desnecessários. Crédito: divulgação/MJ

Como forma de se adiantar à crise que pode ser gerada pelo coronavírus, chefes dos Executivos locais, de norte a sul, têm tomado medidas de solicitação de insumos e medicamentos de fabricantes e empresas. Tais providências, apesar de soarem como precauções e serem justificadas com o objetivo de evitar o desabastecimento, podem ter efeito oposto e já ensejam preocupação dos setores produtivos  e da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) do Ministério da Justiça e Segurança Pública. 

Tanto que o chefe da Senacon, Luciano Timm, vai reunir informações a respeito das requisições administrativas junto a sindicatos e associações patronais, abrir diálogo com os Institutos de Defesa do Consumidor (Procons) estaduais e levar o caso ao ministro Sérgio Moro para que ele levante o tópico no gabinete de crise e dê início a uma articulação política a respeito do tema. É possível, inclusive, que uma medida provisória centralize a competência desse tipo de medida na esfera federal. 

As restrições e barreiras terrestres também preocupam, pelo mesmo motivo: podem gerar desabastecimento se feitas com excesso. “A gente tem a competência de cuidar dos interesses difusos do consumidor e, sem dúvida, nos preocupa o abastecimento, que depende do fornecedor conseguir entregar os produtos na ponta, envolve fabricante, logística, até a ponta”, disse Timm.

De acordo com Timm, desde o último fim de semana a Senacon começou a receber contatos e, mais recentemente, também ofícios manifestando preocupação de que essa cadeia de fornecimento seja quebrada e não consiga circular e dar vazão aos produtos. A prefeitura de Maringá, no Paraná, por exemplo, restringiu o acesso a supermercados e serviços de call center, suspendeu o transporte intermunicipal de ônibus. O funcionamento das indústrias também ficou mantido apenas para aquelas de produtos considerados essenciais.

O pedido de informações da Senacon sobre os decretos de prefeitos e governadores será direcionado às principais entidades associativas relativas à cadeia produtiva em risco de abastecimento que são supermercados, farmácias, maquinário médico e hospitalar e bebidas. É possível, inclusive, que uma medida provisória centralize a competência desse tipo de medida na esfera federal, caso o pedido de algumas dessas entidades se concretize. 

Em videoconferência feita nesta terça-feira (24/3) entre empresários e o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, o tema também foi levantado. Organizada pelo presidente da Fiesp e do Ciesp, Paulo Skaf, o encontro foi chamado para tratar da necessidade de segurança jurídica para manter os serviços essenciais em funcionamento e as estratégias para a retomada da economia quando o período agudo da crise do coronavírus passar. O ponto em que Skaf mais bateu foi do risco da produção não chegar ao consumidor.

O debate também está no STF em uma ação direta de inconstitucionalidade sob relatoria do ministro Marco Aurélio. Em resposta a pedido do PDT, o relator apontou que a Medida Provisória 926/20, que transfere para os órgãos reguladores (Anvisa, ANAC e ANTAq) o poder de restrição da locomoção em todo o território nacional, não afasta a competência de estados e municípios para tomar medidas para conter a pandemia do coronavírus.

Neste caso, também há a preocupação de que a liminar autorize decisões controversas pelo país. Tanto que a Advocacia-Geral da União (AGU) apresentou recurso contra a decisão. O argumento é de que o reconhecimento da competência concorrente na matéria poderia fomentar providências divergentes, às vezes contraditórias e acabar por prejudicar a produção e entrega de produtos.

Abastecimento

Em algumas localidades, barreiras de acesso impedem a passagem de caminhões. Em Belo Horizonte, consumidores não conseguem remarcar passagens. Como são locais de aglomeração de pessoas, os serviços de atendimento ao consumidor (SAC) também foram fechados.

No Ceará, a secretaria de Saúde requisitou que todas as empresas fabricantes, distribuidoras e varejistas definidas do ofício disponibilize, de imediato, medicamentos e insumos elencados, autorizando também a busca nas sedes ou locais de armazenamento. A requisição define tanto a indenização posterior quando a responsabilização de quem descumprir a determinação. 

Da mesma forma, o estado de Alagoas promoveu a requisição de bens móveis, insumos e equipamentos específicos, “considerando que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco da doença, e acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação”. A Secretaria de Saúde pediu auxílio aos órgãos de Segurança Pública para o cumprimento da medida.

“Essas medidas de requisição nos preocupam. Isso porque se cada prefeito e governador tomar uma medida dessas, vai sobrar produtos em algum lugar e faltar em outro. Tem cidades que não têm número significativo de casos como outras já têm, e isso desorganiza substancialmente a cadeia produtiva”, afirma Timm.

A requisição administrativa consiste em instrumento previsto no art. 5º, XXV, da Constituição: “no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano”; tendo agora sido explicitado pelo art. 3º, VII, da Lei 13.979/2020: “para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, poderão ser adotadas, entre outras, as seguintes medidas requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas, hipótese em que será garantido o pagamento posterior de indenização justa”.

Providências como essas se tornaram mote de um ofício enviado pela Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos, Odontológicos, Hospitalares e de Laboratórios (Abimo) à Senacon. A entidade aponta para a apreensão em relação à “requisição indiscriminada e sem critérios de produtos médicos e hospitalares”. De acordo com ela, as buscas feitas pelo Estado em uma ponta têm como consequência o desabastecimento de outras instituições na outra.

“Ocorre que nos últimos dias proliferaram requisições administrativas nos mais diversos estados e municípios, situação esta que vem ocasionando um verdadeiro colapso no sistema de produção, comercialização e distribuição de produtos e equipamentos médicos e hospitalares”, diz, no ofício. A situação se dá, ainda de acordo com o documento, porque a indústria de equipamentos médicos acaba não tendo mais controle sobre a produção e distribuição dos produtos.

A Abimo pede, então, “a imediata edição de Medida Provisória, alterando o disposto no art. 3º, § 7º, II, da Lei 13.979/2020, para que as requisições administrativas sejam determinadas por autoridades federais, com competência nacional para a gestão de uma política geral de enfrentamento à Covid-19″. Outro argumento é que a produção desses materiais atende, de forma significativa, também a rede pública, não só a privada. 

Medidas em estudo

A centralização seria positiva para dar critérios claros e verificáveis, de modo que as requisições administrativas, se necessárias, sejam voltadas às regiões mais afetadas pela pandemia de coronavírus.

“É cedo para definir as ações políticas futuras. Mas vamos fazer contato com os Procons estaduais sobre eventuais excessos e nós, como Senacon, vamos levar o fato ao ministro Sérgio Moro. Dessa forma, ele tem condições de acionar o gabinete de crise para uma articulação política sobre o tema. E, formalmente, para obtermos os número de requisições, o que está chegando de forma episódica, precisamos notificar para ter o balanço”, explicou o secretário Nacional do Consumidor. 

A Secretaria também estuda flexibilizar as regras do SAC das empresas para que estas não sejam multadas, já que muitos desses centros estão impedidos de funcionar, além da análise da interferência da livre iniciativa, ainda que em tempos de crise, tendo em vista justamente o desabastecimento. 

Na última sexta-feira (20/3), as pastas da Justiça e da Economia divulgaram também nota técnica com orientações para o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. O documento é um guia para exame de abusos na elevação dos preços dos diversos produtos e serviços que podem ser afetados em virtude da pandemia do coronavírus.

Os ministérios ressaltam que, desde a confirmação do primeiro caso no país, houve aumento na procura por produtos que possam prevenir a infecção, aumentando a demanda sem que as pessoas estivessem preparadas para ofertar o suficiente, o que causou aumento de preços de produtos.