Ação Civil Pública

MPF cobra pedido de desculpas da União por 7 de setembro ‘associado’ a Bolsonaro

Para membros do MPF, festejos do bicentenário da Independência foram atrelados a ato político do então candidato à Presidência

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Ex-presidente Jair Bolsonaro em fala a apoiadores enquanto estava no cargo | Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil

O Ministério Público Federal (MPF) no Rio de Janeiro entrou com uma ação civil pública na última semana em que pede a condenação da União por ter se omitido e não ter agido de forma suficiente para impedir que os festejos do bicentenário da Independência do Brasil na capital fluminense, em 7 de setembro do ano passado, fossem associados à manifestação político-partidária do então candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro (PL). Os eventos de comemoração da independência são, tradicionalmente, realizados no Centro do Rio de Janeiro, em frente ao Comando Militar do Leste (CML), mas, no ano passado, o palco foi na Praia de Copacabana, a apenas três quadras de onde estava o carro de som da campanha bolsonarista.

Para o MPF, houve decisões que favoreceram a diluição da celebração oficial em manifestação de campanha de Bolsonaro, o que não condiz com o dever de neutralidade das Forças Armadas em relação a disputas político-partidárias.

Por isso, os procuradores da República pedem que a União seja condenada a reparar os danos causados por meio de medidas específicas, como um pedido público de desculpas e elaboração de relatório circunstanciado sobre os fatos – com eventual adoção de medidas cabíveis no âmbito disciplinar em relação a todos os envolvidos. Além disso, pedem medidas específicas e inibitórias de prevenção, como a regulação geral e abstrata de celebrações, a definição de local de celebração no Rio de Janeiro – com a proibição de acampamentos em frente às instituições militares – e formação sobre democracia e direitos humanos aos militares.

O MPF solicita que o pedido de desculpas seja feito em cerimônia pública de pedido de desculpas na cidade do Rio de Janeiro com ampla divulgação e participação dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.

A ação é assinada pelos procuradores da República Jaime Mitropoulos, Julio José Araujo Junior e Aline Mancino da Luz Caixeta, todos da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC).

A ação civil pública tramita com o número 5012156-57.2023.4.02.5101, na 2ª Vara Federal do Rio de Janeiro.

Entenda o que aconteceu

Ainda na véspera das comemorações do bicentenário da Independência, a imprensa falava sobre a intenção de Bolsonaro de converter a celebração cívico-militar em um ato de campanha. Com a definição de que os dois eventos ocorreriam no mesmo local, a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, órgão do Ministério Público Federal destinado à defesa de direitos fundamentais e da democracia, instaurou notícia de fato para apurar e prevenir que a data e as festividades não fossem apropriadas com finalidade partidária.

Nesse contexto, então, a Procuradoria solicitou aos comandos militares situados na região – Comando Militar do Leste, 1º Distrito Naval e Terceiro Comando Aéreo Regional – que informassem as medidas que estavam sendo adotadas para prevenir que os seus subordinados eventualmente se engajassem na manifestação político-partidária e para garantir que as celebrações oficiais não fossem confundidas com o evento de campanha. Os comandos citados afirmaram que os questionamentos deveriam ser remetidos ao Ministério da Defesa.

MPF colocou imagens na ação para mostrar palco oficial próximo do carro de som do ato de campanha – Reprodução

Na peça, os procuradores da República Jaime Mitropoulos, Júlio José Araujo Junior e Aline Mancino da Luz Caixeta, da PRDC, afirmam que, diante da ampla cobertura televisiva dos eventos, “as imagens revelaram, na ocasião, evidente confusão entre a celebração do bicentenário da independência do Brasil e a manifestação político-partidária, as quais pareciam corresponder a um mesmo evento”. Na ação, os membros do MPF anexaram vídeos das emissoras de TV.

“Eles se misturavam e pareciam uma coisa só, com a diferença de que o palanque oficial tinha a apresentação de banda militar e mero anúncio das pessoas que por ali passavam – o que não incluía apenas autoridades, como demonstra a menção a Walter Braga Netto, então candidato a vice-presidente da República –, ao passo que o carro de som continha a manifestação político-partidária. A preocupação inicial havia se confirmado: não foram adotadas medidas suficientes e eficazes para diferenciar as celebrações cívico-militares da manifestação político-partidária que se realizou no local”, escreveram os procuradores da República.

O MPF ressaltou ainda que a área dita “oficial” recebeu a circulação não apenas de autoridades, mas também de candidatos. “Em outras palavras, não era possível distinguir o evento oficial da manifestação político-partidária que estava sendo realizada”, reafirmaram os procuradores.

Diante da constatação, a notícia de fato foi convertida em inquérito civil público. Os comandos foram novamente procurados para prestar informações complementares, assim como o Ministério da Defesa. O objetivo era saber sobre o planejamento para o evento e sobre os gastos adotados, inclusive mediante comparação em relação a outros anos.

O MPF afirmou que houve falta de transparência nas respostas, mas que, nelas, se sobressaíram duas informações importantes: de que havia prévio conhecimento da concomitância de eventos sem a adoção de qualquer medida relevante de prevenção quanto a uma diferenciação clara entre eles e de que eram os comandantes de cada força quem estavam incumbidos da organização.

Os procuradores da República citam na ação ainda os atos golpistas de 8 de janeiro e dizem que, ao favorecer a diluição do evento com manifestação político-partidária do então presidente da República, se estimulou a percepção de que as Forças Armadas tomariam partido na disputa política.

“Pode-se dizer que os fatos descritos nesta ação emitiram sinais que insuflaram a crença de que os militares não estariam neutros na disputa política, razão pela qual ‘não aceitariam’ resultado distinto da vitória de Jair Messias Bolsonaro. Em contexto eleitoral, as instituições de Estado colocaram-se naquele momento – mesmo que simbólica e aparentemente – a serviço de um projeto político-partidário, deixando de observar a neutralidade política que a elas se impõe”, escreveram os membros do MPF.