Um dos temas mais controversos quando se discute o direito dos animais diz respeito aos zoológicos. A exposição de bichos faz parte de uma cultura milenar, mas nas últimas décadas este tipo de estabelecimento tem sofrido inúmeras críticas principalmente pelo fato de manter os animais presos, muitas vezes em ambientes sujos.
De acordo com o professor Julio Goulart, os zoos deveriam se chamar “zooilógicos” porque são “prisões perpétuas”. “São lugares que prestam um desserviço à educação, reforçando a ideia de que podemos fazer o que quisermos com outras espécies. Se justificarmos essa prática, que é puro especismo, também estaremos justificando a escravidão, o nazismo, racismo, classismo e todos os ‘ismos’ que partem da premissa de que poder é razão e que o diferente vale menos que determinado grupo dominante”, critica.
Daniel Lourenço, professor de Direito Ambiental da UFRJ, pensa de modo semelhante ao afirmar que os zoos naturalizam a ideia de que animais são objetos. Na opinião do professor, os zoológicos fazem parte de uma tradição que devemos abandonar. Eles remontam às coleções particulares de animais, “que representavam não só um ideal aristocrático de posse de criaturas exóticas, como também de dominação e subjugação da natureza selvagem”.
Já a procuradora da República Monique Cheker diz não ser contra este tipo de estabelecimento. Ao mesmo tempo que considera o zoológico importante para tratamento de animais que são resgatados, como no caso clássico do Parque das Aves, de Foz do Iguaçu (PR), diz que tem dúvidas com relação à qualidade das estruturas.
“Metade das aves do Parque das Aves são resgatadas. Esse é um aspecto. O outro é o problema: exige-se muito trabalho. Não sei se o Brasil tem mentalidade para isso. O ambiente tem que ser mudado, até para o animal não caia em depressão. É preciso trocá-lo, limpar sempre, ter estrutura”.
Segundo o presidente da Sociedade de Zoológicos e Aquários do Brasil (SZB), Cláudio Maas, que também é biólogo e responsável pelo Zoo Pomerode, em Santa Catarina, os zoológicos estão passando por um momento de transição.
“Cada vez mais estão pautados em pesquisa de conservação, atentos às questões sócio-culturais. Os zoos estão fazendo uma frente importante para as questões ambientais, como o problema da extinção em massa”, aponta.
Uma discussão em alta no momento é a da gestão privada dos zoológicos. Em decisão de fevereiro deste ano, o TJ-RJ manteve a concessão do Rio Zoo com o Grupo Cataratas do Iguaçu.
Na decisão, a desembargadora Márcia Cunha Silva Araújo de Carvalho disse que as atuais condições do Rio Zoo são ruins e apontou a incapacidade da administração pública de gerenciar o zoológico.
Na decisão, ela escreve: “É fato público e notório o péssimo estado de conservação do Zoo, com diversos animais com risco de morte e em grave sofrimento, tanto que houve a interdição do local para visitação pública. Além de diversas matérias veiculadas pela imprensa, isso se comprova com parecer do IBAMA sobre vistoria efetuada no local, dando conta das péssimas condições encontradas, o que gerou um termo de ajustamento de conduta para providências emergenciais; nota pública da Sociedade de Zoológicos e Aquários do Brasil, manifestando sua preocupação com o Zoo do Rio de Janeiro e os animais que abriga”.
Segundo pesquisa mais recente da SZB, de 2014, foram identificadas 116 instituições no Brasil, sendo 106 zoos e 10 aquários. A distribuição por região mostra uma concentração de mais de 57% no Sudeste.
Com relação aos modelos de administração, a maioria dos zoos do país (54%) é municipal, o que predomina nas regiões Sudeste e Sul. Zoos particulares representam 25% do total de instituições. Na categoria “outros” estão ONGs, Universidades, Exército e Associações. A pesquisa demonstra que maioria dos zoos municipais não cobra ingresso, e sua fonte de renda são os repasses feitos pelas prefeituras.
Em São Paulo
Ana Maria Beresca começou a trabalhar no Parque Zoológico de São Paulo como bióloga do setor de mamíferos, em 1992. Depois de oito anos, migrou para outras áreas, como alimentação animal e área de comportamento animal. Atualmente, é bióloga chefe da Divisão de Ciências Biológicas do zoológico.
Ela conta que, quando entrou, na década de 90, o trabalho era apenas com exposição de animais. Porém, atualmente, houve uma evolução com programas de conservação de várias espécies, com centros de ambulatórios de pesquisa. Há trabalho com reprodução in vitro, com banco de sêmen. Dados comportamentais de animais. Ou seja, “abriu o leque”.
“Trabalhamos com exposição, mas o trabalho pesado é com conservação”, aponta. Perguntada se os animais não sofrem por estarem presos dentro de recintos, Ana conta que a área de comportamento animal foca justamente na observação de animais. Ou seja, se ele tiver algum desvio de comportamento, é preciso dar atividades diferentes e mudar a rotina.
“Se o animal fica quieto o dia todo, temos que quebrar a rotina, aplicando determinadas técnicas para que ele comece a vasculhar e ter mais interesse pelo recinto”. Ana conta que as instruções normativas são seguidas quando é elaborado algum recinto do Zoo. “Seguimos o o mínimo, que está ali. Se o órgão fiscalizador, que é a Secretaria do Meio Ambiente (SMA) fizer a vistoria e não seguirmos as regras, somos autuados”.
Por ter 59 anos, o Zoológico apresenta alguns recintos antigos, antes da norma atualizada. Nesse caso, há todo um cronograma de adaptação, e adequações como trocar os animais dos recintos. A última vistoria foi em 2011, e segundo ela, não houve nada que desabonasse o estabelecimento.
No Zoológico existem 2950 espécimes entre aves, mamíferos, répteis, anfíbios e invertebrados. A maioria dos animais morre por causa da idade. “Recentemente tivemos que importar um leão. Tínhamos duas fêmeas com idade avançada, e leão é um animal que público pede muito. Então pedimos para a SMA autorização para importação para reprodução controlada. Recebemos um macho e uma fêmea”. As mortes por doenças, segundo ela, são pontuais.
“Para outros zoológicos é mais complicado”
O carro forte do zoológico de São Paulo é a bilheteria (preços variam de R$ 10 a R$ 30). O salário é pago 50% pelas bilheterias e 50% pelo governo do estado. O restante da bilheteria (cerca de 98%) é para despesas e custeios, como, por exemplo, alimentação de animais, manutenção de recintos, medicamentos e frota de veículos. Ana Maria, entretanto, afirma que os zoos que não estiverem entrando nessa parte de pesquisa e conservação “não tem muito tempo de sobrevivência”.
“Isso é fato, aqui mesmo no estado de São Paulo têm alguns que estão fechando. A maioria é administrado por prefeitura, então quando muda prefeito, se ele não quiser que tenha zoo, manda embora e fecha. Em São José do Rio Preto, não querem mais trabalhar com animais exóticos, só com a fauna local. O que vão fazer com os hipopótamos? É um problema sério. E hoje zoológicos menores têm dificuldade. Em Mogi Mirim ficou muito tempo fechado. Americana está com problema sério”, diz. O futuro da maioria dos zoos é, então uma incógnita, já que, de acordo com estudo da SZB, a maioria dos zoos do país (54,21%) possui o modelo de administração municipal.
Circo
Em janeiro deste ano, com a lei nº 17.081, o estado de Santa Catarina se tornou o 12º do Brasil a proibir a utilização de animais em espetáculos circenses. Além dele, Alagoas, Goiás, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Espírito Santo já haviam sancionado leis semelhantes.
Entretanto, não há lei federal que proíba os animais nos circos. Para Julio Goulart, não há nada que justifique a utilização, já que, na prática, além de vários casos de acidentes envolvendo público e domadores, “é uma verdadeira tortura para os animais que sofrem nos ‘treinamentos’, têm uma vida miserável de exploração e quando ficam velhos são descartados, além de viverem encarcerados, longe de seu habitat e sujeitos a longos deslocamentos. Bom lembrar que o circo mais famoso e rentável do mundo usa apenas animais humanos”, acrescenta.
“Não tem como compatibilizar? Não tem. O circo é uma atividade que o animal tem que ficar preso, deslocado, sofre maus-tratos. Não tem como domesticar o animal silvestre sem prejudicá-lo”, avalia a procuradora da República Monique Cheker.
Para Daniel Lourenço, diferentemente dos outros especialistas, já existe uma norma federal que veda o uso de animais em circos. “Além da previsão constitucional que veda genericamente a crueldade, o Dec. 24.645/34, em seu art. 3, XXX, proíbe o uso de animais em casas de espetáculo. Sustento que tal diploma legal está em vigor, apesar de ter sido formalmente revogado pelo Dec. 11/91. A explicação é a de que o Dec. 24.645/34 foi expedido durante regime de exceção e, portanto, materialmente possui força de lei. Não poderia um decreto meramente administrativo, como é o caso do Dec. 11/91, revogá-lo”, explica.