Publicidade indevida?

Empresa que compra direitos judiciais de passageiros consegue vitória contra OAB-RJ

Sem julgar mérito, juiz extinguiu processo em que Ordem reclamava de assessoria jurídica indevida por parte da Quick Brasil

Foto: Pexels

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) tem combatido a atuação de plataformas online que compram direitos judiciais e passam a representar os consumidores em causas contra linhas aéreas, sob a alegação de se tratar de assessoria jurídica indevida, por meio de “captação e mercantilização da advocacia”. Na mais recente decisão sobre o assunto, a 32ª Vara Federal do Rio de Janeiro não atendeu a um pedido da seccional da OAB no estado contra a empresa Quick Brasil.

O juiz federal Antonio Henrique Correa da Silva extinguiu, nesta terça-feira (24/8), o processo sem resolução de mérito, isto é, sem discutir a legitimidade das práticas da empresa e do pedido da OAB. Baseada em Belo Horizonte, a empresa atua nos casos em que o atraso gerado pelo cancelamento ou partida tardia da aeronave é de ao menos quatro horas. No site da startup há o seguinte anúncio: “Teve problemas com cancelamento ou atraso de voo nos últimos 5 anos? Avalie seu caso e receba R$ 1.000,00 em 2 dias”. Leia a íntegra da decisão

Em troca do pagamento antecipado ao consumidor, a empresa obtém a representação para buscar acordo ou abrir processo na Justiça contra a empresa aérea. O patamar de quatro horas pode ser baseado na na Resolução 400 da Agência Nacional da Aviação Civil, que, no artigo 21, obriga as empresas aéreas a oferecer alternativas no caso de atrasos dessa monta.

Para a OAB, esse tipo de serviço se enquadraria em consultoria jurídica, “consistindo em realizar análise jurídica da situação do cliente a fim de verificar a possibilidade ou não de indenização, com base nas leis”. Assim, as propagandas da empresa nas redes sociais seriam uma forma de oferecer assessoria jurídica de forma incompatível com o Código de Ética da OAB, em que é vedada publicidade para captação de clientes. Por isso, pedia para que anúncios do tipo deixassem ser feitos.

No processo, o Ministério Público Federal foi consultado e opinou que ficaram demonstradas as atividades de captação de clientela por meio de publicidade e mercantilização da advocacia, conforme alegava a OAB.

A Quick Brasil argumentou não ser regida pelo Código da Ordem, já que não prestaria serviços próprios de advogados. A atividade seria “negociar créditos de passageiros de transporte aéreo contra companhias aéreas, mediante antecipação financeira”. Para as disputas com aéreas, seriam contratados advogados remunerados com honorários.

A empresa apontou haver “ilegitimidade ativa” por parte da seccional fluminense da OAB, já que a empresa está baseada em Minas Gerais. O juiz acolheu o argumento, e entendeu que as seccionais estaduais da Ordem podem ajuizar ação civil pública no próprio território com base na Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/1985).

“O fato de a publicidade referida repercutir também no Estado do Rio de Janeiro é, por si, insuficiente para qualificar o interesse como local, já que todo e qualquer fato de repercussão nacional também ostentaria essa característica, de modo que aplicar esse critério importaria num esvaziamento da competência do Conselho Federal da OAB nessa matéria”, concluiu o magistrado.

“Vamos recorrer e vencer. É uma clara mercantilização. Uma pena que terá retornar a juízo para avaliar o mérito, mas é nossa missão; um processo ajuizado em 2018 com provas e agora apenas uma decisão extinguindo”, afirma Alfredo Hilário, procurador-geral da OAB do Rio.

Pode estar do lado da Ordem potencial novo entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a ausência de limite territorial para ação civil pública. Em março, o Plenário do tribunal formou maioria para declarar a inconstitucionalidade do artigo 16 da Lei de Ação Civil Pública. O julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Gilmar Mendes.

Recentemente, outro caso semelhante com a mesma fundamentação da OAB obteve decisão distinta. A 28ª Vara Federal do Rio de Janeiro condenou, em maio, a empresa dona da Liberfly, do Espirito Santo. No website dessa startup, o consumidor pode apresentar um caso e a companhia avalia se irá levá-lo adiante mediante uma negociação com a aérea ou com um processo judicial.

Naquela decisão, o juiz federal Adriano Saldanha Gomes de Oliveira condenou a empresa a se “abster de praticar qualquer ato de anúncio, de publicidade ou de divulgação de oferta de serviços consistentes na angariação ou captação de clientela, por qualquer meio, físico ou digital”; além de arcar com honorários de advogados no valor de R$ 4 mil. A empresa recorreu.

A ação contra a Quick Brasil tramita com o número 5018420-66.2018.4.02.5101.

Sair da versão mobile