Lava Jato

CNMP pune Deltan Dallagnol por tuítes contra Renan Calheiros

Procurador fez publicações contra escolha de Calheiros à presidência do Senado em 2019

Deltan Dallagnol
Deltan Dallagnol / Crédito: Luis Macedo / Câmara dos Deputados

O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) decidiu, nesta terça-feira (8/9), aplicar a pena de censura ao procurador da República Deltan Dallagnol, por ter feito uma série de publicações no Twitter contra o senador Renan Calheiros (MDB-AL), às vésperas da eleição da presidência do Senado, em janeiro e fevereiro de 2019.

Por 9 votos a 1, o plenário do CNMP entendeu que o procurador descumpriu o dever funcional e extrapolou os limites da liberdade de expressão em tuítes publicados entre 9 de janeiro e 3 de fevereiro. Nos tuítes, Dallagnol dizia que se Calheiros fosse eleito presidente do Senado, dificilmente seria feita uma reforma contra a corrupção. Em algumas publicações, Dallagnol chega a divulgar um abaixo-assinado para defender a votação aberta.

O tema chegou ao órgão por meio de reclamação disciplinar ajuizada por Calheiros, e em dezembro de 2019 o plenário decidiu instaurar processo administrativo disciplinar (PAD) contra Deltan para apurar o caso. Na ocasião, os conselheiros negaram pedido para afastar cautelarmente o procurador até o julgamento do PAD.

Nesta terça-feira, o conselheiro Otávio Rodrigues, relator do PAD, votou pela aplicação da pena de censura. Em sua visão, “há certos limites que não podem ser ultrapassados sem que se arruíne a própria ideia de decoro e de liturgia de um cargo integrante de carreira de estado”.

“Membro do Ministério Público deve se abster de realizar manifestações públicas, pois ao fazê-lo também compromete a isenção perante a sociedade. O requerido ultrapassou os limites da simples critica, com manifestação pessoal desconfortável à vítima. Atacou de modo deliberado não só um senador da Republica, mas a um Poder Legislativo, constituindo violação ao direito moral de terceiros a imagem moral do parlamento”, disse Otávio Rodrigues.

Para o relator, reduzir este caso a um debate sobre liberdade de expressão “é ignorar os imensos riscos à democracia quando se abre as portas para agentes não eleitos, vitalícios e inamovíveis disputarem espaços, narrativas e, em última análise, o poder com agentes eleitos, dependentes do sufrágio popular periódico e com a imagem estigmatizada ao que ocorre em todo mundo por atuarem nos difíceis ambientes políticos partidários”.

Rodrigues ainda destacou que “nada impede” que membros do Ministério Público “deixem o conforto de seus cargos públicos, renunciem a magistratura judiciária ou ministerial, e entrem na arena partidária, disputando votos e espaço na mídia sem a proteção reputacional que a toga e a beca quase sempre emprestam aos que as vestem”.

Assim, o relator propôs a aplicação da pena de censura. Esta sanção está prevista no artigo 239 da Lei Complementar 75/1993, que regulamenta o Ministério Público da União e prevê sanções disciplinares, e é o segundo nível de punição em caso de infração disciplinar – só não é mais branda que a advertência. Esse tipo de pena pode impedir ou atrasar a promoção de membros do MP para cargos mais altos.

Em novembro de 2019, Dallagnol foi punido com pena de advertência por ter feito críticas a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) durante entrevista à Rádio CBN. Em 17 de agosto deste ano, porém, o ministro Luiz Fux atendeu a pedido do procurador e determinou que o CNMP deveria desconsiderar a punição de 2019. Dallagnol temia que o acúmulo de sanções levasse a punições mais graves, como eventual suspensão ou afastamento. O relator lembrou desta decisão e não considerou os antecedentes do procurador ao propor a pena.

O relator foi acompanhado pelos conselheiros Oswaldo D’Albuquerque, Sandra Krieger, Fernanda Marinela, Luciano Nunes Maia, Marcelo Weitzel, Sebastião Caixeta, Luiz Bandeira de Mello Filho e Rinaldo Reis.

O único a divergir foi o conselheiro Silvio Amorim, para quem Dallagnol exerceu seu direito de liberdade de expressão. “O posicionamento de membros do Ministério Público a respeito de questões relevantes da vida nacional não pode ser tido como veículo de possível sancionamento pelas corregedorias ou pelo CNMP. Os procuradores possuem a possibilidade de falar sobre questões que dizem respeito ao estado brasileiro. Evidentemente que algumas vezes são assuntos complexos, mas nem por isso poderíamos ter como indevidas as manifestações a este respeito”, opinou.

O procurador-geral da República Augusto Aras estava ausente, e o vice-procurador-geral Humberto Jacques se declarou impedido, por isso não participou do julgamento. O CNMP opera hoje com três conselheiros a menos, do o quórum adequado, porque os nomes indicados estão à espera de aprovação do Senado.