Coronavírus

CNJ suspende cobrança por registro eletrônico de imóvel

Setor teme que a decisão inviabilize a prestação sem uma forma de custeio. Procura subiu 4000% na pandemia

LGPD cartórios
Crédito: Gil Ferreira/Agência CNJ

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) suspendeu, nesta segunda-feira (22/6), a cobrança de valores por serviços eletrônicos de registros de imóveis pelas centrais estaduais. Por 14 votos contra um, o colegiado referendou liminar dada pelo corregedor nacional de Justiça, Humberto Martins, no sentido de que as centrais nos estados deixem de cobrar pela prestação de serviços de registros imobiliários digitalizados.

O setor manifesta preocupação com a inviabilização do serviço, pela ausência de forma de custeio, especialmente durante a pandemia. Por essas plataformas passam pessoas físicas e jurídicas para registros de compra e venda de imóveis, financiamentos imobiliários, bancos que encaminham títulos, incorporadoras que acompanham transações de um único ponto dos cartórios que têm páginas nas internet.

“Não cabe a nenhuma central cartorária do país efetuar cobranças dos seus usuários, ainda que travestidas de contribuições ou taxas, pela prestação de seus serviços, sem previsão legal. A atividade extrajudicial é um serviço público, exercido em caráter privado, cujos valores dos emolumentos e taxas cartorárias pressupõem a prévia existência de lei estadual ou distrital”, disse o relator, na decisão. 

O corregedor suspendeu a exigência da cobrança da contribuição de 4,89% a ser descontada do valor repassado aos cartórios em Minas Gerais. O pedido de providências foi feito por um registrador de imóveis daquele estado, mas a liminar do CNJ foi estendida para todo o país. Assim, todas as centrais eletrônicas de registro de imóveis estão impedidas de cobrar pelos serviços. No caso de Minas, ficou determinada, ainda, a restituição de valores cobrados desde 30 de abril. 

O Colégio de Registradores de Imóveis do Brasil (Cori-BR) afirma, no entanto, que toda a atividade produtiva do setor financeiro, habitacional e imobiliário fica prejudicado com a paralisação dos serviços eletrônicos, sem uma forma de custeio. De acordo com o colégio, a decisão vai na contramão do momento atual, em que as entidades procuram simplificar os procedimentos e padronizar os protocolos eletrônicos, ganhando agilidade nos processos, eficiência e economia. 

Aumento de 4.000%

Os atendimentos das centrais eletrônicas tiveram um aumento de 4.000% desde o início da pandemia, em março. O custo médio mensal para manter uma plataforma de Central Eletrônica, segundo o Cori-BR, nos últimos 5 meses foi de R$ 1,2 milhão. Este valor inclui data center, assessoria, arquitetura de tecnologia, softwares, hardwares, segurança da informação. 

A Corregedoria Nacional de Justiça estabeleceu em 2015, por meio do Provimento 47, as diretrizes para a implantação do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (SREI), ferramenta usada pelas centrais de imóveis estaduais para padronizar os serviços prestados. Em 18 de dezembro de 2019, último dia antes do recesso Judiciário, o CNJ editou o Provimento 89, que regulamentou o SREI, bem como estabeleceu o estatuto do Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico (ONR). 

Dentre os serviços oferecidos pelo SREI, estão certidões, visualização eletrônica da matrícula do imóvel, pesquisa de bens que permite a busca por CPF ou CNPJ para encontrar bens imóveis registrados. O sistema é integrado e permite o intercâmbio de documentos e informações e está a cargo de centrais de serviços eletrônicos compartilhados em cada uma das unidades da federação.

No caso concreto, Humberto Martins entendeu que a Central Eletrônica de Registro de Imóveis de Minas Gerais (CRI-MG) extrapolou o que foi definido pelo TJMG. “Em nenhum momento, é atribuída à CRI-MG a função para prestar ou intermediar a prestação de serviços a terceiros, como se fosse um cartório de registro de imóveis.”

Como exemplo, o ministro cita que para ter acesso à visualização eletrônica da matrícula o cliente do serviço deve pagar R$ 3,71, equivalente a mais de 50% do valor dos ganhos dos cartórios. Para formular um pedido de certidão, o cliente deve pagar R$ 11,14, o equivalente a mais de 10% dos emolumentos cobrados pelos cartórios.

“Ressalte-se, ainda, que essa cobrança, além de manifestamente ilegal, é tratada pelo requerido com absoluta normalidade, conforme consta do COMUNICADO AOS ASSOCIADOS, de 28 de abril de 2020, juntado aos autos. Neste documento, o requerido, sob o fundamento de déficit mensal considerável, instituiu uma ‘contribuição’ de 4,89%, a ser descontada do valor repassado aos cartórios e que incidirá sobre a visualização de matrícula, pedido de certidão e prenotação. Um absurdo em si mesmo!”, apontou o relator.

Por meio de nota, assinada por Humberto Martins e o presidente Dias Toffoli, o CNJ explicou a decisão não interrompe nem suspende a prestação de serviços eletrônicos. O órgão afirma que os meios eletrônicos são uma realidade e uma necessidade óbvia deste tempo, cabendo ao CNJ, até por força de lei, promover a ampliação dos serviços possíveis de serem prestados de forma eletrônica.

A decisão em pauta apenas esclarece que não podem ser feitas, aos usuários desses serviços, cobranças não previstas em lei. Na verdade, apenas afirma aquilo que parece ser evidente. O serviço de registro imobiliário é um serviço público, prestado em caráter privado, por delegação do Poder Público”, diz o texto. De acordo com Martins e Toffoli, aos titulares de delegação desse serviço público, cabe fazer os investimentos necessários à prestação dos serviços, inclusive de modo eletrônico, assim como contratar os prepostos, manter as instalações.

Ainda assim, o Cori-BR afirma que a decisão “rompe com um entendimento prévio do próprio Conselho e ameaça a interrupção do serviço caso não viabilizado o seu custeio”. A entidade classifica como uma reversão súbita e inesperada e afirma que, no mercado, empresas chegam a cobrar até 1000% a mais que as centrais estaduais. “É necessário o reembolso pelas atividades não gratuitas, por imperativo da evidência”, diz, também em nota. 

O presidente do Registro de Imóveis do Brasil, Flaviano Galhardo, explica que até o Provimento 89 o setor se organizava exclusivamente por meio das centrais estaduais. “Esse serviço vem sendo prestado desde 2015 dessa forma e ganhou uma velocidade muito grande na academia. Sem os cartórios presenciais, as pessoas começaram a buscar entender esse serviço. No fim de 2019, criou-se uma expectativa muito grande em cima do Operador Nacional, cuja estruturação está sendo construída. Mas, para sair do papel, também precisa de uma fonte de custeio”, esclarece.

De acordo com ele, é preciso diferenciar os serviços obrigatórios, previstos por lei, que já são feitos sem custo algum. Mas a prestação por meio das centrais estaduais é compartilhada e os serviços são prestados a preço de custo, a título de reembolso, segundo ele. “O Cori-Brasil está engajado no diálogo na busca de encontrar uma solução do problema das fontes de custeio”, diz.

Galhardo afirma que, por ora, o Operador Nacional é apenas uma ficção. “Ele não tem como operar. A única fonte, o único ponto de acesso para a cadeia produtiva do país de forma inteligente, estruturada e compartilhada é por meio das centrais sindicais. Não sei até quanto tempo a gente conseguiria manter a estrutura. É um custo alto, não é pequeno, se fosse, a gente equacionava de alguma forma.”

Alguns dos serviços previstos em lei são pedidos de certidão e protocolos de títulos para os cartórios de imóveis (registros e averbações). Além disso, as centrais eletrônicas permitem a prestação de outros serviços virtuais não previstos na legislação, como ofício eletrônico, certidão de indisponibilidade de bens e penhora online. São ferramentas acessadas por mais de 200 órgãos públicos (principalmente PGFN e tribunais) de forma gratuita, por meio das centrais.

Outro exemplo é o Módulo SEIC (Serviço Eletrônico de Intimação e Consolidação de Alienação Fiduciária). Antes da ferramenta, bancos financiadores de crédito imobiliário com garantia de alienação fiduciária tinham que ir até o balcão dos cartórios para dar entrada em requerimentos de execuções de alienação fiduciária, quando o devedor não está pagando as parcelas do financiamento. Com esse módulo, criado pelas centrais eletrônicos, os bancos podem ter acesso às informações de todos os cartórios numa única plataforma virtual, sem ter que pagar despachantes para fazerem o trabalho.