O Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgará uma causa bilionária envolvendo a atuação da B3 e do Banco Central em operações realizadas em janeiro de 1999 no mercado futuro para socorrer os bancos Marka e FonteCindam, no período que ficou conhecido como a maxidesvalorização do real.
São quatro ações judiciais que envolvem, além da B3 e do Banco Central, bancos privados e pessoas físicas. De acordo com demonstrativo financeiro da B3, uma derrota nesses processos resultará em perda de R$ 31,2 bilhões, a valores de junho de 2021, para ela e os demais réus nos processos.
Ações nasceram de operações do BC em 1999
A discussão dos processos bilionários remonta a janeiro de 1999, período que ficou conhecido como a maxidesvalorização do real. Na ocasião, dois bancos – Marka e FonteCindam – apostaram erroneamente na estabilidade do real e realizaram contratos em dólar. O real, no entanto, registrou uma superdesvalorização, e as instituições financeiras ficaram sem condições de cobrir seu prejuízo.
Na ocasião, o Banco Central assumiu a posição dos dois bancos e vendeu dólares a preço abaixo do mercado para socorrê-los. A intervenção do Banco Central ocorreu após o recebimento de uma carta da então BM&F – hoje B3 –, que alertava para o risco sistêmico para o país, com possibilidade de quebra de várias instituições financeiras, inclusive grandes. Em função dessa carta a B3 passou a figurar em três ações populares e duas ações civis públicas.
Entre as acusações estão a de que o Banco Central teria agido sem autorização legislativa e que a sua atuação, incentivada pela carta da BM&F, teria causado danos ao erário.
As ações foram propostas contra mais de 20 pessoas físicas e jurídicas, entre elas a B3, o Banco Central e os bancos Marka S/A Investimentos e Participações e FonteCindam S.A.
STJ pode esperar chegada de todas as ações
Inicialmente, o tema era tratado em cinco ações. Em 2012, em julgamento na primeira instância, todas foram julgadas procedentes, com a condenação da maioria dos réus, incluindo a então BM&F – hoje B3. Em julgamento de recurso de apelação, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) reverteu as sentenças em 2017 e afastou da BM&F a responsabilidade pelo ressarcimento de eventuais danos ao erário.
Entre outros argumentos, o TRF-1 considerou que não houve imprudência, imperícia ou dolo por parte do Banco Central. De acordo com o acórdão, “diante do real risco de falência das instituições bancárias e da insegurança do sistema econômico e financeiro à época, as decisões tomadas pelo setor técnico do Banco Central do Brasil se justificam, pautando-se pela razoabilidade e estrita legalidade para evitar danos sociais e econômicos maiores”.
Frente às decisões, o Ministério Público Federal (MPF) apresentou recursos especiais ao STJ e um recurso extraordinário ao STF. Um dos recursos já foi analisado e inadmitido pelo próprio TRF-1. Isso significa que o tribunal entendeu que esse recurso sequer deveria ser processado. A decisão transitou em julgado (com todos os recursos esgotados), favoravelmente à B3.
Em relação aos outros quatro recursos, o TRF-1, em juízo preliminar, entendeu que eles podem ser julgados nos tribunais superiores. Dois já foram distribuídos ao STJ e estão sob relatoria do ministro Francisco Falcão, da 2ª Turma. Tratam-se dos REsp 1.911.111/DF e 1.904.389/DF.
Os outros dois ainda devem subir. A exemplo do que ocorreu na 1ª e na 2ª instâncias, é possível que o STJ aguarde a chegada dos outros dois processos para que eles sejam julgados conjuntamente, embora isso não seja obrigatório. Assim, não há previsão para julgamento. Segundo a B3, o recurso extraordinário deve ser encaminhado ao STF a depender do resultado no STJ.
No STJ, o julgamento é feito em duas etapas: primeiramente os ministros devem analisar a admissibilidade dos recursos especiais (isto é, se eles devem prosseguir) para, então, discutir o seu mérito. No que diz respeito à admissibilidade, os processos precisam ultrapassar a Súmula 7, segundo a qual o tribunal superior não pode reanalisar provas. Essa será uma barreira, por exemplo, se o STJ precisar reanalisar a prova pericial dos processos envolvendo a B3.
Superada essa etapa, os ministros analisam o mérito da causa. Entre as questões suscitadas estão a legalidade da atuação do Banco Central à época, o suposto benefício que a BM&F teria tido com a atuação do Banco Central, uma vez que não precisou recorrer ao seu próprio patrimônio, e a responsabilização de ambos por eventuais danos ao erário.
MPF sustenta que atuação do BC foi ilegal
Nos pareceres apresentados nos dois recursos especiais que já subiram ao STJ, o MPF requer tanto a reforma dos acórdãos do TRF-1 como o bloqueio de bens dos réus, de modo a assegurar “bases patrimoniais para futura execução forçada da sentença condenatória que reconheça a prática de ato ilegal lesivo ao erário”.
Nos documentos, o MPF sustenta, entre outros pontos, que “a atuação do Banco Central na negociação de contratos de dólar futuro foi ilegal”. O órgão afirma que inexistia “previsão normativa que sustentasse a sua participação no mercado de câmbio futuro, sendo sua atuação restrita, à época, a realização de operações no mercado interbancário”. Para o MPF, a ilegalidade das operações do Banco Central é “tão evidente” que, para operar no mercado futuro, ele precisou utilizar o Banco do Brasil.
De modo objetivo, o MPF afirma ainda que, em seus acórdãos, o TRF-1 violou o artigo 11 da Lei 4.595/64, que trata das competências do Banco Central. Segundo o órgão, o TRF1 interpretou “competência que não foi conferida à autarquia”.
Além disso, sustenta que o TRF-1, ao concluir pela inexistência de ato de improbidade administrativa, ofendeu os artigos 10 e 11 da Lei 8.429/92. Os dispositivos tratam especificamente sobre atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário e que atentam contra os princípios da administração pública.
O que diz a B3
Procurada pelo JOTA, a B3 ressaltou que a decisão atual é favorável a ela. A companhia afirmou que já apresentou contrarrazões aos recursos do MPF e acredita que, do ponto de vista processual, os recursos não reúnem os requisitos para julgamento, em especial a incidência da Súmula 7 do STJ.
Para a B3, mesmo se os recursos forem julgados, do ponto de vista do mérito, eles não possuem fundamentos para reverter a decisão favorável do TRF1 por três motivos. Primeiro, porque “as provas pericial e documental reconheceram que o BC agiu dentro da sua esfera de competência e discricionariedade, de acordo com as regras então em vigor”.
Segundo, porque a então BM&F “operacionalizou uma decisão do BC, efetuando o registro, a compensação e a liquidação das operações, agindo estritamente no que é o seu papel como ambiente de negociações”. E, em terceiro lugar, a “BM&F não auferiu qualquer benefício, pois as garantias depositadas para as operações eram suficientes e se executadas não atingiriam o patrimônio”.
“A B3 acredita que as decisões favoráveis serão mantidas nos tribunais superiores. Isto porque segundo as decisões: provou-se que a atuação do Banco Central no mercado futuro de dólar foi legítima; a então BM&F não foi beneficiada com as operações; eventual liquidação das operações com garantias não atingiriam o patrimônio da BM&F; havia concreta possibilidade de risco sistêmico; e não houve prejuízo ao erário”, informou a companhia.
Procurado, o Banco Central disse que não comenta causas em juízo.