
Por maioria dos votos, a 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) considerou improcedente o pedido de indenização por danos morais e materiais e de retirada de conteúdo do ar da revista Oeste contra a agência de checagem Aos Fatos. A revista Oeste argumentava que o fato de ter tido duas de suas reportagens sinalizadas como desinformação prejudicou a circulação do conteúdo no Facebook e lhe causou prejuízo financeiro. Isso porque a agência havia sido contratada pela rede social para apontar conteúdos com possível desinformação.
As matérias defendiam a eficácia do “tratamento precoce” no combate à Covid-19 — o que é uma informação falsa — e desinformavam sobre uma suposta inexistência de queimadas na Amazônia.
Na primeira instância, a agência de checagem havia sido condenada a pagar uma indenização por danos morais no valor de R$ 50 mil e uma indenização por danos materiais em valor que ainda seria apurado, sob a justificativa de que a agência “opera com a indisfarçável intenção de censurar as demais fornecedoras de conteúdo”, e que este comportamento seria “incompatível com as liberdades civis e políticas, ainda que lastreada na tentativa de proteger a sociedade contra a propagação de notícias falsas.” A decisão foi tomada pelo juiz Marcelo Augusto Oliveira, da 41ª Vara do Foro Central Cível de São Paulo.
Os desembargadores que julgaram o caso não concordaram com a visão do juiz. O relator, desembargador Viviani Nicolau, ressaltou que a agência apenas se limitou a dizer que o conteúdo não era seguro e que a circulação das reportagens não foi impedida. Ou seja, “ao contrário do afirmado, a agência de checagem ora apelante não tem a pretensão e nem o poder de tornar-se um ‘verdadeiro censor'”, diz trecho do relatório.
A afirmação de que o conteúdo publicado pela revista Oeste consistiria em “notícia falsa” representa, afirma o desembargador, “crítica objetiva a duas matérias específicas, e não à sua atuação como um todo, ou aos profissionais que fazem parte de seus quadros”. Além disso, estas críticas “foram amparadas em dados aparentemente idôneos, e não em simples discordância de opiniões”.
“A credibilidade dos meios de comunicação e das agências de checagem terá de ser conquistada pelas respectivas empresas, através de um trabalho sério e competente”, afirma o relator. Ele também diz que cabe à revista Oeste “apresentar as suas razões e tentar demonstrar a lisura e a correção de suas matérias jornalísticas”
O desembargador reconhece ainda que a desinformação é um dos maiores problemas da sociedade mundial e afirma que “a checagem de notícias se tornou uma importante ferramenta do jornalismo profissional e não pode ser cerceada, a pretexto de contribuir para prejuízos financeiros”.
Histórico
Em agosto de 2021, o desembargador Viviani Nicolau, já havia revogado uma liminar, concedida em abril de 2021 pelo juiz Marcelo Augusto Oliveira, da 41ª Vara do Foro Central Cível de São Paulo, que obrigava a agência a excluir do site os textos que mencionavam a desinformação.
As menções à revista Oeste foram retiradas das checagens em abril de 2021 “É falso que imagem da Nasa prova que Amazônia não está ’em chamas”’ e “É falso que São Lourenço zerou mortes e internações por Covid-19 devido a ‘tratamento precoce”’. A primeira reportagem desmente que imagens da Nasa mostrariam menos focos de incêndio na Amazônia que os dados oficiais do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
Já na segunda, a agência aponta que é enganoso associar a a adoção do “tratamento precoce” e a redução a zero de internações e mortes por Covid-19 na cidade. Além e mostrar que foram registrados casos da doença no município de São Lourenço (MG), o uso do “tratamento precoce” é comprovadamente ineficaz segundo estudos científicos.
À época em que a liminar foi concedida obrigando a exclusão do conteúdo, especialistas entrevistados pelo JOTA consideraram equivocada a decisão do juiz da 41ª Vara do Foro Central Cível de São Paulo. O procurador Anderson Schreiber, professor titular de direito civil da UERJ e autor do livro “Manual de Direito Civil Contemporâneo”, por exemplo, considerou que os textos da revista Oeste veiculavam fatos não verdadeiros e sem qualquer contraponto, já os da agência de checagem eram objetivos e contextualizados.
O procurador da República Adjame Alexandre Gonçalves Oliveira afirmou ainda que a veiculação de narrativas enganosas, como a suposta eficácia do “tratamento precoce”, merecia até repreensão jurídica.
Ao JOTA, a advogada do Aos Fatos, Flávia Penido, afirmou que o acórdão deixa claro a importância das agências de checagem e a ideia de que houve intimidação contra a agência. “A Aos Fatos foi bombardeada ao longo dos últimos anos por ações que não tinham sentido. O relator fala que se queriam indenização deveriam ter processado o Facebook. É estranho que um grande escritório tenha preferido processar uma agência de checagem do que o Facebook que daria mais margem para indenização”, analisa.
Procurada, a defesa da revista não se manifestou até a publicação desta matéria. O espaço segue aberto.
A ação tramita com o número 1039788-63.2021.8.26.0100.