art. 189, IV, do CPC

Tramitação em segredo de processo sobre arbitragem não é inconstitucional, diz desembargador

Acórdão do TJSP negou pedido de andamento em segredo por ver incompatibilidade com o princípio da publicidade

arbitragem art. 189 do CPC
Painel 'Arbitragem e Judiciário', com, da esq. para a dir., desembargador Alexandre Câmara, Ana Tereza Basilio, Fabiane Verçosa (provocadora), Marcela Maffei e Fabiano Robalinho / Crédito: Divulgação

O desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) Alexandre Câmara criticou acórdão da Corte paulista e afirmou não enxergar inconstitucionalidade no inciso IV do art. 189 do Código de Processo Civil (CPC) — que determina o trâmite em segredo de justiça de ato processual sobre arbitragem, desde que a confidencialidade estipulada seja comprovada.

A decisão em debate é a de número 2263639-76.2020.8.26.0000. Trata-se de um agravo de instrumento no âmbito do qual a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) negou pedido de tramitação em segredo de justiça. O colegiado manteve a decisão de primeira instância, sob a argumentação de que o art. 189, IV, do CPC é incompatível com o art. 5º, inciso LX, e com o art. 93, IX, da Constituição Federal.

Segundo o art. 5º, LX, “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”. Já o segundo dispositivo citado estabelece que todos os julgamentos dos órgãos do Judiciário devem ser públicos, podendo a lei limitar a publicidade para preservar o direito à intimidade, caso não prejudique o interesse à informação. Nesse sentido, a regra para processos sobre arbitragem ampliaria o segredo para além do interesse social e da intimidade, privilegiando a proteção de interesses privados.

Em mesa-redonda no 5º Congresso Internacional CBMA de Arbitragem, o desembargador Alexandre Câmara, do TJRJ, rechaçou a decisão. Para o magistrado, o que o CPC faz é preservar, se e quando o caso chega ao Judiciário, a alma da arbitragem. Se “há o desenvolvimento de um processo perante o Poder Judiciário, que tramite de forma pública, nós teremos comprometido toda a confidencialidade da arbitragem, porque, claro, haverá ali elementos que estão no processo arbitral e que não poderiam se tornar públicos. Então, é absolutamente compatível com o sistema essa disposição do 189, inciso IV. Não tenho dúvida disso.”

Marcela Maffei, sócia do escritório Fux Advogados, contou ter experimentado sentimentos ambíguos ao ler o acórdão. Embora considerasse artigo constitucional, deu o benefício da dúvida, afinal a decisão diz respeito a um princípio fundamental e discute questões como intimidade, interesse social e formação de jurisprudência.

Sua conclusão foi de que a controvérsia é fruto da cultura brasileira de necessidade do Estado. A advogada entendeu que “o povo odeia o Estado, mas nosso Estado é paternalista, e o povo gosta disso. Parece que ter publicidade na jurisdição estatal seria garantia de que aquelas decisões seriam mais fundamentadas, mais fiscalizadas, protegeriam mais os cidadãos de arbitrariedades, quando na nossa prática a gente vê que isso não é garantia absoluta de nada, muito pelo contrário”.

O erro do acórdão, defendeu Fabiano Robalinho, sócio do Sergio Bermudes Advogados, foi a falta de exame da razão de ser do princípio da publicidade. Conforme explicou, a finalidade do dispositivo é proteger o cidadão do Estado — evitar o julgamento de exceção, permitir que a sociedade possa monitorar a atuação dos magistrados e coibir abusos. “O comando é direcionado ao Estado. A lei não pode restringir, mas as partes podem.”

Robalinho também rejeitou o argumento de que a quebra do sigilo seria importante para a formação de uma jurisprudência. Outra exceção levantada pelo art. 189 do CPC é para casos de Direito de Família, ponderou. Apesar disso, não é um obstáculo realizar pesquisas sobre casos da área. O mesmo deveria acontecer para atos processuais que versem sobre arbitragem.

A isso, o desembargador Alexandre Câmara acrescentou que haveria uma confusão na base da decisão. Na arbitragem, as partes negociam a confidencialidade do procedimento, o que não se cogita no Judiciário. Segredo de justiça e confidencialidade são diferentes, porque o primeiro trata de uma publicidade restrita. A questão, sustentou o magistrado, é saber se o processo será público ou não, mas se essa publicidade será ampla e ilimitada ou se terá algum tipo de restrição.

“Pense o seguinte: as partes e seus advogados, claro, têm conhecimento de tudo que se passa. O juiz também. A secretária do juiz também. O escrevente também. Quando tem recurso, vai para o tribunal, todos os desembargadores, o membro do MP, o pessoal da secretaria da câmara. Só nessa brincadeira — ainda os assessores dos desembargadores — já tem umas 150 pessoas travaram conhecimento daquilo ali. Se tem algo que isso não é, é segredo. Um segredo que 150 pessoas conhecem não é segredo,” brincou Câmara.

Por isso, continuou, seria possível construir jurisprudência. Bastaria retirar os nomes das partes e dados que permitissem a identificação do caso concreto, mantendo o necessário para a compreensão de como aquela decisão foi tomada, “porque não é segredo, é só uma restrição de publicidade”.

A discussão foi suscitada pela provocadora, Fabiane Verçosa. Ana Tereza Basilio, do Basilio Advogados, também participou.

A reportagem viagou ao Rio de Janeiro a convite do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA).

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