Covid-19

Pesquisa mapeará se violência doméstica aumentou com a pandemia

Projeto, liderado pela UFC, foi o único da América Latina contemplado por associação internacional

Crédito: Pixabay

Um projeto capitaneado pela Universidade Federal do Ceará (UFC) foi selecionado pela Sexual Violence Research Initiative (SVRI), maior rede mundial de pesquisa sobre violência contra mulheres e crianças, para estudar os impactos da pandemia da Covid-19 sobre a violência doméstica. A partir dos achados, os pesquisadores pretendem também desenvolver diretrizes para um plano de retomada pós-Covid-19 inclusivo em termos de gênero.

Após concorrer com mais de 300 propostas, o projeto brasileiro ficou entre os oito selecionados. A iniciativa será a única representante da América Latina contemplada pela SVRI e receberá R$ 700 mil para conduzir entrevistas com 6.000 mulheres em sete estados brasileiros: Ceará, Pernambuco, Bahia, São Paulo, Rio Grande do Sul, Goiás e Pará.

O projeto, intitulado Entendendo os Impactos da Covid-19 sobre a Violência Doméstica no Brasil, é coordenado por José Raimundo Carvalho, docente do Programa de Pós-Graduação em Economia (CAEN) e diretor do Colégio de Estudos Avançados (CEA) da UFC. Também participam da iniciativa Conceição de Maria, do Instituto Maria da Penha (IMP); Prof. Diego de Maria, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN); Prof. Antônio Rodrigues Ferreira, da Universidade Estadual do Ceará (UECE); Prof. Victor Hugo Oliveira, do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (IPECE); Profª Sonia Bhalotra, da Universidade de Essex (Inglaterra); e Prof. Joseph Vecci, da Universidade de Gotemburgo (Suécia).

Carvalho também lidera, em parceria com o IMP, a Pesquisa de Condições Socioeconômicas e Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (PCSVDF Mulher), que monitora mulheres de todo o país desde 2016. De acordo com Carvalho, o novo trabalho irá utilizar a base de dados do PCSVDF Mulher, composta por 10 mil mulheres, e sorteará 6 mil para compor a amostra do projeto.

“Este é um projeto oportuno para abordar uma questão urgente, complexa e globalmente desafiadora: como a Covid-19 impactou o comportamento doméstico de homens, mulheres e crianças, e como produzir evidências científicas para contribuir para um plano de retomada pós-Covid-19 que integre uma perspectiva de gênero”, diz Carvalho.

A última fase da PCSVDF Mulher, de 2017, trouxe achados relevantes para a proposição de políticas públicas no enfrentamento à violência doméstica, como a estatística de que 12,5% das 10 mil mulheres entrevistadas nas capitais nordestinas que estavam empregadas no momento da pesquisa sofreram algum tipo de violência doméstica nos últimos 12 meses. Outros achados:

– As mulheres que declaram sofrer violência faltaram ao trabalho 18 dias, em média, nos últimos 12 meses: 47% perderam de 1 a 3 dias; 22% de 4 a 7 dias; 20% de 8 a 29 dias; e 12% perderam 30 dias ou mais de trabalho.

– Considerando o valor do salário-hora em R$8,16 (valores nominais de 2016) e uma jornada de 8 horas de trabalho/dia, a pesquisa estima que aproximadamente R$64,4 milhões da massa salarial são perdidos como resultado do absenteísmo causado pela violência doméstica contra as mulheres nas capitais nordestinas.

– Enquanto a duração média do emprego para as mulheres que não sofrem violência é de 74,82 meses, a duração média no emprego para as que sofrem violência é de 58,59 meses, uma redução de 22%.

– Os menores salários encontram-se no grupo de mulheres negras que são vítimas de violência, enquanto os maiores salários estão no grupo das mulheres brancas que não sofrem violência. É digno de nota que as mulheres brancas que sofrem violência doméstica ainda assim recebem um salário maior que as mulheres negras não vitimadas por esse tipo de violência.

Dados inéditos

Até o momento, não houve uma pesquisa sistemática que desse conta do aventado aumento da violência de gênero durante a pandemia. Recentemente, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, revelou que o país registrou 105 mil denúncias de violência contra a mulher no ano passado.

O trabalho acadêmico tem o objetivo de avaliar o impacto da pandemia de Covid-19 e as respostas associadas (incluindo medidas de saúde pública e transferência de renda condicional de emergência) sobre a violência doméstica e familiar contra mulheres e crianças no Brasil.

O estudo, que se iniciará em junho, será feito por telefone com mulheres que já foram entrevistadas pouco antes do início da pandemia. “Logo antes do início da pandemia, havíamos feito a última onda de entrevista do PCSVDF Mulher. Então, teremos um retrato muito impressionante e inédito a respeito de como a pandemia impactou na violência de gênero no Brasil”, afirma Carvalho.


O episódio 53 do podcast Sem Precedentes discute ações sobre a Lei de Segurança Nacional, que tem sido usada em inquéritos contra críticos de Bolsonaro. Ouça: