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Queda na industrialização alerta para necessidade de atualizar sistema de patentes

Webinar do Licks Attorneys discutiu problemas e soluções para indústrias elétrica, eletrônica e de telecomunicações

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Crédito: Unsplash

O desenvolvimento tecnológico da indústria e o desenvolvimento econômico de um país têm em comum a vinculação ao sistema de concessão de patentes para produtos, equipamentos e processos inovadores. E os números brasileiros desses setores não são animadores. O cenário foi debatido nesta segunda-feira (14/3) durante o webinar “O Desenvolvimento do Sistema Brasileiro de Concessão de Patentes”, promovido pelo escritório Licks Attorneys, um dos mais importantes do país na área de propriedade intelectual, e transmitido pelo JOTA por meio do YouTube.

“É inaceitável que nossa indústria tenha encolhido, em média, 1,5% nos últimos dez anos e que tenhamos chegado a 10% do Produto Interno Bruto (PIB). Ela já representou 40% do PIB. Precisamos falar mais sobre capacitação tecnológica, segurança jurídica e melhoria do ambiente de negócios”, afirmou Regis Arslanian, embaixador e sócio do Licks Attorneys, na abertura do evento. “Nesse cenário, tentar fazer que nossa indústria de bens de produção seja de maior valor agregado e atrair fabricantes de componentes para o Brasil. A patente é um fator de alavanca e precisamos dar mais atenção a esse tema.”

O primeiro dos três painéis do webinar discutiu as indústrias elétrica, eletrônica e de telecomunicações. Humberto Barbato, presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), destacou que a Lei de Informática (Lei 8.248/1991, atualizada pela Lei 13.969/2019) prevê um grande incentivo em P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) que em muitos casos acaba não sendo revertido ao próprio país por conta dos atrasos e dificuldades do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).

“Para um setor que tem um grande volume de investimento, me parece que estamos vivendo um contrassenso. Temos um incentivo para fazer pesquisa, desenvolvimento e inovação e, ao mesmo tempo, depois que se faz a pesquisa, muitas dessas empresas acabam levando os resultados para o exterior tendo em vista que as patentes no Brasil demoram tanto tempo para serem concedidas. O Brasil faz um investimento efetivo em P&D, mas depois acaba tendo de pagar royalties por aquilo que o próprio país gerou”, explicou Barbato.

Levantamento da Abinee aponta que em 2020, o investimento em P&D nos institutos de Ciência e Tecnologia privados foi de R$ 1,789 bilhão, dos quais R$ 948 milhões foram oriundos da Lei da Informática.

“Por mais incrível que possa parecer, nós estamos trazendo institutos do exterior e grandes empresas que instalam no Brasil seus institutos. Temos uma possibilidade de não desenvolvermos só para o mercado nacional. É um mercado que compete com institutos de desenvolvimento de grandes multinacionais”, acrescentou Barbato.

Ainda de acordo com o presidente da Abinee, o que preocupa ainda mais é que as exportações da indústria brasileira retornaram ao patamar da pré-pandemia em 2021. “O setor teve um crescimento real de 7% em 2021 com relação a 2020. O resultado é positivo, porém com desempenho pior nos setores de maior intensidade tecnológica. As exportações da indústria estão menos sofisticadas. Existe uma preocupação muito grande de que estejamos precarizando o que exportamos. É inaceitável o nível de vulnerabilidade que alguns setores da economia têm, a necessidade de ter semicondutores totalmente trazidos da China e Taiwan”.

Segundo dados da Abinee, a participação dos bens de alta e média-alta intensidade tecnológica na pauta exportadora foi reduzida para 14,2% em 2021, abaixo dos 18,6% no período pré-pandemia. E o tempo médio de concessão de patentes para o setor é de 9,5 a 11,5 anos.

“O produto eletroeletrônico é movido pela inovação. Nós pegamos 4% do faturamento dos bens ao ano via incentivo da legislação. Nós temos 33 institutos de P&D espalhados por todo o país fazendo desenvolvimento que compete com países da Ásia. Depois de gastar todo esse dinheiro, que acaba sendo ressarcido aos cofres públicos, acontece uma espera em média de 11,5 anos”, afirmou Barbato. “Quando uma patente for concedida depois de 11 anos, nós não estaremos mais discutindo 5G, estaremos no 8G”, ironizou. “Ou a gente consegue um sistema rápido ou nós jogamos dinheiro fora porque estamos fazendo pesquisa, mas pagamos royalties para o exterior porque registramos patente fora.”

Renato da Fonseca, superintendente de desenvolvimento industrial da Confederação Nacional da Indústria (CNI), também destacou em sua apresentação os problemas enfrentados pela indústria brasileira.

“Embora o Brasil tenha conseguido construir um parque industrial mais diversificado do que a média da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico], nos últimos dez anos, todo o complexo que produz bens de consumo duráveis e bens de capital vem encolhendo. Não é só a indústria que está encolhendo, a participação do Brasil na indústria mundial de transformação está perdendo espaço. Principalmente nos produtos mais complexos que são os setores que mais exportam”, contextualizou Fonseca.

O representante da CNI sugeriu melhorias e alinhamento entre três pontos: o já conhecido e amplamente discutido custo Brasil, implementação de políticas industrial e de inovação e melhoria da gestão de empresas e capacitação de funcionários.

“Estamos na agenda da indústria 4.0, mas no Brasil não resolvemos pontos da terceira e, em alguns casos, da segunda revolução industrial. É preciso uma política industrial, que podemos chamar de desenvolvimento produtivo, que infelizmente virou uma análise mais política do que econômica. Enquanto outros países estão nesse debate, caímos numa discussão dos anos 50, 60, com uma dicotomia acirrada”, afirmou.

Fonseca também reforçou que a inovação é essencial para o crescimento. E ter um sistema de propriedade intelectual forte é garantir um ambiente favorável à inovação. “P&D leva tempo e demanda investimentos elevados. Produzir um novo produto, no entanto, demanda menos investimento. Copiar é bem mais fácil do que inovar. Desse modo, sem poder de monopólio, haverá pouca inovação. Mas um monopólio não contestável tende a inovar menos. Por que vou colocar no mercado um telefone, por exemplo, se ninguém mais vai entrar para concorrer?”

Otto Licks, um dos sócios fundadores do Licks Attorneys, ressaltou que é o sistema de patentes que permite que o consumidor lembre, por exemplo, da Samsung e da Apple como empresas relevantes do mercado de telefonia celular. “Dentro desses produtos existe tecnologia Nokia. Essas marcas funcionam porque têm produtos de tecnologia Nokia que foram licenciados para Samsung e Apple. Esse sistema faz com que empresas que têm viés de P&D consigam se dedicar mais. A Nokia já licenciou 5G e está investindo em 6G agora. Enquanto empresas que têm capacidade de fabricar e distribuir pelo mundo todo, como Samsung e Apple, não investem tanto em P&D como a Nokia, mas têm produtos que agradam e chegam a consumidores de todo o mundo”.

Os avanços da atual gestão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) para tentar resolver o gargalo no sistema de concessão de patentes no país foram elencados durante o webinar.

“Esse seminário é importante porque recentemente tivemos a Estratégia Nacional de Propriedade Intelectual, aprovação do novo Plano Nacional de Combate à Pirataria e o Plano de Combate ao Backlog, que reduziu o acúmulo de número de pedidos de patentes. Infelizmente, também tivemos o corte de 50% no orçamento no Ministério da Economia e o INPI está dentro. O momento, agora, é de participarmos e influenciar nesse debate. Não podemos cortar o orçamento de inovação porque estamos cortando o futuro. É preciso ter inovação como prioridade”, afirmou Fonseca.

Encerrando o painel, Carlos Eduardo Aboim, outro dos sócios fundadores do Licks Attorneys, afirmou que todas as evidências mostram que aqueles países que construíram um sistema de patente mais forte estão hoje bem mais desenvolvidos tecnológica e socialmente. Também destacou que, com produção de tecnologia em escala, o produto barateia.

“Todo mundo lembra que os aparelhos mais antigos de celulares demoravam para chegar no Brasil e eram caros. Quando a produção é ampliada e a tecnologia padronizada, há um aumento da oferta de serviços, que torna o produto mais barato”, afirmou Aboim.

O advogado também comentou o julgamento da ADI 5.529 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que anulou o parágrafo da Lei de Propriedade Industrial que garantia um prazo mínimo de vigência das patentes.

“A Abinee mostrou no julgamento no Supremo que, se não houvesse a modulação da decisão, basicamente metade das patentes do setor eletroeletrônico seriam extintas. Naquele momento do julgamento, no ano passado, 24.575 pedidos de patentes do setor já estavam pendentes no INPI há mais de dez anos. É importante, depois dessa decisão, criar um mecanismo para compensação do requerente da patente pela demora na concessão, da mesma forma que existe em outros países.”

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