A demanda social crescente por um projeto de Brasil próspero, que garanta bem-estar à sociedade como um todo e, ao mesmo tempo, fortaleça as cadeias de valores produtivos, é uma realidade que está posta. Esse cenário é fruto da popularização de uma agenda que se resume em três letras do alfabeto: ESG (Environmental, Social and Governance, sigla em inglês). O objetivo principal é incorporar ao mundo corporativo estratégias de negócio que tenham como norte princípios de preservação do meio ambiente, redução da desigualdade social e de governança consciente.
Os desafios para esta agenda se concretizar, entretanto, são imensos e os caminhos ainda pouco explorados. Mas tudo começa com um primeiro passo e, neste caso, é o passo do diálogo, segundo avaliaram uma dezena de especialistas que contribuíram para a discussão sobre este tema no BRF ESG Fórum, evento realizado virtualmente na manhã da última quinta-feira (10/12).
O encontro evidencia o plano Visão 2030 da BRF, uma das maiores produtoras de alimentos do mundo. A companhia, que já tem atuação efetiva em sustentabilidade, sabe da sua responsabilidade e reforçou durante o encontro o objetivo de seguir se empenhando em continuar no processo de evolução, fazendo parte de uma transformação de país que tenha o desenvolvimento sustentável como prioridade nos próximos dez anos.
“Assumimos o desafio de continuar levando um alimento de qualidade para uma demanda cada vez mais crescente de pessoas, intensificando nossa agenda de sustentabilidade de ponta a ponta. A Visão 2030 incorpora os aspectos de sustentabilidade e, a partir de 2021, as metas de ESG farão parte dos nossos programas de remuneração variável e de engajamento dos líderes”, disse Lorival Luz, CEO Global da BRF, na abertura do evento.
“Firmamos compromissos públicos dentro de uma visão de futuro para o uso de energia renovável, combate ao desperdício, uso eficiente e responsável de recursos naturais, rastreabilidade de grãos e respeito ao bem-estar animal. Definimos metas claras e indicadores para darmos transparência para essa jornada de transformação”, acrescentou Neil Peixoto, VP de Sustentabilidade, Qualidade e P&D da BRF.
Para debater este complexo tema, o evento, apresentado por Raquel Ogando, diretora de comunicação e reputação corporativa da BRF, trouxe três painéis focados em cada uma das letras dessa agenda. Todas as conversas foram mediadas por Ricardo Voltolini, CEO e fundador da Consultoria Ideia Sustentável.
Agenda ambiental
Ao refletir sobre a pergunta “de que forma progresso e preservação ambiental podem andar juntos?”, Eduardo Bastos, diretor de Sustentabilidade para América Latina da Bayer CropSciences, Helena Pavese, diretora executiva da World Animal Protection no Brasil, e Mariana Modesto, gerente executiva de Sustentabilidade da BRF, falaram sobre como é possível produzir cada vez mais impactando cada vez menos o meio ambiente.
Na visão de Eduardo Bastos, uma das primeiras estratégias deve ser construir um diálogo que não envolva apenas os atores tradicionais da cadeia produtiva do setor, mas também os próprios consumidores e os agentes governamentais.
“Cada um de nós é cidadão, é eleitor e é contribuinte. Nesse sentido, cobrar mais dos atores envolvidos não é só direito, mas também uma obrigação nossa. Como dialogar com entidades nacionais, subnacionais, estados, cidades, Poder Legislativo, Poder Judiciário, entre outros? É isso que precisamos pensar”, afirmou.
Compatibilizar a existência humana, o progresso social e a preservação ambiental, na perspectiva de Helena Pavese, demanda mudanças profundas e radicais nos valores sociais, começando pelo ser humano se reconhecer como parte da natureza e não alheio a ela.
“Há uma crise de concepção de que o indivíduo não faz parte do meio ambiente. E isso leva ao uso desenfreado, imediatista e insustentável dos recursos naturais. Quando nos enxergarmos como parte da natureza, pensaremos duas vezes antes de exauri-la”, pontuou a especialista.
No que compreende o papel das empresas nesse processo de meio ambiente, Pavese sinaliza a importância do desenvolvimento de práticas que compensem de forma equivalente os danos causados pela atividade. “Não é só uma questão moral, é uma questão de sobrevivência do negócio. Empresas precisam da água, dos animais, da natureza. Quando o uso dos recursos é feito de maneira ética e responsável, a permanência da empresa a longo prazo é identificável”, afirmou.
Segundo Mariana Modesto, da BRF, é indispensável que o discurso sobre a agenda ESG esteja alinhado à estratégia de operacionalização das mudanças. Neste processo, não pode haver inconsistência no que se fala e no que se faz.
“Redução de desperdício é um tema que não pode estar fora da pauta, assim como um equilíbrio educacional e gestão de resíduos. Trabalhamos com prática e coerência, com discurso alinhado com nossos parceiros. A gente não faz nada sozinho. Temos que nos mover como setor e como indivíduo. O mundo mudou e só vai sobreviver quem estiver atento a essas mudanças”, afirmou.
No caso da BRF, que atua com proteína animal, há uma preocupação envolvendo o bem-estar animal. Para Pavese, trabalhar este quesito é um ganho tanto para quem vai consumir o alimento, quanto para a empresa e para o meio ambiente. Isso porque, quando os animais são submetidos a processos de crueldade, eles ficam mais doentes, o que impacta diretamente na saúde pública.
Para Bastos, o diferencial brasileiro em ter condições climáticas, como água e sol, para garantir uma produção de alimentos em grande quantidade, é uma oportunidade clara de negócios. No entanto, isso só terá durabilidade com preservação do meio ambiente. “Temos que pensar em como aproveitar melhor os recursos naturais que temos e, principalmente, em como aproveitar os nossos recursos humanos, a nossa cabeça, para juntos criarmos um futuro mais sustentável”, analisou.
Modesto, da BRF, lembrou, também, da importância de políticas públicas que deem subsídios às empresas que trabalham de forma sustentável. “É preciso garantir que o produto sustentável e ético seja acessível a todos.”
Agenda social
A pandemia do coronavírus escancarou na sociedade problemas profundos de desigualdade social, que não serão resolvidos de um dia para o outro. Diante desta perspectiva, o segundo painel do BRF ESG Fórum convidou Anna Peliano, coordenadora da Pesquisa BISC Comunitas, Grazielle Parenti, diretora de Relações Institucionais BRF e diretora administrativa do Instituto BRF, e Mafoane Odara, psicóloga e consultora de Direitos Humanos, para discutir se o investimento social também é um investimento no negócio.
A resposta, para todas as participantes, é positiva. Na visão de Mafoane Odara, ter uma diversidade de stakeholders é essencial para o desenvolvimento da empresa, uma vez que, a partir de perspectivas diferentes de mundo, é possível identificar com mais facilidade os pontos cegos das estratégias de negócios.
“Se eu trago pessoas para trabalhar que são muito parecidas comigo, a chance das soluções encontradas serem enviesadas e pouco efetivas é grande. Diversidade não é só porque é o certo a se fazer, mas também porque é estratégico”, afirmou.
Essa preocupação, de acordo com Anna Peliano, é uma tendência que se observa em todo o mundo, não só no Brasil. Ela, que conduziu uma pesquisa que traz dados sobre investimento social durante a pandemia da Covid-19, apontou que há uma mudança de perspectiva em relação à atuação das empresas no campo social.
“Antes, a parte social era feita de forma desvinculada dos negócios e independente de políticas públicas. Tratava-se de ação filantrópica, porque as empresas entendiam que essa era atribuição exclusiva do Estado. Hoje, isso está mudando, os negócios não querem mais ser coadjuvantes nesse aspecto, eles querem ser parte da solução. Na pandemia, as empresas privadas investiram cerca de R$ 2,5 bilhões na área social, mais da metade em educação, parte em cultura e o restante em práticas de desenvolvimento social”, relatou a especialista.
Grazielle Parenti concorda que houve uma mudança na perspectiva das empresas quanto à responsabilidade empresarial em relação às demandas sociais. Para a representante da BRF, o país tem evoluído de um modelo de filantropia para um conceito de cidadania corporativa.
“Não sabemos tudo, mas estamos aprendendo. O que vimos no momento de pandemia foi esse engajamento amplo das empresas, das pessoas. Não é só uma coisa que os consumidores e investidores esperam. É algo que precisamos fazer para todos”, afirma. “O social tem poder transformador, traz inovação e educação. Mas qual o tamanho da nossa responsabilidade? Ainda estamos descobrindo isso juntos e isso só é possível ouvindo as pessoas.”
Outra estratégia indispensável que ficou evidente durante a pandemia da Covid-19, disseram as especialistas, foi o trabalho em rede das companhias — inclusive as que, no mercado, são concorrentes.
“Na pandemia, nós da BRF e concorrentes do setor de alimentos e bebidas nos juntamos no projeto ‘Nós’, com intuito de apoiar o pequeno varejista, os bares e restaurantes. Porque só é bom para a gente, quando está bom para os outros. Nesse momento, ninguém vai sair dessa sozinho, nem o grande nem o pequeno”, disse Parenti, acrescentando que a empresa de alimentos prevê um investimento social de R$ 400 milhões até 2030, mas que isso não será possível de se fazer sozinho.
Peliano classificou que o trabalho em rede é fundamental para se chegar a um objetivo de país mais justo. “A gravidade da Covid-19, a urgência para o atendimento das pessoas e o objetivo em comum de todos favoreceu a lógica da governança cooperada, que é fundamental para se chegar mais rápido na ponta, ampliar a capilaridade e reduzir os custos”.
Para Odara, o principal processo para as empresas é entender qual pode ser seu impacto na vida de outras pessoas. “Estratégia social não é só resolver problemas, mas também acelerar transformações de vida. Falar hoje em direitos humanos não é um tema, é um jeito de olhar para o mundo”.
Agenda de governança
Desenvolver a governança nas empresas, dentro da agenda ESG, é indispensável para que as estratégias de meio ambiente e social sejam implementadas de forma efetiva. Na terceira mesa de discussão participaram Bruno Ferla, VP Institucional, Jurídico, Compliance e Governança Corporativa da BRF, Carlos Takahashi, CEO da Black Rock no Brasil, Fabio Alperowitch, sócio-fundador da Fama Investimentos, e Heloisa Rios, consultora, conselheira de administração e membro da Comissão Estratégica do IBGC.
A mensagem geral, dita no evento por Alperowitch, é que governança é o antônimo de arrogância. “Empresas que não têm governança são arrogantes, porque no final das contas elas acham que os processos decisórios tomados por um líder ou um grupo são os corretos. Não precisam ouvir ninguém e as instâncias dos processos de decisão sequer precisam ser transparentes”, afirmou.
Neste sentido, Ferla sinalizou a importância da humildade no processo de adequação da agenda ESG nas empresas. Para ele, mais do que ganhar uma “nota dez” no tema, o diferencial é buscar sempre essa excelência a longo prazo, mesmo que ela seja desafiadora.
“A governança é controle, mas vai muito além disso. O pensamento estratégico coloca a governança como diretriz do que eu quero fazer hoje para ter algo amanhã, no futuro. Como parte da gestão de uma companhia tão grande, complexa e viva quanto a BRF, a gente tem que de fato pensar em sustentabilidade a longo prazo”, disse.
O primeiro passo para essa transformação, defendeu Rios, é a escuta ativa. A consultora citou que esse processo de governança envolve muito mais do que cumprir leis ou responder a um desastre, seja ele ambiental ou ético dentro da empresa.
“Toda empresa que tem essa agenda ESG levada a sério olha a governança dentro do seu desenho estratégico e entende que essa inovação não é só para os investidores, mas deve ser também inclusiva”, afirmou. “Empresas que têm isso como estratégia são as que fazem a governança a serviço de um capitalismo de stakeholders, que tem como estratégia considerar todos os públicos que interagem diretamente ou indiretamente. Cuidado com toda cadeia de valor, cuidado com sociedade, com o meio ambiente e com tudo que está ali dentro: animais, planta, planeta.”
Neste cenário, o papel dos investidores é muito decisivo para a inclusão da agenda ESG na estratégia a longo prazo das empresas, defendeu Takahashi. A BlackRock, maior gestora de fundos de investimentos do mundo, foi pioneira em definir que só investiria em ativos que tenham como prioridade estratégias sustentáveis.
“Hoje, o investidor tem um poder de influência que ele talvez subestime. A sustentabilidade, a agenda ESG, que está no mainstream hoje é função de demanda de investidor, do mercado financeiro”, disse, acrescentando que colocar em prática uma boa governança voltada para o ESG é mais do que fazer check-list em uma lista de afazeres. “Governança para valer passa por cultura, princípios, valores e sobretudo visão de longo prazo. Só isso que vai realmente mostrar se uma ação é sustentável ou não.”