CORONAVÍRUS

Coronavírus enfraquece tática de Bolsonaro de achar culpados, diz cientista político

Pérez-Liñán: “Bolsonaro erra duplamente ao antagonizar com o Congresso e negar o problema do coronavírus”

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Presidente Jair Bolsonaro. Crédito: Carolina Antunes/PR

A situação econômica de um país muda o filtro e o grau de tolerância da população com relação a escândalos e atos de corrupção. É o que define se uma faísca acende a abertura de um processo de impeachment. A avaliação é de Pérez-Liñán, professor da Universidade de Notre Dame e editor-chefe da Latin American Research Review, o jornal acadêmico da Latin American Studies Association (Lasa). Ele participou do webinar do JOTA realizado diariamente para discutir os impactos da crise do coronavírus na política e na economia.

Durante o debate, ele ressaltou que somente o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) que vem tentando minimizar o coronavírus enquanto doença. “Populistas como Bolsonaro, Trump (presidente dos Estados Unidos) e López Obrador (presidente do México) têm medo de tomar decisões e transferiram o poder para os governantes locais”.

A estratégia de Bolsonaro seria deixar para os governadores o ônus político da queda na atividade econômica do país. “Bolsonaro está se antecipando e joga a culpa futura dos efeitos econômicos da pandemia para os governadores”, diz Marcus André Melo, professor titular de ciência política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Ph.D em ciência política pela Sussex University, que também participou do webinar do JOTA.

Em pronunciamento nesta semana, Bolsonaro minimizou os efeitos da pandemia e defendeu o afrouxamento das medidas de isolamento. “Há mimetização do discurso de Donald Trump, só que o presidente dos Estados Unidos está com a aprovação alta e Bolsonaro tem popularidade declinante”, destaca Melo. “Bolsonaro também não abre mão da culpabilização, da formação de inimigos, mas a eficácia dessa estratégia é muito reduzida no momento”.

No início da curva de contágio do coronavírus, no dia 15 de março, Bolsonaro esteve em protesto organizado contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal. “Bolsonaro perde poder e erra duplamente ao antagonizar com o Congresso e ao negar o problema trazido pelo coronavírus”, avalia Pérez-Liñán.

Motivadores de impeachment

No livro Presidential Impeachment and the New Political Instability in Latin America, Pérez-Liñán documenta e explica o uso emergente do impeachment presidencial como arma política. “Após os anos 80, intervenção militar se tornou algo com descrédito e lideranças políticas na América Latina encontraram no impeachment uma forma de retirar do poder presidentes impopulares”, explica. “Geralmente um escândalo, como o de Watergate, dá início a um processo de impeachment”.

Pérez-Liñán ressalta que a situação econômica do país é determinante no encaminhamento de um processo de impeachment. “Quando a economia vai bem, as pessoas são mais tolerantes com corrupção, já com a economia em uma situação ruim, há intolerância com corrupção e escândalos”.

Atualmente a pauta política e da mídia é monotemática e falas do presidente Jair Bolsonaro que buscam o embate perdem espaço. “A incerteza faz com que as pessoas tolerem menos discursos que não são ligados ao tema central, que é a pandemia”, diz o professor Marcus André Melo.

“A impossibilidade de sair faz com que não haja protestos, mas se as pessoas se sentirem com receio sobre o futuro haverá uma pressão sobre o Congresso”, avalia Pérez-Liñán.