Constituição

Conselho da República: o que é e qual é a função do órgão

Órgão consultivo mencionado por Jair Bolsonaro discute intervenção federal e estados de sítio e de defesa

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Reflexo dos arcos do Palácio do Planalto. Crédito: Isac Nóbrega/PR

Durante manifestação organizada por apoiadores do presidente em Brasília no dia 7 de setembro, Jair Bolsonaro (sem partido) indicou que se reuniria com o Conselho da República. Como ficou claro em seguida, com a negativa da convocação por integrantes do grupo, a reunião não aconteceu. O Conselho pode ser chamado pelo presidente a se reunir – desde que haja situação de intervenção federal, estados de sítio e de defesa ou crise institucional.

“Amanhã estarei no Conselho da República, juntamente com os ministros, juntamente com presidente da Câmara, do Senado e do STF, com esta fotografia de vocês, vou mostrar pra onde nós todos devemos ir”, declarou o presidente ao público. Há alguns erros conceituais no que ele chamou de Conselho da República, o que levou a interlocutores dele a dizerem que, na verdade, se tratava do Conselho de Governo, que reúne ministros e vice-presidente.

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O assunto, levantado por Bolsonaro, movimentou parlamentares. No Twitter, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da CPI da Covid-19, afirmou: “Já conversamos com os líderes partidários para que os dois indicados pelo Senado ao Conselho da República sejam eu e o senador Omar Aziz [presidente da CPI]”.

Afinal, o que é o Conselho da República?

O Conselho da República é tratado nos artigos 89 e 90 da Constituição Federal. A organização e o funcionamento dele são estabelecidos na Lei 8.041/1990. O Conselho é um órgão consultivo do presidente, portanto não tem poder para deliberar ou executar ordens, que cabem aos Três Poderes de acordo com seus respectivos ritos.

Conforme o texto, está estabelecido que o compete ao Conselho da República se pronunciar sobre dois temas: intervenção federal, estado de defesa e estado de sítio; e questões relevantes para a estabilidade das instituições democráticas. Também se diz que o Conselho da República se reúne por convocação do presidente.

“O Conselho tem funções muito específicas, ligadas a crises e instabilidades institucionais. Ele é um órgão de Estado, e não de governo, portanto tem representantes do Legislativo e o risco de confronto é grande. Ele serve para aconselhar e não tem poder além do que o próprio presidente já possui”, explica Luiz Guilherme Arcaro Conci, professor de Direito Constitucional na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Quem são os membros do Conselho?

O Conselho é presidido pelo presidente da República e, segundo a lei, dele participam os seguintes representantes, com os nomes atuais ao lado: 

Vice-presidente da República, Hamilton Mourão (PRTB);

Presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL); 

Presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (DEM-MG); 

Líder da maioria na Câmara dos Deputados, Diego Andrade (PSD-MG); 

Líder da minoria na Câmara dos Deputados, Marcelo Freixo (PSOL-RJ);

Líder da maioria no Senado Federal, Renan Calheiros (MDB-AL);

Líder da minoria no Senado Federal, Jean Paul Prates (PT-RN);

Ministro da Justiça, Anderson Gustavo Torres. 

Há ainda a presença de seis cidadãos brasileiros natos, de qualquer gênero, com mais de 35 anos de idade, por mandatos de três anos. Dois deles são nomeados pelo presidente, outros dois pelo Senado e os dois restantes pela Câmara dos Deputados.

As duas pessoas nomeadas pelo presidente da República são, desde fevereiro, o empresário Paulo Skaf (MDB), presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), e o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno. 

As duas cadeiras do Senado e as outras duas da Câmara não estão ocupadas desde março, quando terminou o mandato dos indicados em 2018. Por isso, inclusive, o senador Randolfe afirmou que os senadores haviam se organizado para serem os líderes da CPI da Covid-19 a ocupar o espaço. 

Não há disposição sobre a exigência de que os brasileiros indicados não componham o Legislativo e o Executivo. “Nem tudo que não está proibido por lei se pode fazer. Acima da lei está a ética e a moral. Por isso, ministros não deveriam integrar esse conselho como membros, por exemplo. É antiético”, diz Eunice Prudente, professora de Direito do Estado da Universidade de São Paulo (USP).

Em eventual reunião, o presidente pode convocar ministro para participar da reunião do Conselho, “quando constar da pauta questão relacionada com o respectivo Ministério”, segundo a Constituição. O ministro convocado não tem direito a voto.

Não há participação de membros do Judiciário, como o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), a menos que indicados como brasileiros natos. Por isso, a afirmação de Bolsonaro de o ministro Luiz Fux estaria presente não é correta.

O Conselho precisa de todos os membros para se reunir?

Pela lei, o Conselho da República tem 15 membros, mas pode funcionar com a presença da  maioria. Também são indicados suplentes para as vagas de brasileiros natos. Hoje, sem os indicados da Câmara e do Senado, há 11 pessoas no Conselho, todos homens. Desses, três pertencem ao governo.

Desde a última terça-feira (7/9), Câmara e Senado não se manifestaram publicamente sobre os novos indicados para compor o Conselho nas vagas de brasileiros natos.

Quando o Conselho da República foi convocado?

O Conselho da República só foi convocado durante o governo Michel Temer (MDB), para tratar de intervenção federal. Foram duas vezes, em 2018. Primeiro, com o objetivo de discutir a intervenção federal na segurança pública no Rio de Janeiro. Na segunda, para definir como se daria a intervenção no estado de Roraima, que enfrentava onda de entrada de imigrantes.

A intervenção federal e os estados de defesa e de sítio podem ser ordenados pelo Conselho?

Compete ao Conselho da República discutir esses temas, aconselhando o presidente da República. Porém, ele não autoriza ou ordena essas situações. De acordo com o artigo 21 da Constituição, elas são decretadas pela União, mas também não se trata de uma decisão exclusiva do chefe do Executivo.

O artigo 49 estipula que o Congresso precisa aprovar o estado de defesa e a intervenção federal, após a determinação do governo federal. E, no caso de estado de sítio, precisa autorizar previamente o pedido do Executivo. O Congresso também pode suspender qualquer uma dessas medidas.

Cabe mencionar que a Constituição não pode ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio. Entenda o que são essas situações e as diferenças que há entre elas. 

O Conselho delibera sobre intervenção militar ou interferência no Judiciário?

O Conselho da República não tem poder de deliberação. Além disso, o presidente da República, que executa o que é discutido pelo órgão, não pode determinar intervenção militar ou interferência em outros Poderes.

A interpretação do STF é a de que o artigo 142 da Constituição não autoriza a intervenção em outros Poderes, mesmo que as Forças Armadas tenham como “autoridade suprema” o presidente, e “destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

Em junho de 2020, o ministro Luiz Fux emitiu decisão esclarecendo que o artigo não autoriza a intervenção das Forças Armadas sobre o Legislativo, o Judiciário ou o Executivo.Na mesma época, a Secretaria-Geral da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados emitiu parecer esclarecendo que o dispositivo não autoriza uma intervenção militar a pretexto de “restaurar a ordem”.

Qual a diferença entre os Conselhos da República, de Governo e da Defesa Nacional?

Assim como o Conselho da República, o Conselho da Defesa Nacional tem disposição específica na Constituição. As regras estão no artigo 91. Também é um órgão de consulta do presidente, mas nos assuntos relacionados com a soberania nacional e a defesa do Estado democrático.

O Conselho da Defesa Nacional é composto pelo vice-presidente da República; pelos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal; pelos ministros da Justiça, da Defesa, das Relações Exteriores, do Planejamento; pelos comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica.

Também convocado pelo presidente, é de competência desse Conselho opinar nas hipóteses de declaração de guerra e de celebração da paz; sobre a decretação do estado de defesa, do estado de sítio e da intervenção federal; propor os critérios e condições de utilização de áreas indispensáveis à segurança do território nacional e opinar sobre seu efetivo uso, especialmente na faixa de fronteira e nas relacionadas com a preservação e a exploração dos recursos naturais de qualquer tipo; estudar, propor e acompanhar o desenvolvimento de iniciativas necessárias a garantir a independência nacional e a defesa do Estado democrático.

Já o Conselho de Governo não é de Estado, e sim de organização interna do governo. Ele também tem caráter consultivo, para discutir a gestão federal. É o próprio presidente quem convoca os membros. Diferentemente dos outros dois, o encontro é periódico. A última vez que o grupo foi convocado foi em novembro passado.

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