Corte IDH

Comunidade de Honduras pede à Corte IDH o reconhecimento de território ancestral

Povo garífuna quer titulação de 1.770 hectares, mas Estado só reconhece 629 hectares, o que permite entrada de estrangeiros

Honduras
Paisagem hondurenha / Crédito: Unsplash

A comunidade garífuna de San Juan, habitante do município de Tela, às margens do mar do Caribe em Honduras, pede à Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) que o Estado reconheça e restitua suas terras ancestrais.

Segundo os próprios, o povo garífuna tem origem no século XVIII, fruto da união de escravos africanos que chegaram ao continente em barcos espanhóis e naufragaram perto da ilha de San Vicente e indígenas de etnia Arawak y Kalinagu. No último Censo realizado por Honduras, em 2001, eles eram 49 mil.

A alegação é de que, embora o Instituto Nacional Agrário tenha concedido um título que reconhece uma parte do território reivindicado, o Estado deixou de titular a área total e, em vez disso, outorgou títulos a pessoas de fora da comunidade para a construção de hotéis, casas particulares e um parque nacional. 

A comunidade pede o reconhecimento de 1.700 hectares de território – limites que, conforme os moradores, são conhecidos com base em registros orais, passados de geração em geração. Já o Estado assegura que não há fundamento técnico para a reivindicação e que a área é só de 629 hectares, conforme medições feitas pelo governo.

Esmeralda Arzú, representante do povo de San Juan, afirmou à Corte, na segunda-feira (4/3), que a comunidade vive fundamentalmente da pesca artesanal e que, por isso, o reconhecimento da totalidade do território ancestral é importante para que eles sobrevivam.

“É nossa casa, nosso trabalho, são nossos laços culturais com a terra, o mar, a lagoa. Tudo isso demonstra que estar dentro do território é importante para nós”, disse a garífuna.

Ela contou que a chegada de pessoas de fora causou uma série de conflitos violentos e obrigou jovens a fugir das terras. “Nossos jovens são obrigados a emigrar porque não temos acesso ao nosso território. Não há como ir pescar. Há brancos pescando em nossos rios, no mar, e a eles não se diz nada. Mas se um garífuna vai pescar, lhe pegam as redes. A lei não nos ampara, mas ampara a eles, os invasores. Porque o racismo, no nosso país, é muito forte. Vivemos toda a vida com esse racismo”, reclamou Esmeralda.

Wilfredo Guerrero Bernárdez, outro depoente garífuna, relatou que dois jovens foram mortos recentemente para intimidar a comunidade. “Chegou um momento em que nos matam e nos querem matar, porque já mataram vários de nosso povo. O Estado é que permite que nossos filhos vão para o outro lado, porque não temos capacidade suficiente para poder estar nas nossas terras e protegê-las”.

De acordo com os garífunas, as construções de projetos turísticos dentro da área ancestral foram feitas sem consulta prévia, o que violou o direito à propriedade coletiva. Em razão disso, várias solicitações foram feitas ao governo e denúncias foram levadas ao Ministério Público. Os documentos, no entanto, foram perdidos e não houve mais resposta em relação aos processos, diz o povo tradicional. 

Pelas razões apresentadas, os representantes de defesa pediram à Corte que o Estado seja responsabilizado pela violação dos direitos à vida, integridade pessoal, garantias judiciais, liberdade de imprensa e expressão, propriedade coletiva, direitos políticos e proteção judicial. Também solicitou que o povo seja indenizado pelos danos materiais e morais consequentes da impossibilidade de gozar de seu território e pelas mortes relacionadas ao confronto territorial.

“O motivo de parte das terras estar na mão de terceiros não é suficiente para negar os direitos aos indígenas. Caso contrário, o direito à devolução não teria sentido e não ofereceria uma possibilidade real de recuperar as terras tradicionais, limitando-se apenas a esperar a vontade dos terceiros e forçando os indígenas a aceitarem terras alternativas e indenizações pecuniárias”, declarou o advogado Cristian Callejas Escoto, representante dos garífunas.

O Estado hondurenho, representado pelo procurador-geral da República de Honduras, Antonio Díaz Galeas, e pelo agente Nelson Molina, admitiu que o arquivo fundiário foi perdido, mas disse confiar nos documentos produzidos posteriormente pelo governo, que admitem apenas 629 hectares de terra.

Para Molina, não há provas técnicas sobre o tamanho do território alegado pelo povo. “Solicitamos à Corte Interamericana que, no caso de reconhecer a titulação e restituição das terras reclamadas, que se decida sobre os limites determinados no resumo de aplicação [arquivo produzido pelo governo] e em provas, sem prejuízo aos terceiros de boa-fé, já que nem a CIDH e nem os representantes puderem determinar os meios técnicos empregados para determinar que a área resultada em 1.770 hectares”.

O representante do governo disse que o Estado reconhecerá a ancestralidade do território. “Por considerar que existe responsabilidade estatal, solicitamos o acompanhamento do processo dos pontos de resolução, reiterando o pedido do Estado para que a Corte faça uma visita ao local antes da emissão de uma resolução que coloque fim ao processo”, sugeriu o agente estatal.

O caso será julgado pelos magistrados: Ricardo C. Pérez Manrique (do Uruguai), Humberto Antonio Sierra Porto (da Colômbia), Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot (do México), Nancy Hernández López (da Costa Rica), Verónica Gómez (da Argentina), do Patricia Pérez Goldberg (do Chile) e Rodrigo Mudrovitsch (do Brasil).