A monocratização do Supremo Tribunal Federal é fenômeno evidente, numericamente comprovado e motivo de preocupação entre ministros. No primeiro semestre deste ano, o plenário do STF julgou 1.501 processos em 41 sessões, conforme dados do Supremo. No mesmo período, de fevereiro a junho, os ministros isoladamente proferiram 52.653 decisões.
O fenômeno faz com que o Supremo funcione como “um aglomerado de gabinetes que municiam decisões monocráticas dos ministros”, como escreveram no JOTA os professores Diego Werneck e Ivar Hartmann, e que intensifique os poderes do relator em detrimento do princípio da colegialidade.
O caso mais notório é da liminar concedida pelo ministro Luiz Fux, em setembro de 2014, determinando o pagamento de auxílio-moradia (RS 4,3 mil) a cada um dos 16 mil juízes do País. Ministros já cobraram, politicamente e diante de Fux, o julgamento da liminar em plenário. Mas o relator até hoje não liberou o processo, muito pelo contrário, o andamento indica que o caso está parado no gabinete desde 3 de agosto do ano passado, sem nenhuma movimentação. A decisão de Fux já custou aos cofres públicos aproximadamente R$ 1,5 bilhão.
Uma coisa, porém, são as decisões monocráticas em ações diretas de inconstitucionalidade, por exemplo. Um juiz do Tribunal suspender a eficácia de uma lei ou de emenda constitucional por meio de uma liminar é algo que chama a atenção da Corte e da sociedade.
Algo diferente são decisões em processos penais ou inquéritos em tramitação na Corte. Cabe ao relator decidir cada passo das investigações. E, para isso, não precisa consultar o plenário a cada despacho que profere.
No primeiro semestre deste ano, as decisões monocráticas do ministro Teori Zavascki na Operação Lava Jato novamente concentraram o noticiário. A mais importante e polêmica delas veio no dia 5 de maio: o ministro concedeu liminar inédita para afastar o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, do cargo e do mandato de parlamentar. De acordo com investigações da Procuradoria Geral da República, o deputado estaria se valendo de sua posição para atrapalhar as investigações da Lava Jato.
O pedido de afastamento foi feito no final de dezembro do ano passado. Portanto, o ministro Teori Zavascki levou quase cinco meses para decidir o caso. Em reservado, integrantes da Corte afirmavam que o ministro Teori Zavascki não queria decidir pelo afastamento de Cunha antes da decisão pelo afastamento da presidente Dilma Rousseff. Foi o que escrevemos em maio, logo após a liminar e seu referendo pela unanimidade do plenário:
“A concessão da liminar antes da votação do impeachment na Câmara seria certamente interpretada como uma tentativa de interferência do Supremo em favor da presidente Dilma Rousseff.
Há ministros, inclusive, que afirmam categoricamente que o afastamento de Cunha no início deste ano sentenciaria o processo de impeachment contra Dilma. Poderia o Supremo interferir desta forma no processo político?
A pergunta inversa também é possível. A demora do Supremo foi deliberada para permitir a abertura de processo contra Dilma Rousseff?
E essa indagação se combina com uma constatação exposta por integrantes da Corte: se o ministro Teori Zavascki concedesse a liminar antes da votação da Câmara, não haveria voto suficiente no plenário do Supremo para referendar o afastamento de Cunha.
Ministros afirmavam que a interferência do STF seria exagerada e aparentaria uma tentativa indevida de blindar a presidente Dilma Rousseff. Se a liminar concedida pelo ministro fosse derrubada, argumentavam no Supremo, a decisão poderia ser interpretada como salvo-conduto a Cunha.
Depois que a Câmara autorizou a abertura de processo de impeachment, o ministro Teori Zavascki passou a trabalhar mais detidamente no caso na confiança de que, enfim, teria maioria no pleno.”
Também no âmbito da Lava Jato, no dia 14 de junho, o ministro Teori Zavascki negou os pedidos de prisão do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), do senador Romero Jucá (PMDB-RR) e do ex-presidente da República José Sarney (PMDB-AP) feitos pela Procuradoria Geral da República. Os pedidos assinados pelo procurador Rodrigo Janot eram lastreados nas gravações e delação premiadas feitas pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado.
“As evidências apresentadas não são suficientemente concretas para legitimar a medida excepcional”, afirmou o ministro Teori Zavascki em sua decisão. “O Ministério Público não apontou a realização de diligências complementares, tendentes a demonstrar elementos mínimos de autoria e materialidade, a fim de justificar a medida de cunho restritivo, fundamentando o seu pedido exclusivamente no conteúdo das conversas gravadas pelo colaborador e em seu próprio depoimento”.
Teori Zavascki, também monocraticamente, deferiu em março liminar para determinar a remessa à Corte de procedimentos em trâmite na 13ª Vara Federal de Curitiba (PR) que envolvam interceptação de conversas telefônicas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da presidente Dilma Rousseff. Neste primeiro instante, o ministro não emitiu juízo sobre as gravações, sobre a validade dos diálogos como prova (a interceptação de conversa entre Dilma e Lula foi feita após o encerramento da autorização judicial) e sobre a conduta do juiz federal Sérgio Moro, que autorizou a divulgação dos grampos. Mas em junho, o ministro determinou o encaminhamento à primeira instância dos processos em que Lula é investigado e reconheceu a nulidade do conteúdo de conversas colhidas após a determinação judicial de interrupção das interceptações telefônicas.
A decisão de Moro, afirmou o ministro Teori Zavascki, “está juridicamente comprometida, não só em razão da usurpação de competência, mas também, de maneira ainda mais clara, pelo levantamento de sigilo das conversações telefônicas interceptadas”. “Foi também precoce e, pelo menos parcialmente, equivocada a decisão que adiantou juízo de validade das interceptações, colhidas, em parte importante, sem abrigo judicial, quando já havia determinação de interrupção das escutas”, acrescentou.