Ministério Público

Pelo MP: Modelo prescricional brasileiro: um incentivo à impunidade

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Capítulo 1

Introdução

No segundo semestre de 2014, o Ministério Público Federal (MPF) apresentou à sociedade civil o que denominou de 10 Medidas contra a Corrupção, isto é, propostas legislativas que visam a tornar a justiça brasileira mais célere e eficaz. Através desta exposição, abordar-se-á a 6ª Medida, denominada “Ajustes na Prescrição Penal contar a Impunidade e a Corrupção”.

Para tanto, será inevitável rebater críticas, algumas técnicas; outras, que primam pelo uso de argumentos apelativos e distorção de conceitos. E espera-se que, ao final, o Congresso Nacional tenha a sabedoria para implementar as mudanças, para o bem do sistema de justiça criminal, para o bem do país.

Capítulo 2

Extinção da prescrição retroativa (pela pena in concreto) e o reforço no prazo da prescrição executória

Art. 110. A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, acrescidos de 1/3.

§ 1º A prescrição, a partir da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, e antes do trânsito em julgado definitivo do feito, regula-se pela pena aplicada, sendo vedada a retroação de prazo prescricional fixado com base na pena em concreto.”

Com a nova redação que se propõe do § 1º do art. 110 do Código Penal, a prescrição retroativa, pela pena aplicada em concreto, será extinta do ordenamento jurídico brasileiro. A prescrição é a perda do poder-dever de punir do Estado, tanto na fase de investigação, quanto na ação penal propriamente dita. Possui uma dupla função: visa a fixar um parâmetro de atuação dos órgãos de persecução penal e também conferir segurança jurídica ao cidadão. E conferir esta segurança difere completamente da ideia de que o Estado deva incentivar, a qualquer custo, a [simple_tooltip content=’Algumas legislações estrangeiras fizeram uma previsão bem interessante sobre a prescrição: possibilidade de haver renúncia por parte do interessado. De acordo com o art. 91 do Código Penal do Peru, “El imputado tiene derecho a renunciar a la prescripción de la acción penal”. O que motivou essa previsão? Quem quer provar a sua inocência, tem o direito de se submeter à instrução processual e ver sua alegada inocência ser declarada por um órgão jurisdicional. Na mesma linha, é o art. 35 do Código de Processo Penal da Costa Rica: “El imputado podrá renunciar a la prescripción”; e o art. 85 do Código Penal da Colômbia: “El procesado podrá renunciar a la prescripción de la acción penal. En todo caso, si transcurridos dos (2) años contados a partir de la prescripción no se ha proferido decisión definitiva, se decretará la prescripción”.’]ocorrência da prescrição[/simple_tooltip].

No Brasil, não obstante haver os prazos prescricionais baseados nas penas máximas existentes em cada delito (como ocorre em dezenas de países no mundo), quando alguém é condenado a uma pena determinada e ocorre o trânsito em julgado (fixando o que chamamos de “pena em concreto”), o novo prazo prescricional fundado nessa pena (de quantum bem inferior ao da pena máxima do delito) retroage afetando todo os atos do processo penal, já perfeitos e acabados, desde a citação. Essa invenção não existe em qualquer parte do mundo e causa uma enxurrada de extinções de punibilidade.

Como esse mecanismo mirabolante surgiu? Conforme bem destacado pelo Relatório Final do Projeto de Lei do Senado (PLS) n. 236, de 2012 (Novo Código Penal): “A denominada prescrição retroativa é uma criação (sem reflexões quanto aos seus nefastos efeitos) da jurisprudência da década de 1960, que deu origem à Súmula 146 do STF [simple_tooltip content='<http://www.senado.leg.br/atividade/rotinas/materia/getPDF.asp?t=143412&tp=1>’](“A prescrição da ação penal regula-se pela pena concretizada na sentença, quando não há recurso da acusação”)[/simple_tooltip].

As críticas a tal instituto são muitas e por ocasião do Relatório Final do PLS 236/2012 foi dito: [simple_tooltip content=’ Idem‘]“[…] é importante perceber que esse tipo de cálculo de prescrição (juntamente com a denominada prescrição da pretensão punitiva superveniente) é, indubitavelmente, a que mais tem gerado impunidade, afastando a possibilidade de aplicação de pena a criminosos que tenham sido condenados dentro das regras previamente estabelecidas e dos tempos estipulados de maneira abstrata para os crimes”[/simple_tooltip].

Mais: “o fato de duas pessoas sofrerem penas diversas em razão de terem cometido o delito decorre da necessidade constitucional da denominada individualização da pena” em nada se confunde com os prazos que possui o Estado para puni-los. Esse prazo deve ser igual para todos, considerando-se a pena máxima fixada para o delito pelo qual o [simple_tooltip content=’Ibidem‘]réu esteja sendo processado[/simple_tooltip].

A Constituição Federal de 1988 impõe a prescritibilidade como regra para os crimes e tal exigência é satisfeita com a existência de prazos prescricionais fundados na pena máxima. Em suma: não há qualquer resquício de norma constitucional que ampare a prescrição pela pena em concreto e retroativa. O que dizem os defensores de tal mecanismo canhestro?

Para RENÉ ARIEL DOTTI, [simple_tooltip content=’IBCCrim. ANO 23 – Nº 277 – dezembro /2015 – ISSN 1676-3661’]“o MPF segue os rastros perniciosos da Lei 12.234/2010 […] Com o argumento pífio de que ‘a prescrição retroativa não existe virtualmente em nenhum outro país do mundo’ e a alegação ad terrorem de que o ‘sistema prescricional [brasileiro é] condescendente com a criminalidade’, a Exposição de Motivos do disegno di legge joga mais sal na terra em que floresceram a jurisprudência e a doutrina da extinção da punibilidade pela pena fixada na sentença”[/simple_tooltip].

Onde estão os argumentos técnicos do autor na defesa da prescrição retroativa? Notem que não existem. Não parece “pífio” o fato do Brasil ser o único país do mundo a ter a prescrição retroativa pela pena em concreto que, comprovadamente, cria impunidade. E isso não é argumento ad terrorem, mas argumento técnico jurídico, de análise do direito comparado que pode e deve ser utilizada de forma legítima pelos intérpretes. Mais: jurisprudência e doutrina, no Brasil, são métodos de construção do direito a partir da [simple_tooltip content=’Ressalte-se, aqui, a possibilidade de súmulas vinculantes, a partir de decisões do STF, com força de Lei’]Lei[/simple_tooltip], não o inverso. A seguir o raciocínio de RENÉ DOTTI, nenhuma alteração legislativa, de qualquer espécie, seria possível sob pena de “jogar sal na terra em que floresceram a jurisprudência e a doutrina”.

Não há um “direito à impunidade”. Isso é construção de um “hipergarantismo” distorcido, que prega a prescrição a qualquer custo. O que há, em qualquer país do mundo, é o direito de ser investigado e julgado sem atrasos desnecessários.

Levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) concluiu que  de 1º janeiro de 2010 a 31 de dezembro de 2011, foi declarada a prescrição de 2.918 ações e procedimentos penais relativos à corrupção e lavagem de dinheiro. Até o final de 2012, tramitavam 25.799 processos de corrupção, lavagem de dinheiro ou atos de improbidade em todo o Poder Judiciário. Analisando os dados, constata-se que os processos prescritos somente em dois anos (2010 e 2011) representam mais de [simple_tooltip content=’http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/60017-justica-condena-205-por-corrupcao-lavagem-e-improbidade-em-2012′]11% dos feitos em andamento[/simple_tooltip]. Está evidente que o sistema necessita de melhoramentos para apresentar respostas satisfatórias ao Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI), à Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Uncac) e para cumprir Estratégia Nacional contra a Corrupção e a Lavagem de Dinheiro (Enccla).

A prescrição é um instituto para se aferir a inércia do órgão estatal e sua contagem é feita de acordo com a pena máxima (gravidade) prevista pelo legislador para cada crime. Se, no momento da individualização da pena, o juiz conclui que um cidadão merece uma reprimenda menor, isso não pode alterar a concepção de “atraso ou não” da atuação estatal para fatos passados.

Além de extirpar a excêntrica prescrição retroativa do ordenamento pátrio, a 6ª proposta das 10 Medidas contra a Corrupção altera o caput do art. 110, e eleva em 1/3 os prazos do art. 109 do nosso Código Penal para a prescrição da pretensão executória. A redação tem amparo no direito comparado, especificamente no art. 129 do Código Penal Uruguaio: [simple_tooltip content=’http://www.parlamento.gub.uy/Codigos/CodigoPenal/l1t8.htm’]“La pena se extingue por un transcurso de tiempo superior a un tercio del que se requiere para la extinción del delito, debiendo empezar a contarse dicho término desde el día en que recayó sentencia ejecutoriada o se quebrantó la condena”[/simple_tooltip].

Na mesma linha, o art. 84 do Código Penal da Costa Rica: [simple_tooltip content=’https://www.iberred.org/sites/default/files/cdigo_penal_13-2-13_cr_1.pdf’]“La pena prescribe: 1) En un tiempo igual al de la condena, más un tercio, sin que pueda exceder de veinticinco años ni bajar de tres, si fuere prisión, extrañamiento o interdicción de derechos”[/simple_tooltip].

Mudando o percentual, mas com a mesma intenção, o Código Penal Federal do México, art. 113, prevê: [simple_tooltip content=’http://www.diputados.gob.mx/LeyesBiblio/pdf/9_120315.pdf’]“Salvo que la ley disponga otra cosa, la pena privativa de libertad prescribirá en un tiempo igual al fijado en la condena y una cuarta parte más, pero no podrá ser inferior a tres años (…)”[/simple_tooltip]. Igualmente, o Código Penal de El Salvador, art. 99: [simple_tooltip content=’https://www.iberred.org/sites/default/files/codigo-penal-de-el-salvador.pdf’]“La pena privativa de libertad impuesta por sentencia firme se extingue por prescripción en un plazo igual al de la pena impuesta más una cuarta parte de la misma, pero en ningún caso será menor de tres años”[/simple_tooltip].

A razão da exposição de motivos do anteprojeto das 10 medidas é clara, coerente e constitucional: [simple_tooltip content=’http://www.combateacorrupcao.mpf.mp.br/10-medidas/docs/medidas-anticorrupcao_versao-2015-06-25.pdf’]“Em geral, nos diversos Códigos Penais do mundo, os prazos para a prescrição da pretensão punitiva – ou da ação – são menores que os prazos da prescrição da pretensão executória – ou da execução. É que, no primeiro interregno, a pretensão de punir não ganhou, ainda, o reforço da tutela jurisdicional que, ao contrário, a confirma e fortalece, após a emissão de sentença condenatória com trânsito em julgado. Assim, os sistemas mantêm lapsos menores para a prescrição, enquanto o interesse de punir não foi confirmado pelo Estado-Juiz; e prazos maiores, quando esse interesse já restou chancelado, ganhando reforço. Do contrário, tem-se diminuição de prazos justamente quando o interesse estatal na punição ganhou estofo. Por essa razão, justifica-se a redação, acima sugerida, de acréscimo em 1/3 nos prazos do art. 109 para estabelecer os períodos de prescrição da pretensão punitiva”[/simple_tooltip].

RENÉ ARIEL DOTTI argumenta que “o aumento de um terço se deve à reincidência. A majoração prevista no anteprojeto perde substância e a melhor orientação é a supressão desse acréscimo, ampliando-se, de lege ferenda, o conteúdo da Súmula 220 do STJ (“A reincidência não influi no prazo da prescrição da pretensão punitiva”) para abranger também a hipótese da pretensão executória”. Vê-se que a crítica não capta a essência da proposta de mudança legislativa. Inclusive, o art. 129 do CP Uruguaio dispõe que o aumento de 1/3 se aplica também ao art. 123 do mesmo Diploma que também prevê o aumento de 1/3 no caso de reincidência, a evidenciar que são [simple_tooltip content=’129. (De la prescripción de la condena).  La pena se extingue por un transcurso de tiempo superior a un tercio del que se requiere para la extinción del delito, debiendo empezar a contarse dicho término desde el día en que recayó sentencia ejecutoriada o se quebrantó la condena. Es aplicable a la prescripción de las penas del artículo 123 relativo a la prescripción de los delitos.’]situações diversas[/simple_tooltip].

No mais, não há qualquer problema em o prazo de prescrição da pretensão punitiva ser maior do que a sanção cominada à infração, o que, aliás, é comum ver nos países do mundo, pois são institutos com absolutamente finalidades diversas.

Capítulo 3

Termo inicial da prescrição após a sentença condenatória irrecorrível

Art. 112. Depois de transitar em julgado a sentença condenatória, a prescrição começa a correr:

I – do dia em que transita em julgado, para todas as partes, a sentença condenatória ou a que revoga a suspensão condicional da pena ou o livramento condicional.

Na estranha redação atual do art. 112, I, do Código Penal, a prescrição da pretensão executória começa a correr do dia em que transitar em julgado a sentença condenatória, para a acusação. A fórmula brasileira, mais uma vez, discrepa do que ocorre no mundo, que prevê a prescrição da execução da pena após o trânsito em julgado para todas as partes.

Não faz sentido pensar em pretensão executória se o Ministério Público, muitas vezes, nem poderá executar a pena pois o réu pode ter recorrido da sentença condenatória. O STF, no julgamento do Habeas Corpus n. 84078/MG, em 5 de fevereiro de 2009, [simple_tooltip content=’STF. Dje-035 DIVULG 25-02-2010 PUBLIC 26-02-2010 EMENT VOL-02391-05 PP-01048′]decidiu que a execução da pena só pode ocorrer após o trânsito em julgado definitivo[/simple_tooltip]. O Brasil, assim, mantém a excrecência: prescrição da pretensão executória sem possibilidade de execução.

A intenção, então, da modificação que se propõe é deixar claro que a prescrição da pretensão executória começa a correr com o trânsito em julgado, para todas as partes (sentencia que quedó notificada y firme), não somente para a acusação.

Os argumentos contra a mudança, apresentados por RENÉ ARIEL DOTTI, são tão retóricos e abertos que perdem a essência de uma crítica jurídica séria: “Sem qualquer razão a pretendida mudança. Como é elementar, o controle do curso do tempo e as intervenções para suspensão ou interrupção dos prazos prescricionais, constituem deveres intransferíveis do Estado que exerce o monopólio do ius puniendi. O réu não pode ser chamado a esse litisconsórcio negativo simplesmente porque o seu interesse é oposto”.

Ora, ao réu é dado o direito de recorrer, de forma autônoma e independente, e isso já é suficiente para não se formar a tal pseudoqualificação de “litisconsórcio negativo”. A questão aqui é de técnica-processual: não há que se falar em pretensão executória sem o trânsito em julgado definitivo. A título meramente exemplificativo, cita-se o  Código Penal do Peru, que, em seu art. 86, dispõe: “El plazo se contará desde el día en que la sentencia condenatoria quedó firme”. Igualmente, o Código Penal da Costa Rica, em seu art. 86, dispõe: “La prescripción de la pena comienza a correr desde el día en que la sentencia quede firme”. E, nessa linha, vão todos os demais países do globo terrestre, menos o Brasil.

Capítulo 4

Causas impeditivas da prescrição

10 Medidas de Combate à Corrupção

Art. 116. Antes de passar em julgado a sentença final, a prescrição não corre:

[…]

II – enquanto o agente cumpre pena no estrangeiro;

III – desde a interposição dos recursos especial e/ou extraordinário, até a conclusão do julgamento.

 Parágrafo único. Depois de passada em julgado a sentença condenatória, a prescrição não corre durante o tempo em que o condenado está preso por outro motivo, foragido ou evadido.

A 6ª Medida apresentada pelo MPF acrescenta uma causa impeditiva da prescrição ao art. 116, com o objetivo evitar que a interposição de recursos extraordinários em sentido amplo (recursos especial e extraordinário em sentido estrito), que não possibilitam mais a ampla discussão da matéria fática, e contra título judicial já maduro, acabem ensejando a prescrição pelo decurso do tempo, sem que haja inércia da parte.

A proposta alinha a redação do Código Penal com o que está previsto no Projeto de Lei nº 8.045/2010, que reforma o Código de Processo Penal. De fato, o § 3º do art. 505 do CPP em trâmite determina a suspensão do prazo prescricional desde a interposição de tais recursos até o trânsito em julgado.

Mais uma vez, a matéria não é estranha ao ordenamento jurídico estranheiro. A título de exemplo, cita-se o art. 189 do Código Penal colombiano no qual a mera prolação da [simple_tooltip content=’“Proferida la sentencia de segunda instancia se suspenderá el término de prescripción, el cual comenzará a correr de nuevo sin que pueda ser superior a cinco (5) años”’]decisão de segundo grau já suspende o prazo prescricional[/simple_tooltip]. A questão, sem dúvida, passa pela política criminal que o país deseja impor, não sofrendo qualquer restrição na Constituição Federal de 1988.

O art. 8º, 1, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) prevê que “Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela”. Parece claro que o fato de haver interrupção de prescrição a partir da interposição de recursos extraordinários não viola em nada tal dispositivo, em especial porque o Duplo Grau de Jurisdição, em recurso ordinário, com ampla reanálise de prova, já foi assegurado. Pelos mesmos motivos, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, em seu art. 14, resta preservado.

O Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa do Senado, em críticas negativas à proposta, declarou que [simple_tooltip content=’FERNANDES OLIVEIRA, Juliana Magalhães; AZAMBUJA, Ernesto Freitas; LIMA, Frederico Retes; CAVALCANTI FILHO, João Trindade; MENEGUIN, Fernando B. Como combater a corrupção? Uma avaliação de impacto legislativo de propostas em discussão no Congresso Nacional. Textos para Discussão 179. Julho de 2015.’]“Embora se reconheça a grande demora das cortes superiores em proferir julgamento, muitas vezes apenas para reconhecer que o recurso interposto não era cabível, entendemos que a sugestão não segue as linhas mestras da nossa Constituição. A alteração premia a inércia e a inabilidade do Estado-Juiz em julgar os processos em tempo razoável, ao tempo em que o pune o réu no uso do direito de recorrer”[/simple_tooltip].

Na mesma linha, RENÉ ARIEL DOTTI afirma: “Essa proposta já consta do Projeto de Lei 156, de 2009, art. 505, § 3.º, aprovado pelo Senado Federal (2010) e que encontra-se na Câmara dos Deputados (PL 8.045/2010). Mas não deve prosperar porque afronta o princípio da amplitude da defesa, nela compreendido o emprego de meios ‘e recursos a ela inerentes’ (CF, art. 5.º, LV). É elementar que o direito aos recursos legalmente cabíveis – garantia fundamental vinculada à presunção da inocência – não pode sofrer o obstáculo à fluência do prazo prescricional em função de seu próprio exercício”.

Da leitura da Constituição Federal de 1988 e de todos os Tratados Internacionais de Direitos Humanos não se deflui, em qualquer dispositivo, que a previsão de determinados efeitos a recursos extraordinários seja inconstitucional. No caso em exame, o réu poderá interpor, sem qualquer óbice, os recursos especial e extraordinário. Dizer que a paralisação do fluxo prescricional, nesse caso, viola um direito do réu é, em outras palavras, sustentar que a propositura de recursos especial e extraordinários tem por finalidade tentar ocasionar a prescrição estatal, e que isso é direito do réu. Com todas as vênias, o raciocínio resvala no absurdo.

O raciocínio é coerente e bem claro: o réu poderá continuar a exercer o seu direito de ingressar com os recursos extraordinários em sentido amplo, uma vez consolidado o seu título condenatório pelo Tribunal, mas o Estado pode e deve adotar meios legais e constitucionais para preservar o ius puniendi.

Quanto ao parágrafo único do art. 116, na nova redação que se apresenta, a prescrição não corre “Depois de passada em julgado a sentença condenatória, a prescrição não corre durante o tempo em que o condenado está preso por outro motivo, foragido ou evadido”. A novidade está na inclusão das expressões “foragido ou evadido”.

O § 78c (1) Nr. 10 do Código Penal Alemão (Strafgesetzbuch – StGB) prevê que a prescrição será interrompida [simple_tooltip content=’Tradução livre de StGB, § 78c Unterbrechung (Interrupção) (1) Die Verjährung wird unterbrochen durch (A prescrição se interrompe com): (…) 10. die vorläufige gerichtliche Einstellung des Verfahrens wegen Abwesenheit des Angeschuldigten sowie jede Anordnung des Richters oder Staatsanwalts, die nach einer solchen Einstellung des Verfahrens oder im Verfahren gegen Abwesende zur Ermittlung des Aufenthalts des Angeschuldigten oder zur Sicherung von Beweisen ergeht’]“com a suspensão judicial temporária do processo por motivo de ausência do réu, assim como qualquer ordem do juiz ou do promotor de justiça para tal suspensão, ou que ordene a suspensão durante o processo contra ausente para a averiguação do lugar em que o réu se encontra ou para assegurar a integridade de provas”[/simple_tooltip].

Esse dispositivo é o usado para interromper o prazo prescricional no caso em que o [simple_tooltip content=’O § 78c (3) do StGB fixa um limite para as interrupções. Em tradução livre: “Com cada interrupção, a prescrição reinicia-se. Porém, a persecução penal prescreve, no mais tardar, quando, a partir do momento definido no §78a, o dobro do prazo prescricional legal tiver passado…”. A duplicação do prazo prescricional é aplicada na interpretação que se dá ao art. 366 do CPP brasileiro.’]réu esteja foragido[/simple_tooltip].

Em interpretação ao dispositivo acima, o Supremo Tribunal Federal da Alemanha (BGH – Bundesgerichtshof) já decidiu que a cada tentativa do Ministério Público em localizar o foragido, o prazo se interrompe novamente. Isso tudo reforça a ideia de que o instituto da prescrição está, necessariamente, relacionado à inércia estatal.

Nos EUA, o 18 U.S. Code § 3290 prevê: [simple_tooltip content=’https://www.law.cornell.edu/uscode/text/18/3290′]“No statute of limitations shall extend to any person fleeing from justice”[/simple_tooltip]. A legislação americana deixa claro, assim, que o denominado “Estatuto das limitações” (que se refere ao limite de tempo em que as acusações criminais devem ser feitas após o cometimento do crime) não se aplica para pessoas foragidas da justiça.

O Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa do Senado, em críticas negativas à proposta, afirma: [simple_tooltip content=’FERNANDES OLIVEIRA, Juliana Magalhães; AZAMBUJA, Ernesto Freitas; LIMA, Frederico Retes; CAVALCANTI FILHO, João Trindade; MENEGUIN, Fernando B. Como combater a corrupção? Uma avaliação de impacto legislativo de propostas em discussão no Congresso Nacional. Textos para Discussão 179. Julho de 2015.’]“Nos casos de evasão e fuga, deve o Estado cumprir seu dever de recuperar prontamente o réu preso, utilizando-se para isso dos instrumentos de segurança pública. A regra, em nossa avaliação, é igualmente complacente com a inabilidade do Estado em fazer cumprir a sentença penal. Trata-se da criação de um prêmio para um mau serviço prestado”[/simple_tooltip] (destacou-se).

Com todas as vênias, esse pensamento subverte completamente a coerência do sistema de justiça criminal, beneficiando a vulgarmente denominada “malandragem”. É muito simples colocar sempre a culpa dos problemas “no mau serviço prestado” pelo Estado, criando-se uma impressão quiçá “diabólica” de que se o Estado sempre exercer suas atividades com primor e qualidade, os problemas não existiriam. Desculpem, mas esse raciocínio, a partir de um determinado patamar de irrealidade, é falacioso. É o caso.

No caso de fuga ou evasão, parece bem claro que, mesmo que o Estado implemente todos os esforços necessários para recuperar o réu, isso pode não ocorrer. Temos dezenas de exemplos, inclusive envolvendo grandes potências mundiais, de que, às vezes, não é tão simples recuperar um criminoso. Então, a conclusão da Consultoria Legislativa do Senado, data venia, parece fora da realidade.

No mais, não parece nem um pouco crível que países como a Alemanha e os EUA, bem como diversos outros, possuam um “sistema de captura fracassado” e estejam se utilizando de instrumentos estatais como “prêmio pelo mau serviço prestado”. Parece mais razoável, sim, pensar que tais países compreenderam que cabe ao Estado desincentivar a fuga, não deixar que o criminoso tenha benefícios pela sua própria torpeza, sendo que a proposta de paralisar o fluxo prescricional parece se [simple_tooltip content=’Sem contar que, em alguns ordenamentos, fugir constitui crime’]adequar aos mecanismos internacionais[/simple_tooltip].

Capítulo 5

Causas interruptivas da prescrição

Art. 117. O curso da prescrição interrompe-se:

I – pelo oferecimento da denúncia ou da queixa;

[…]

IV – pela sentença ou acórdão condenatórios recorríveis ou por qualquer decisão monocrática ou acórdão que julgar recurso interposto pela parte;

[…]

VII – pelo oferecimento de agravo pedindo prioridade no julgamento do feito, pela parte autora, contra a demora do julgamento de recursos quando o caso chegou à instância recursal há mais de 540 dias, podendo o agravo ser renovado após decorrido igual período.”

Segundo a nova redação que se propõe ao inciso I, do art. 117, do Código Penal, o curso da prescrição interrompe-se “pelo oferecimento da denúncia ou queixa”, não mais pela recebimento. A prescrição é um instituto que visa a aferir a inércia do aparato estatal. Parece claro, assim, que no momento em que a peça acusatória é oferecida, independentemente do recebimento ou não pelo Poder Judiciário, não há que se falar mais em “inércia estatal”.

Mais uma vez, RENÉ ARIEL DOTTI discorda de forma retórica e afirma, [simple_tooltip content=’IBCCrim. ANO 23 – Nº 277 – dezembro /2015 – ISSN 1676-3661′]“Entre as novas causas propostas para interromper a prescrição consta a substituição da decisão do juiz pelo simples oferecimento da denúncia ou queixa (CP, art. 117, I). Nada mais excêntrico. O Ministério Público é parte na relação processual competindo-lhe, privativamente, a promoção da ação penal pública (CF, art. 129, I). Não lhe é conferido o poder de controle jurisdicional sobre a aptidão ou inépcia da inicial acusatória que é ínsito ao magistrado quando recebe ou rejeita a petição. Trata-se de manifestação personalíssima e sujeita ao requisito constitucional da fundamentação, sob pena de nulidade (CF, art. 93, IX). A mesma objeção vale para o PL do Senado 658/2015”[/simple_tooltip].

Excêntrico só se for para os juristas da “Terra Brasilis”. Em uma rápida pesquisa de direito comparado, encontramos interrupções no prazo prescricional por simples atuações do Ministério Público. No caso do direito brasileiro, é bom lembrar, a modificação que se propõe está ainda aquém do que ocorre nos demais países, propondo-se apenas a revogação de uma distorção pois nada se justifica que a prescrição só seja interrompida com o recebimento da denúncia, não com a atuação do Ministério Público (que já demonstra que o órgão estatal de acusação não está inerte). Vejamos o quão excêntrica é a previsão e a prescrição ser interrompida por atos do Ministério Público em geral:

O art. 7º do Código de Processo Penal Francês dispõe que a prescrição será interrompida [simple_tooltip content=’ “Le Code de procédure pénale prévoit deux causes d’interruption qui valent quelle que soit l’infraction: les actes de poursuite et les actes d’instruction. La jurisprudence est venue préciser les contours de ces notions en s’attachant à l’esprit de l’interruption plus qu’à la lettre du Code. Entrent ainsi dans la catégorie des actes de poursuite l’ensemble des actes réguliers par lesquels le ministère public et la partie lésée déclenchent l’action publique (citations à comparaître, réquisitoires introductifs, supplétifs ou définitifs, plaintes avec constituion de partie civile etc.) (…) Quant aux actes d’instructions, ils sont admis avec la même largesse: il s’agit certes de ceux qu’accomplissent les juridictions d’instruction compétentes (interrogatoire, transport sur les lieux, commission rogatoire, perquisition, saisie, avis de fin d’instruction, etc.), mais aussi des actes d’enquête réalisés par la police judiciaire em préliminaire ou em flagrance (procès-verbal constatant une infraction, audition de témoin, visite domiciliarie etc.) et par les agents spécialisés (procès-verbaux dressés par les inspecteurs du travail….)” – MATHIAS, Éric. Procédure pénale. Rosny-sous-Bois: Bréal, 2007, pp. 82-83.’]por cada ato de instrução ou investigação[/simple_tooltip]: [simple_tooltip content=’Tradução livre: “Artigo 7. Em matéria criminal e com reserva das disposições do artigo 213-5 do código penal, a ação pública prescreve em dez anos contados do dia em que cometido o crime se, neste intervalo, não tiver havido nenhum ato de instrução ou de investigação.”’]“En matière de crime et sous réserve des dispositions de l’article 213-5 du code pénal, l’action publique se prescrit par dix années révolues à compter du jour où le crime a été commis si, dans cet intervalle, il n’a été fait aucun acte d’instruction ou de poursuite”[/simple_tooltip].

A doutrina interpreta como “acte d’instruction ou de poursuite” eventuais interrogatórios, apreensões, relatório de constatação de infração, oitiva de testemunhas, visita domiciliar etc, bem como outros atos do processo criminal:

[simple_tooltip content=’MATHIAS, Éric: Procédure pénale. Rosny-sous-Bois: Bréal, 2007, pp. 82-83. Tradução livre: “O código de processo penal prevê duas causas de interrupção que valem para qualquer infração: os atos de investigação e os atos de instrução. A jurisprudência vem delinear os contornos destas noções associando-se ao espírito da interrupção mais que à letra do código. Entram assim na categoria de atos de investigação o conjunto de atos regulares pelos quais o ministério público e a parte lesada desencadeiam a ação pública (citações para comparecimentos, acusações introdutórias/iniciais, supletivas/complementares ou definitivas, representação da parte ofendida etc.) (…) Quanto aos atos de instrução, são admitidos com a mesma amplitude: são aqueles adotados pela jurisdição de instrução competente (interrogatório, mobilização, carta rogatória, buscas, apreensões, pareceres finais), mas também pelos atos de pesquisa/investigação realizados pela polícia judiciária preliminarmente ou no flagrante (registro verbal de constatação de infração, oitiva de testemunhas, visitas domiciliares etc.) e por agentes especializados (registros feitos por inspetores de trabalho…)”.’]“Le Code de procédure pénale prévoit deux causes d’interruption qui  valent quelle que soit l’infraction: les actes de poursuite et les  actes d’instruction. La jurisprudence est venue préciser les  contours de ces notions en s’attachant à l’esprit de l’interruption  plus qu’à la lettre du Code. Entrent ainsi dans la catégorie des  actes de poursuite l’ensemble des actes réguliers par lesquels le  ministère public et la partie lésée déclenchent l’action publique  (citations à comparaître, réquisitoires introductifs, supplétifs  ou définitifs, plaintes avec constituion de partie civile etc.) (…)  Quant aux actes d’instructions, ils sont admis avec la même  largesse: il s’agit certes de ceux qu’accomplissent les juridictions  d’instruction compétentes (interrogatoire, transport sur les lieux,  commission rogatoire, perquisition, saisie, avis de fin  d’instruction, etc.), mais aussi des actes d’enquête réalisés par  la police judiciaire em préliminaire ou em flagrance (procès-verbal  constatant une infraction, audition de témoin, visite domiciliarie  etc.) et par les agents spécialisés (procès-verbaux dressés par les inspecteurs du travail….)”[/simple_tooltip].

O § 78c (1) do Código Penal Alemão (Strafgesetzbuch – StGB) prevê que a prescrição será interrompida com o primeiro interrogatório do acusado, a formalização de que a investigação tenha sido iniciada (pela polícia ou pelo Ministério Público), dentre outros fatores, inclusive como o [simple_tooltip content=’“StGB, § 78c Unterbrechung (Interrupção) (1) Die Verjährung wird unterbrochen durch (A prescrição se interrompe com): die erste Vernehmung des Beschuldigten, die Bekanntgabe, daß gegen ihn das Ermittlungsverfahren eingeleitet ist, oder die Anordnung dieser Vernehmung oder Bekanntgabe (o primeiro interrogatório do acusado, com a comunicação de que contra ele foi instaurada investigação, ou com o mandado de interrogatório ou a sua comunicação), 1 – jede richterliche Vernehmung des Beschuldigten oder deren Anordnung (qualquer interrogatório do réu realizado pelo juiz ou com o mandado do mesmo), (…) 2 – jede richterliche Beschlagnahme- oder Durchsuchungsanordnung und richterliche Entscheidungen, welche diese aufrechterhalten (qualquer mandado de apreensão ou de busca, e decisão do juiz que mantenha o mesmo), 3 – den Haftbefehl, den Unterbringungsbefehl, den Vorführungsbefehl und richterliche Entscheidungen, welche diese aufrechterhalten (o mandado de prisão, de internação, de comparecimento forçado, e decisão do juiz que mantenha o mesmo), 4 – die Erhebung der öffentlichen Klage (instauração da ação penal), 5 – die Eröffnung des Hauptverfahrens (abertura do processo principal), 6 – jede Anberaumung einer Hauptverhandlung (qualquer realização de uma audiência principal), 7 – den Strafbefehl oder eine andere dem Urteil entsprechende Entscheidung (o mandado de prisão ou outra decisão em decorrência da sentença), (…) http://www.gesetze-im-internet.de/stgb/__78c.html’]deferimento de medidas judiciais contrárias ao interesse do sujeito passivo, como buscas e apreensões, mandado de detenção etc[/simple_tooltip].

Indo para o lado dos países componentes da Rede Iberoamericana de Cooperação Jurídica Interncional, o art. 110 do Código Penal Federal do México prevê: [simple_tooltip content=’http://www.diputados.gob.mx/LeyesBiblio/pdf/9_120315.pdf’]“La prescripción de las acciones se interrumpirá por las actuaciones que se practiquen en averiguación del delito y de los delincuentes, aunque por ignorarse quiénes sean éstos no se practiquen las diligencias contra persona determinada”[/simple_tooltip].

O art. 83 do Código Penal do Peru: “La prescripción de la acción se interrumpe por las actuaciones del Ministerio Público o de las autoridades judiciales, quedando sin efecto el tiempo transcurrido”.  O Código de Processo Penal do mesmo país, no art. 339, 1, é expresso em dizer que “La formalización de la investigación suspenderá el curso de la prescripción de la acción penal”.

O art. 104 do Código Penal do Paraguai prevê atos do Ministério Público e do Poder Judiciário que interrompem a prescrição, inclusive quando expedidos [simple_tooltip content=’“Artículo 104.- 1º La prescripción será interrumpida por:  1. un auto de instrucción sumarial;  2. una citación para indagatoria del inculpado;  3. un auto de declaración de rebeldía y contumacia;  4. un auto de prisión preventiva;  5. un auto de elevación de la causa al estado plenario;  6. un escrito de fiscal peticionando la investigación; 7. una diligencia judicial para actos de investigación en el extranjero.”’]contra os interesses do sujeito passivo[/simple_tooltip].. O art. 132, 2, 2ª, do Código Penal da Espanha também não nega efeitos ao ato de [simple_tooltip content=’“2ª No obstante lo anterior, la presentación de querella o la denuncia formulada ante un órgano judicial, em la que se atribuya a una persona determinada su presunta participación en un hecho que pueda ser constitutivo de delito o falta, suspenderá el cómputo de la prescripción por un plazo máximo de seis meses para el caso de delito y de dos meses para el caso de falta, a contar desde la misma fecha de presentación de la querella o de formulación de la denuncia” – https://www.iberred.org/sites/default/files/codigo-penal-en-vigor.pdf.‘]formulação de uma denúncia perante o órgão jurisdicional[/simple_tooltip].

A prescrição é um instituto que visa a aferir a inércia do aparato estatal, dentro do qual se encontra o Ministério Público, não tendo vinculação necessária com os dos atos do Poder Judiciário. Tanto isso é verdade que corre a chamada prescrição em abstrato na fase de investigação, em que nem sempre há atuação jurisdicional.

Da análise das legislações de outros países, nota-se que apesar de em algumas os prazos prescricionais não serem tão alargados, os atos e ações do Ministério Público e do Judiciário [simple_tooltip content=’Em algumas legislações, mesmo que haja sucessivas interrupções, é previsto um prazo máximo de prescrição. É o caso do Código Penal do Paraguai que, em seu art. 104, prevê diversas hipóteses de interrupção da prescrição e, ao final, dispõe: “Sin embargo, operará la prescripción, independientemente de las interrupciones, una vez transcurrido el doble del plazo de la prescripción”.’]interrompem mais vezes o prazo prescricional[/simple_tooltip]. Aliás, esta é a real essência da prescrição: se o Ministério Público e o Judiciário atuam, dentro de um prazo razoável, sem que o réu aja para atrasar a macha processual, não há porque se falar em inércia.

A modificação no inciso IV do artigo 117 impõe a interrupção da prescrição quando de qualquer decisão expedida durante a vigência do processo, alinhando-se quase integralmente, aliás, com o texto do Projeto de Lei nº 236/2012, que propõe um novo Código Penal. Conforme bem destacado pelo Relatório Final do Projeto de Lei do Senado n. 236, de 2012 (Novo Código Penal), [simple_tooltip content=’Disponível em: <http://www.senado.leg.br/atividade/rotinas/materia/getPDF.asp?t=143412&tp=1>. Acesso em 19 de dezembro de 2015.’]“A proposta de alteração deixa expresso que qualquer decisão de tribunal, condenatória ou confirmatória da sentença, é hipótese de nova interrupção da prescrição. E não haveria sentido ser de forma diversa, na medida em que o Estado, dentro dos prazos estipulados em lei, de forma igualitária para todos, analisando os recursos interpostos no caso concreto, manifestou-se novamente sobre a pretensão apresentada pelas partes em tempo hábil. É dizer: houve prestação jurisdicional a tempo e, por isso, nova interrupção da prescrição”[/simple_tooltip] (destacou-se).

A proposta indica, ainda, a necessidade de se interromper a prescrição “por qualquer decisão monocrática ou acórdão que julgar recurso interposto pela parte”. Em relação a essa parte específica, o Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa do Senado afirma: “não há sentido na interrupção da prescrição pelo proferimento de ‘qualquer decisão monocrática’, como proposto pelo MP. Essa decisão não possui a mesma qualificação de mérito das hipóteses narradas acima; e sequer exige a análise da demanda principal da ação penal, como é o caso da decisão sobre pedido feito por terceiro acerca de restituição de coisas apreendidas. Assim sendo, julgamos de constitucionalidade questionável a parte final do inciso citado”.

A crítica não procede e interpreta de forma equivocada a modificação proposta pelo MP. O instituto da prescrição é relacionado ao ius puniendi e assim é evidente que uma decisão monocrática em autos de restituição de coisas apreendidas não terá o efeito de interrupção no prazo. O caso, então, limita-se às decisões monocrática ou acórdão que julgar recurso interposto na causa principal.

No mais, o que significa que uma proposta é “constitucionalidade questionável”? É um meio termo entre constitucional e inconstitucional? A expressão não parece técnica. Acusar uma norma de inconstitucional não pode ser sinônimo de uma simples falta de simpatia por ela. É essencial indicar qual dispositivo da Constituição está sendo violado, o que em nenhum momento foi feito. Questões de política criminal possibilitam que o legislador infraconstitucional preveja mais prazos de interrupção da prescrição, sem que isso viole qualquer artigo da Constituição Federal. Aliás, todo o estudo comparativo que se propôs neste artigo já deixou evidente que o Brasil está muito aquém na previsão de interrupções de prazos prescricionais se comparado a países muito mais evoluídos na sistemática criminal.

Continuando, a alteração que se propõe no inciso VII, do art. 117, conforme bem exposto na exposição de motivos do anteprojeto apresentado à [simple_tooltip content=’http://www.combateacorrupcao.mpf.mp.br/10-medidas/docs/medidas-anticorrupcao_versao-2015-06-25.pdf’]sociedade civil e jurídica[/simple_tooltip], tem por propósito harmonizar o tratamento da prescrição com a necessidade de inércia da parte para sua incidência. O instituto da prescrição objetiva conferir segurança jurídica ao réu quando o autor não adota as providências que lhe são cabíveis (dormientibus non sucurrit jus). Sancionar o autor com a extinção de seu direito quando age de modo diligente, como ocorre hoje, é um contrassenso.

As críticas negativas trazidas pela Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa do Senado a essa específica mudança são: “Não nos parece que este deva ser o caminho para o combate da impunidade. Se existem muitos recursos protelatórios, a resposta a ser dada é a modificação da estrutura do processo penal, ou mesmo a punição da procrastinação de má-fé. Se o Poder Judiciário demora a julgar, é evidente a necessidade de mudança na gestão dos tribunais”.

Mais uma vez, não parece técnico colocar a culpa nos atrasos dos Tribunais como justificativa exclusiva para não se empreender mudanças na legislação. Aliás, é justamente o contrário. A Lei serve para modular condutas de acordo com a realidade. Precisamos ver se o sistema funciona. Mesmo que tenhamos uma justiça dentro de metas fixadas, nada obsta que a legislação fixe um patamar temporal para se evitar impunidades. Vejamos:

Entre os dias 10 e 11 de novembro, durante o VIII Encontro Nacional do Poder Judiciário, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foram aprovadas as Metas Específicas de celeridade para o Judiciário brasileiro alcançar em 2015. Para os Tribunais Regionais Federais foi previsto: [simple_tooltip content=’http://www.cnj.jus.br/images/gestao-planejamento-cnj/2015/Metas_Espec%C3%ADficas_aprovadas_no_VIII_Encontro_v1.pdf’]“Reduzir o tempo médio de duração do processo, em relação ao ano base 2014: I) na fase de conhecimento, para o 1º grau dos TRTs que contabilizaram o prazo médio acima de 200 dias, em 1%;  para o 2º grau dos TRTs que contabilizaram o prazo médio de 201 a 300 dias, em 1%; e para o 2º grau dos TRTs que contabilizaram o prazo médio acima de 300 dias, em 3%”[/simple_tooltip].

Nota-se, assim, que a mudança que se propõe, de interrupção da prescrição “quando o caso chegou à instância recursal há mais de 540 dias”, é muito além das metas de eficiência previstas pelo próprio CNJ, a se evidenciar que a problemática não é somente de “falta de gestão”, mas de política criminal: dar eficiência, respeitados os direitos individuais.

Capítulo 6

Crime praticado por particular contra a administração pública estrangeira

Art. 2º O art. 337-B do Código Penal passa a vigorar com o acréscimo do § 2º a seguir:

Art. 337-B. […]

§ 2º O prazo prescricional do crime previsto neste dispositivo computar-se-á em dobro.”

O art. 337-B do Código Penal está dentro do Capítulo dos Crimes Praticados contra a Administração Pública Estrangeira. Segundo o referido dispositivo:

Art. 337-B. Prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a funcionário público estrangeiro, ou a terceira pessoa, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício relacionado à transação comercial internacional:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa.

Parágrafo único. A pena é aumentada de 1/3 (um terço), se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário público estrangeiro retarda ou omite o ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional.

De acordo com a exposição de motivos do anteprojeto sugerido pelo MPF, [simple_tooltip content=’http://www.combateacorrupcao.mpf.mp.br/10-medidas/docs/medidas-anticorrupcao_versao-2015-06-25.pdf’]“o acréscimo do § 2º ao artigo 337-B do Código Penal vem a atender o disposto no artigo 6 da Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, promulgada pelo Decreto nº 3.678/2000, que reza: ‘Artigo 6 – Regime de Prescrição – Qualquer regime de prescrição aplicável ao delito de corrupção de um funcionário público estrangeiro deverá permitir um período de tempo adequado para a investigação e abertura de processo sobre o delito.’”[/simple_tooltip]

A proposta, assim, ao duplicar o prazo prescricional, considera as dificuldades e trâmites para a investigação e abertura de processo nesses casos. Além disso, é importante frisar que, em [simple_tooltip content=’Alguns exemplos: Artigo 80 do Código Penal do Peru: “En casos de delitos cometidos por funcionarios y servidores públicos contra el patrimonio del Estado o de organismos sostenidos por éste, el plazo de prescripción se duplica”. Artigo 83 do Código Penal da Colômbia: “Al servidor público que en ejercicio de sus funciones, de su cargo o con ocasión de ellos realice una conducta punible o participe en ella, el término de prescripción se aumentará en una tercera parte. También se aumentará el término de prescripción, en la mitad, cuando la conducta  punible se hubiere iniciado o consumado en el exterior”. Artigo 67 do Código Penal Argentino: “La prescripción también se suspende en los casos de delitos cometidos en el ejercicio de la función pública, para todos los que hubiesen participado, mientras cualquiera de ellos se encuentre desempeñando un cargo público”. Disposição mais rigorosa também é o art. 107 do Código Penal do Equador.’]legislações estranheiras[/simple_tooltip], o simples fato do crime ser cometido por funcionários público já enseja aumento no prazo prescricional, para mais.

Capítulo 7

Combate à corrupção e à impunidade

Conclusão

Conforme bem destacou Juarez Cirino dos Santos e June Cirino dos Santos, [simple_tooltip content=’As palavras transcritas foram também postas no IBCCrim. ANO 23 – Nº 277 – dezembro /2015 – ISSN 1676-3661, com a intenção de criticar negativamente as 10 Medidas contra a Corrução apresentadas pelo MPF, mas, ao revés, ajudaram pois reconheceram que o Brasil não é uma ilha isolada no tema de prescrição penal, devendo sempre evoluir, em especial diante dos patamares abissais de impunidade no país.’]“ajustes na prescrição penal contra a impunidade e a corrupção – como se a prescrição penal não fosse conquista universal de pacificação social pelo decurso do tempo”[/simple_tooltip]. Ora, justamente por a prescrição ser “conquista universal”; por o Brasil não ser uma ilha isolada de juristas, é obrigação e exercício de humildade sempre observarmos como o instituto é tratado no “universo”, incluídos aqui, creio, os demais países do mundo.

Diante de equívocos graves no sistema processual criminal, seja pelo excesso de recursos, seja por uma concepção equivocada do instituto da prescrição, não parece correto dizer simplesmente que [simple_tooltip content=’Palavras ditas no Boletim do IBCCrim. ANO 23 – Nº 277 – dezembro /2015 – ISSN 1676-3661, por Jacinto Nelson de Miranda Coutinho.’]“a responsabilidade pela condução dos processos é dos juízes”[/simple_tooltip]. Se por um lado devamos sempre apoiar uma melhor estruturação do Poder Judiciário, para termos julgamentos cada vez mais céleres, por outro, parece claro na visão do MPF que o sistema em si está doente.

Os refratários a mudanças estruturais batem na mesma tecla: “a causa determinante da prescrição é o imobilismo do Estado e não a atuação da defesa na interposição dos recursos cabíveis, cuja demora para julgá-los não pode ser atribuída ao cidadão, mas deve ser debitada ao Judiciário”, chegando a dizer que as 10 Medidas visam a [simple_tooltip content=’Palavras ditas por  Boletim do IBCCrim. ANO 23 – Nº 277 – dezembro /2015 – ISSN 1676-3661, por RENÉ ARIEL DOTTI’]“mutilar o instituto da prescrição”[/simple_tooltip].

A linha base dos argumentos acima é singela e trabalha com uma notória concepção popular: se o Judiciário quiser ele pode fazer tramitar de forma célere os processos; logo, o problema não é na prescrição. Entretanto, a fragilidade salta aos olhos. Primeiro: não temos uma investigação e sistema de justiça criminal mais eficientes do que os demais países no mundo e, mesmo assim, tais países não tiveram a “brilhante” ideia de prever, por exemplo, institutos esdrúxulos como o da prescrição retroativa ou que a prescrição executória começa a correr a partir do trânsito em julgado para a acusação (e não de todas as partes). Ou somos os “donos da verdade” ou estamos indo na contramão da evolução criminal. Em quê vocês, leitores, apostariam? Segundo: devemos ficar atentos a uma específica impunidade, que é a presente nos processos de colarinho branco, onde bancas de advogados se utilizam de institutos mal previstos em lei (e que devem ser extirpados) para procrastinar os feitos até a prescrição. É disto que se fala.

O instituto da prescrição, no Brasil, precisa de urgentes melhoramentos. Definitivamente, a prescrição penal não é um meio de isentar o réu ou investigado de um processo ou procedimento contra ele, a qualquer custo. É, em essência, um meio de proteção contra a inércia estatal. Contudo, se o Estado não está inerte, seja denunciando, seja investigando, seja decidindo, mesmo monocraticamente, não há o porquê de se falar em prescrição.

Se por um lado, devemos lutar por uma justiça mais célere, temos também empecilhos na nossa legislação que impedem isso. Nessa linha, tem-se a convicção que as propostas apresentadas pelo Ministério Público Federal são as que atendem melhor o combate à corrupção e à impunidade.