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Pelo MP: Confisco Alargado

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Capítulo 1

Introdução

A proposta legislativa do Ministério Público Federal para o combate à corrupção prevê a ampliação do confisco atualmente vigente no ordenamento brasileiro. A modificação levanta a discussão a respeito do conceito e prevalência de determinados princípios constitucionais, o que foi analisado em ao menos dois trabalhos doutrinários.

O primeiro deles, elaborado pelo [simple_tooltip content=’OLIVEIRA, Juliana Magalhães Fernandes et al. Como Combater a Corrupção? Uma avaliação de impacto legislativo de propostas em discussão no Congresso Nacional. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/Senado, jul. 2015, Texto para Discussão nº 179). Disponível em: <www.senado.leg.br/estudos>. Acesso em: 23/12/2015.’]Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa[/simple_tooltip], sustenta que o princípio da não culpabilidade (art. 5º, inciso LVII, Constituição Federal) e a presunção de inocência provocariam a inconstitucionalidade material da proposta. Além de tais argumentos, a recente alteração do artigo 243 da Constituição Federal teria reforçado a necessidade de emenda à Carta para a criação do novo instituto, e não mera legislação ordinária.

[simple_tooltip content=’SANTOS, Juarez Cirino dos. Reflexões sobre Confisco Alargado. Boletim do IBCCRIM, ano 23, n. 277, dez. 2015, p. 23-24′]O segundo deles impinge vício de inconstitucionalidade em razão de inversão do ônus da prova em desfavor da defesa, pois “a prova dos fatos imputados pertence à acusação, incumbindo à defesa apenas criar uma dúvida razoável, obrigando à decisão segundo o princípio da presunção de inocência, expresso na máxima in dubio pro reo”[/simple_tooltip].

O presente artigo visa apresentar argumentos críticos relacionados à proposta do Ministério Público. A exposição será dividida em quatro partes. Na primeira, o novo instituto, chamado de confisco alargado, será apresentado, cotejando seus elementos com as espécies de confisco hoje existentes. Após, será verificado se o confisco alargado atende aos requisitos de proporcionalidade, seguindo-se então a análise dos princípios supostamente violados. Por fim, o trabalho é finalizado com a conclusão do que foi apresentado.

Capítulo 2

Confisco. Panorama Atual e a Proposta de Alteração

Atualmente há duas espécies de confisco. A primeira, conceituada como clássica, é aquela que [simple_tooltip content=’Brasil. Código Penal. Art. 91, inciso II, alíneas a e b’]recai sobre os instrumentos ou proveito do crime[/simple_tooltip]. Exemplo simples de assimilar é aquela situação em que o réu utiliza arma, em relação a qual não possui o registro, para a prática de furto. Neste caso, a arma será confiscada e reverterá em proveito da União.

O proveito do crime é o resultado que o criminoso obteve com a ação delitiva, seja direta ou indiretamente, após sucessiva especificação. É o exemplo da corrupção em que o agente público que participou da ação terá a vantagem econômica revertida em favor do erário.

A segunda espécie de confisco foi criada pelo legislador ordinário em 2012 através da Lei nº 12.694 e é denominado de “confisco por equivalência” pois a perda de bens atingirá não o resultado do crime decorrente diretamente da atividade criminosa, mas bens que proporcionalmente apresentem o mesmo valor auferido pelo agente criminoso. Eis a redação do §1º, acrescentado ao artigo 91 do Código Penal:

§ 1º Poderá ser decretada a perda de bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados ou quando se localizarem no exterior.

A proposta do Ministério Público visa abarcar não somente o produto ou proveito diretamente relacionado ao crime – confisco clássico – ou apenas o patrimônio equivalente do réu – confisco por equivalência -, mas a diferença entre [simple_tooltip content=’Brasil. Ministério Público Federal. Dez Medidas contra a Corrupção Disponível em <www.combateacorrupcao.mpf.mp.br/10-medidas/docs/medidas-anticorrupcao_versao-2015-06-25.pdf>, p. 86. Acesso em 23/12/2015′]“o valor total do patrimônio do agente e o patrimônio cuja origem possa ser demonstrada por rendimentos lícitos ou por outras fontes legítimas”[/simple_tooltip]. O artigo 91-A seria incluído com a seguinte redação:

Art. 91-A. Em caso de condenação pelos crimes abaixo indicados, a sentença ensejará a perda, em favor da União, da diferença entre o valor total do patrimônio do agente e o patrimônio cuja origem possa ser demonstrada por rendimentos lícitos ou por outras fontes legítimas:

I – tráfico de drogas, nos termos dos arts. 33 a 37 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006;

II – comércio ilegal de arma de fogo e tráfico internacional de arma de fogo;

III – tráfico de influência;

IV – corrupção ativa e passiva;

V – previstos nos incisos I e II do art. 1º do Decreto-Lei nº 201, de 27 de fevereiro de 1967;

VI – peculato, em suas modalidades dolosas;

VII – inserção de dados falsos em sistema de informações;

VIII – concussão;

IX – excesso de exação qualificado pela apropriação;

X – facilitação de contrabando ou descaminho;

XI – enriquecimento ilícito;

XII – lavagem de dinheiro;

XIV – associação criminosa;

XV – estelionato em prejuízo do Erário ou de entes de previdência;

XVI – contrabando e descaminho, receptação, lenocínio e tráfico de pessoas para fim de prostituição, e moeda falsa, quando o crime for praticado de forma organizada.

§ 1º Para os efeitos deste artigo, entende-se por patrimônio do condenado o conjunto de bens, direitos e valores:

I – que, na data da instauração de procedimento de investigação criminal ou civil referente aos fatos que ensejaram a condenação, estejam sob o domínio do condenado, bem como os que, mesmo estando em nome de terceiros, pessoas físicas ou jurídicas, sejam controlados ou usufruídos pelo condenado com poderes similares ao domínio;

II – transferidos pelo condenado a terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, nos 5 (cinco) anos anteriores à data da instauração do procedimento de investigação;

III – recebidos pelo condenado nos 5 (cinco) anos anteriores à instauração do procedimento de investigação, ainda que não se consiga determinar seu destino.

§ 2º As medidas assecuratórias previstas na legislação processual e a alienação antecipada para preservação do valor poderão recair sobre bens, direitos ou valores que se destinem a garantir a perda a que se refere este artigo.

§ 3º Após o trânsito em julgado, o cumprimento do capítulo da sentença referente à perda de bens, direitos e valores com base neste artigo será processado no prazo de até dois anos, no juízo criminal que a proferiu, nos termos da legislação processual civil, mediante requerimento fundamentado do Ministério Público que demonstre que o condenado detém, nos termos do §1º, patrimônio de valor incompatível com seus rendimentos lícitos ou cuja fonte legítima não seja conhecida.

§ 4º O condenado terá a oportunidade de demonstrar a inexistência da incompatibilidade apontada pelo Ministério Público, ou que, embora ela exista, os ativos têm origem lícita.

§ 5º Serão excluídos da perda ou da constrição cautelar os bens, direitos e valores reivindicados por terceiros que comprovem sua propriedade e origem lícita.

A diferença quanto às duas espécies de confiscos existentes anteriormente é marcante. Em relação ao confisco clássico, a nova medida constritiva não possuirá relação com o produto auferido da atividade criminosa. Embora o confisco por equivalência e o confisco alargado tenham em comum a ausência de relação direta entre os bens confiscados e a conduta imputada no processo criminal, é fácil perceber que o primeiro tem por limite exatamente o resultado positivo alcançado com a atividade criminosa, restrição não existente no segundo.

O confisco alargado tem por premissas (i) a condenação da pessoa a um dos crimes elencados no artigo, (ii) a propriedade de patrimônio incompatível com a renda declarada e (iii) a presunção de que tais bens foram adquiridos como resultado da atividade criminosa em relação a qual foi condenado. Em sucinta explanação, a prática de um dos crimes definidos no § 1º permite a propositura de incidente demonstrando que o réu possui patrimônio incompatível com sua renda declarada e conhecida, inferindo-se a partir daí sua vinculação com a prática do crime imputado e o preenchimento do pressuposto de fato do confisco. Em seguida, o réu terá a oportunidade de demonstrar a origem lícita do bem, afastando a possibilidade de perda.

Nos estreitos limites da finalidade deste artigo, esta é a apresentação do novo instituto. Vejamos se ele é proporcional e se atende à Constituição Federal.

Capítulo 3

Da Proporcionalidade do Confisco Alargado

A discricionariedade legislativa em propor novos atos normativos primários é controlada através do [simple_tooltip content=’O artigo assume como pressuposto que os princípios da razoabilidade e proporcionalidade são termos intercambiáveis. BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 259.’]princípio da proporcionalidade[/simple_tooltip]. Reconhecido no ordenamento brasileiro a partir do conceito material do devido processo legal (art. 5º, inciso LIV, Constituição Federal), a proporcionalidade carrega valores atrelados à justiça, eticidade e boa-fé, impedindo que decisões legislativas arbitrárias e discriminatórias sejam lançadas no ordenamento, ainda que cumpram o requisito de regularidade formal.

A proporcionalidade é subdividida em três subprincípios: [simple_tooltip content=’Ibidem, p. 259′]adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito[/simple_tooltip]. Em relação ao primeiro, o motivo, o meio e o fim devem estar vinculados entre si. Nas palavras de Gilmar Mendes, exige-se que [simple_tooltip content=’MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 6 ed. rev. e atual.São Paulo: Saraiva, 2011, p. 257′]“as medidas interventivas se mostrem aptas a atingir os objetivos pretendidos”[/simple_tooltip]. A necessidade é a relação de suficiência da medida proposta com a causa para a intervenção estatal, aferindo-se se há meios menos gravosos para atingir o fim proposto. Por último, a proporcionalidade em sentido estrito é o equilíbrio entre o ônus imposto e o o fim atingido, representando [simple_tooltip content=’Ibidem, p. 258′]“o papel de um controle de sintonia fina (Stimmigkeitskontrolle), indicando a justeza da solução encontrada ou a necessidade de sua revisão”[/simple_tooltip].

O confisco alargado atende de modo satisfatório ao referido princípio. O motivo para a introdução de um novo confisco é a insuficiência das medidas clássicas do Direito Penal ao surgimento e incremento de crimes que afetam de modo contundente a ordem econômica. De modo amplo, o Direito Penal Econômico alcança as condutas delitivas praticadas por pessoa pertencente a camada elevada na sociedade, no exercício de seu trabalho e mediante violação de confiança, refletindo os efeitos do [simple_tooltip content=’CALLEGARI, André Luís. Direito Penal Econômico e Lavagem de Dinheiro: aspectos criminológicos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p.16′]ato na relação econômica travada entre os atores sociais[/simple_tooltip].

O estudo da delinquência econômica ganhou propulsão com Edwin H. Sutherland, que cunhou a expressão crimes de colarinho branco, referindo-se às condutas delitivas emergentes deste ramo do Direito Penal. Em comum aos crimes de colarinho branco está a ausência de equivalência do juízo de censura social em relação aos autores de tais condutas. Nas palavras de Artur Gueiros, [simple_tooltip content=’GUEIROS SOUZA, Artur de Brito. Da Criminologia à Política Criminal: Direito Penal Econômico e o Novo Direito Penal, p. 117. In: GUEIROS SOUZA, Artur de Brito (org.). Inovações no Direito Penal Econômico: contribuições criminológicas, político-criminais e dogmáticas. Brasília: Escola Superior do Ministério Público da União, 2011′]“o original criminoso do colarinho-branco não se considera criminoso. Igualmente, doutrinadores, cientistas e mesmos práticos da justiça criminal têm dificuldade em identificar suas ações como efetivamente merecedoras de reprovação penal”[/simple_tooltip].

A ausência de reconhecimento da relevância penal por atos cometidos por integrantes do estrato social superior reflete a insuficiência da repressão penal. [simple_tooltip content=’FISCHER, Douglas. O Custo Social da Criminalidade Econômica, p. 17. In: GUEIROS SOUZA, Artur de Brito (org.). Inovações no Direito Penal Econômico: contribuições criminológicas, político-criminais e dogmáticas. Brasília: Escola Superior do Ministério Público da União, 2011′]Enquanto estudos sugerem que anualmente a sonegação fiscal omite 1,112 trilhão de reais[/simple_tooltip] e a corrupção desvia 200 bilhões no país, nota-se a amarga ineficiência do sistema repressivo penal. O país sustenta a 69ª posição no ranking da [simple_tooltip content=’Transparência Internacional. Relatório da Transparência Internacional, dados de 2014. Disponível em<http://www.transparency.org/cpi2014/results>. Acesso em 31/12/2015′]Transparência Internacional[/simple_tooltip], o funcionário público corrupto tem apenas [simple_tooltip content=’ALENCAR, Carlos Higino Ribeiro de; GICO JR., Ivo. Corrupção e judiciário: a (in)eficácia do sistema judicial no combate à corrupção. Rev. direito GV, São Paulo, v. 7, n. 1, p. 75-98, Jun. 2011. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-24322011000100005&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 10/01/2016′]5% de chance de ser punido[/simple_tooltip] e os crimes de corrupção, prevaricação, peculato e concussão apresentam a causa de aprisionamento de apenas [simple_tooltip content=’BRASIL. Ministério da Justiça. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen). Dados de dez/2010. Disponível em <http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJD574E9CEITEMIDC37B2AE94C6840068B1624D28407509CPTBRIE.htm>. Acesso em 10/01/2016′]0,03% da população carcerária na Brasil[/simple_tooltip].

Some-se a isso a particularidade de que os crimes de colarinho branco apresentam racionalidade assaz distinta dos demais crimes. As pessoas respondem a motivações e aos custos que envolvem suas decisões; em intensidade variável, a decisão em cometer ou não um crime também passa por este filtro. No campo dos crimes de colarinho branco a racionalidade envolvida é ainda mais intensa. Em geral, envolve um padrão de comportamento desenvolvido a partir de razoável técnica financeira ou contábil – exemplo dos crimes tributários e de corrupção – e direcionado quase sempre ao resultado econômico imediato. Ao contrário dos crimes pertencentes ao Direito Penal Clássico – homicídio e furto -, não se veem presentes condutas movidas por emoção ou ímpeto. O autor do crime de colarinho branco pensa, reflete e pondera todos os custos envolvidos na prática criminosa.

Vê-se, assim, o atendimento do novo instituto ao princípio da proporcionalidade. O recrudescimento da prática delitiva e o estado de ineficiência do atual sistema penal preenchem o requisito da necessidade. Em reforço às demais alterações penais propostas pelo Ministério Público Federal – gradação da pena de acordo com o valor desviado e hipóteses mais restritivas de prescrição, apenas para citar duas – o confisco alargado é adequado pois embute na consciência do agente mais um fator de ponderação na decisão da prática criminosa, ou sua reiteração. Além do risco a que se sujeita com o novo delito, a avaliação incutirá a probabilidade em perder para o Estado todo o patrimônio ilegítimo amealhado ao longo da vida criminosa, além de evitar o reinvestimento na prática criminosa. A medida alcançará o fim principal de todos os crimes econômicos: o seu proveito econômico. Por fim, o novo instrumento é proporcional, em seu sentido estrito, pois impõe o mínimo de ônus possível ao criminoso, quando comparado com outros instrumentos disponíveis pelo Direito Penal, como a restrição de liberdade.

Capítulo 4

Da constitucionalidade do confisco alargado

O confisco alargado é vinculado historicamente a três convenções internacionais, [simple_tooltip content=’Internalizada através do Decreto Legislativo nº 162/1991 e promulgada através do Decreto nº 154/1991′]Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas[/simple_tooltip], [simple_tooltip content=’Internalizada através do Decreto Legislativo nº 231/2003 e promulgada através do Decreto nº 5.015/2004′]Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional[/simple_tooltip] e Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, também denominada [simple_tooltip content=’Internalizada através do Decreto Legislativo nº 348, de 18 de maio de 2015, e promulgada através do Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006′]Convenção de Mérida[/simple_tooltip]; esta última será tomada como parâmetro. O fundamento do instituto é extraído da exortação realizada no parágrafo 8º do artigo 31 da Convenção:

8º – Os Estados Partes poderão considerar a possibilidade de exigir de um delinquente que demonstre a origem lícita do alegado produto de delito ou de outros bens expostos ao confisco, na medida em que ele seja conforme com os princípios fundamentais de sua legislação interna e com a índole do processo judicial ou outros processos.

A previsão do instituto atrai a discussão em relação aos seguintes pontos: necessidade de alteração constitucional para sua inclusão no Brasil, violação à presunção de inocência e inadequada inversão do ônus da prova.

A resposta a estes questionamentos passa primeiro pela leitura atenta da Constituição Federal. O perdimento de bens é referido em dois dispositivos da Constituição Federal:

Art. 5º

(….)

XLV – nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;

(…)

XLVI – a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:

(…)

b) perda de bens

Embora se refiram indistintamente à perda de bens, o primeiro é tratado como efeito da condenação e é relacionado ao artigo 91, inciso II, Código Penal, enquanto que o segundo é espécie de pena e foi tratado pelo legislador no [simple_tooltip content=’ESSADO, Tiago Cintra. A Perda de Bens e o Novo Paradigma para o Processo Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 6′]art. 43, inciso II, Código Penal[/simple_tooltip]. O confisco alargado possui vinculação direta apenas com a previsão do inciso XLV.

Coube ao legislador ordinário a definição das espécies de confisco e sua extensão e assim ocorreu através da recepção da norma do artigo 91 do Código Penal e da alteração do parágrafo primeiro através da [simple_tooltip content=’A legislação especial também faz referência às hipóteses de confisco, mas todas, de modo genérico, podem ser reduzidas a essas duas espécies’]Lei nº 7.209/1984[/simple_tooltip]. Mostra-se evidente a ausência de qualquer cláusula restritiva na expressão utilizada pelo constituinte, de modo que a inclusão do novo instituto está inserido na liberdade de conformação do legislador, [simple_tooltip content=’BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 122.694/SP. Tribunal Pleno. Rel. Min. Dias Toffoli. J. em 10/12/2014. O julgamento tratou da constitucionalidade da revogação da prescrição retroativa entre a data do fato e o recebimento da denúncia’]“que tem legitimidade democrática para escolher os meios que reputar adequados para a consecução de determinados objetivos, desde que eles não lhe sejam vedados pela Constituição nem violem a proporcionalidade”[/simple_tooltip].

Argumenta-se que o confisco alargado deveria ser objeto de emenda constitucional, o que teria sido reforçado pela recente alteração do artigo 243 da Constituição Federal. Como é do conhecimento de todos, o artigo 243 foi modificado pela Emenda Constitucional nº 81 para permitir a desapropriação, sem qualquer indenização, da propriedade onde localizado trabalho escravo; antes, apenas a cultura de planta psicotrópica permitia semelhante hipótese.

Contudo, o argumento não convence. A crítica denota que a não-inclusão no artigo 243 afastaria a possibilidade de previsão do confisco alargado pelo legislador ordinário, ocorrendo o fenômeno do silêncio eloquente, em que a redação constitucional [simple_tooltip content=’MENDES, Gilmar Ferreira. Op. Cit. p. 101′]“obsta a extensão da norma existente para a situação não regulada explicitamente”[/simple_tooltip]. O equívoco parte, em verdade, em identificar que a autorização ocorreria pelo artigo 243 e não pelo preenchimento do conceito apresentado no artigo 5º, inciso XLV, todos da Constituição Federal.

Além da ausência de cláusula restritiva, como já demonstrado acima, a inclusão de determinada disposição na Constituição não exaure o conteúdo da matéria em que aquela está inserida e tampouco exige o exercício do poder constitucional derivado. O enxerto na Carta Constitucional de matérias essencialmente formais, não restringe a atividade do legislador ordinário legitimamente delegada pelo poder constituinte originário. Caso o raciocínio fosse válido, a previsão de manutenção do Colégio Pedro II como propriedade federal atrairia a necessidade de que qualquer disposição semelhante fosse realizada por emenda. A situação retratada não é inédita e entre outros inúmeros exemplos pode ser citada a previsão das sanções de proibição de contratar com o poder público e receber incentivos fiscais e multa por ato de improbidade, ambas não previstas no art. 37, §4º, Constituição Federal, mas estipuladas no art. 12 da Lei nº 8.429/1992.

A matéria – conceito e extensão do confisco – integra a liberdade de conformação do legislador. Portanto, o argumento de que a introdução de nova modalidade de confisco precisaria de alteração pelo poder constituinte derivado não se sustenta.

O argumento seguinte contrário à proposta diz respeito à suposta violação à presunção de inocência e ao princípio da não culpabilidade, ambos extraídos do art. 5º, inciso LVII, Constituição Federal. Adotando a equivalência dos conceitos e aplicando um dos significados possíveis, toma-se por tal princípio a necessidade de que [simple_tooltip content=’BADARÓ, Gustavo. Processo Penal. 3ª edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 58′]cabe ao Estado demonstrar todos os elementos do fato típico e, somente após juízo de convicção acima de qualquer dúvida razoável, proferir a sentença condenatória[/simple_tooltip].

Cumpre realizar de logo relevante esclarecimento. A medida do confisco somente será acionada após a condenação criminal obtida regularmente no processo penal, com idêntica distribuição do ônus da prova e após o juízo de convicção acerca da participação do acusado. A presunção realizada a partir daí – da condenação, frise-se – não é arbitrária, pois caberá ao Ministério Público demonstrar que os bens indicados não encontram correspondência na receita declarada pelo condenado. Ela tampouco é absoluta, pois o condenado poderá demonstrar a origem lícita de seu patrimônio. Nota-se que a medida recairá após o juízo de convicção quando a materialidade e autoria do ato imputado e restará ao Ministério Público o ônus de demonstrar a ausência de suporte do patrimônio, isto é, a incongruência entre as receitas lícitas do acusado e os bens por ele detidos.

Em verdade, seria mais adequado se os argumentos fossem utilizados para discutir a legitimidade da extensão dos efeitos da sentença, e colocar em dúvida se a intensidade da relação entre o objeto do confisco e o crime a que foi condenado impõe a inconstitucionalidade do novo instituto. Ainda assim a crítica não prevaleceria. Cabe ao legislador ordinário a escolha política dos instrumentos de repressão de determinados crimes, de modo a responder de modo eficaz e proporcional a determinadas violações de certos bens jurídicos. O específico dever de proteção decorre do princípio da proibição da proteção deficiente, conferindo ao legislador “margens de ação para decidir quais medidas devem ser adotadas para a proteção eficiente dos bens jurídicos fundamentais” (trecho do voto do Ministro Gilmar Mendes no HC 104.410/RS, STF, Segunda Turma, j. em 06/03/2012).

Outrossim, a medida constritiva não se situa na área de incidência típica da garantia do estado de inocência, uma vez que não cuida de nova condenação ou mesmo imposição de uma nova pena, mas extensão de medida patrimonial assumida a partir da presunção de que o patrimônio fora amealhado pelo mesmo trajeto a que já foi condenado.

O Brasil já possui hipótese semelhante em que a perda de bens não fica restrita ao produto ou resultado do crime. Uma delas é a previsão já citada acerca do confisco administrativo de “glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas” (art. 231, Constituição Federal). Embora de natureza cível, a desapropriação é iniciada a partir da conduta penal referida expressamente no artigo.

Os argumentos apresentados no julgamento do Recurso Extraordinário 543.974 fornece bons subsídios a respeito do tema. Naquela oportunidade, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região havia restringido a aplicação do dispositivo constitucional apenas à área em que efetivamente explorada a cultura ilegal, 150m² de um total de 25,80 hectares. O Tribunal entendeu que a desapropriação de toda a área corresponderia a interpretação desproporcional e que acabaria por violar o princípio da personalidade da pena. O plenário do Supremo Tribunal Federal afastou tais argumentos, prevalecendo a interpretação literal do dispositivo constitucional, destacando o Min. Ricardo Lewandoski que “[i]nteressantemente, é uma penalidade análoga àquela sanção acessória de que trata o artigo 91, II do Código Penal, que estabelece o perdimento de bens em favor da União, no que diz respeito aos instrumentos e aos produtos que se originam da prática criminosa”. O ministro Cezar Peluso destacou a racionalidade econômica carregada na sanção:

Além do mais, outra interpretação levaria a duas coisas. Levaria ao absurdo, por exemplo, de uma possibilidade teórica – e não pode ser desconhecida do ponto de vista prático – de o autor do ilícito ficar com a totalidade do imóvel residual para continuar plantando. É óbvio. Ou seja, a finalidade da norma é opor uma sanção grave, porque tem o sentido de confisco relativo a um ato ilícito que considera grave pelo seu alto desvalor jurídico. Noutras palavras, não se pode subestimar a sanção constitucional para reduzi-la a uma dimensão que não atingiria a sua racionalidade de desestímulo a ato ilícito de grande repercussão do ponto de vista social.

Vê-se em tal julgamento o acolhimento dos mesmos argumentos para inclusão da nova medida.

Por sua vez, a crítica em relação à presunção não passa, em verdade, da compreensão incorreta da prova indireta. A presunção utilizada na proposta não é de todo nova para a comunidade jurídica. De todos os exemplos possíveis, o art. 42 da Lei n 9.430/1996 é o melhor deles; em presunção juris tantum a norma reconhece que configura omissão de receita “os valores creditados em conta de depósito ou de investimento mantida junto a instituição financeira, em relação aos quais o titular (…) não comprove (..,) a origem dos recursos utilizados nessas operações”. Cuida-se, portanto, de [simple_tooltip content=’O Superior Tribunal de Justiça apresenta julgamento favorável na Quinta e Sexta Turmas: Quinta Turma, RHC 4399, Rel. Min. Felix Fischer, j. em 30/06/2015; Segunda Turma. AgRg no AREsp 664675/RN, j. em 05/05/2015; AgRg no REsp 1370302. Rel. Min. Sebastião Reis Júnior. J. em 05/09/2013′]presunção relativa assumida[/simple_tooltip], frise-se, para a imputação de conduta penal relevante, não se apresentando adequada a crítica em relação a sua utilização para medida ainda menos invasiva. Em julgamento a respeito do tema o Superior Tribunal de Justiça externalizou a correlação entre a presunção de inocência e a utilização de referido raciocínio probatório:

HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO CABÍVEL. UTILIZAÇÃO INDEVIDA DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL. NÃO CONHECIMENTO.

(…)

  1. O inciso LXIII do artigo 5º da Constituição Federal confere ao acusado o direito à não autoincriminação, permitindo que, por ocasião do interrogatório, cale-se acerca dos fatos criminosos que lhe são imputados, ou ainda, e via de consequência do sistema de garantias constitucionais, negue a autoria delitiva, sem que isso dê ensejo à apenação criminal ou mesmo à valoração negativa pelo magistrado, que poderá, no máximo, desconsiderá-las quando do cotejo com os demais elementos probatórios colacionados.
  2. No caso dos autos, o paciente, intimado pela Receita Federal a comprovar a origem dos recursos movimentados em suas contas bancárias, não o fez, também quedando-se silente quando interrogado judicialmente.
  3. Conquanto o contribuinte não seja obrigado a prestar os esclarecimentos solicitados pela autoridade fiscal, ao não fazê-lo permite à Receita Federal presumir determinados fatos que ensejam a constituição do crédito tributário.
  4. Assim, a fim de atestar a regularidade de suas movimentações financeiras, o paciente deveria comprovar, quando instado pela Receita Federal, a origem dos recursos utilizados em suas operações bancárias, sob pena de, não o fazendo, restar caracterizada a presunção de omissão de rendimentos prevista no artigo 42 da Lei 9.430/1996 que, de acordo com a jurisprudência dos Tribunais Superiores, é apta a caracterizar o crime previsto no artigo 1º, inciso I, da Lei 8.137/1990. Precedentes.
  5. Ademais, da leitura do aresto objurgado, constata-se que embora o Tribunal Regional Federal da 1ª Região tenha mencionado que o acusado manteve-se calado quando inquirido pelo togado de origem, não entendeu comprovada a autoria do delito somente em razão do seu silêncio, apontando provas produzidas tanto no procedimento administrativo tributário quanto no curso da ação penal hábeis a justificar o decreto condenatório.
  6. Habeas corpus não conhecido.

(STJ. Quinta Turma. HC 28305/GO. Rel. Min. Jorge Mussi. J. em 12/02/2015)

Em reforço, a análise do Direito Comparado revela que a discricionariedade a ser realizada pelo legislador brasileiro já foi validamente exercida em outros países. A União Europeia exortou todos os países do bloco a adotarem o confisco alargado, conforme determinação do art. 5º, [simple_tooltip content=’A nova orientação aperfeiçoou as regras do confisco alargado existentes desde 24/02/2005 através da Decisão-Quadro 2005/212/JAI’]Diretiva 2014/42/UE[/simple_tooltip], levando o acolhimento de tal regra pela [simple_tooltip content=’Exemplo extraído na obra de Tiago Cintra Essado. Op. Cit. p. 151′]Alemanha[/simple_tooltip], [simple_tooltip content=’Reino Unido já previa medida semelhante no Drug Trafficking Act de 1994. A medida foi posteriormente ampliada para outros crimes na edição do Proceeds of Crime Act (POCA) de 2002. REES, Edward et al. Blackstone’s Guide to the Proceeds of Crime Act 2002. Oxford University Press. 2015′]Inglaterra[/simple_tooltip] e [simple_tooltip content=’PORTUGAL. Lei nº 05/2002. A Inglaterra e a Alemanha possuem disposições semelhantes previstas no Drug Trafficking Act e Erweiterter Verfall’]Portugal[/simple_tooltip]. Em relação ao último país, convém transcrever o artigo que serve de referência:

CAPÍTULO IV

Perda de bens a favor do Estado

Art. 7º.

1-Em caso de condenação pela prática de crime referido no artigo 1º, e para efeitos de perda de bens a favor do Estado, presume-se constituir vantagem da actividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito.

O Tribunal Europeu de Direitos Humanos já foi instigado a manifestar-se sobre a legalidade do confisco alargado. Em 27/06/1996, Steven Phillips foi condenado por tráfico de drogas. A investigação patrimonial realizada posteriormente identificou que o condenado apresentava intensa movimentação financeira no período anterior ao fato a que foi condenado – 1 casa, depósitos em dinheiro e cheque, 5 carros -, embora nunca tivesse declarado qualquer receita ao fisco nacional. Após excluir bens pertencentes ao grupo familiar a que fazia parte, GBP 91,400 foram confiscados. Em 12/12/2001, Steven Phillips recorreu ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos sob o argumento de violação à presunção de inocência e às regras formais de um processo justo (art. 6º, §§1º e 2º, Convenção Europeia de Direitos Humanos), além da ausência de proporcionalidade da medida (art. 1º, Protocolo Adicional da Convenção Europeia de Direitos Humanos). O julgamento enfrentou os seguintes argumentos: (i) em relação à presunção de inocência, se a ordem de confisco representa uma nova acusação e se a presunção de inocência aplica-se de algum modo ao caso; (ii) em relação ao artigo 6º, §1º da Convenção Europeia de Direitos Humanos, se o direito a um julgamento justo admite o uso de presunções; (iii) em relação ao Protocolo Adicional da Convenção, se a imposição do confisco é proporcional e adequada à previsão de perda da propriedade privada pelo Estado.

Em relação ao primeiro ponto, o Tribunal reconheceu que a medida constritiva não representa uma nova acusação, mas uma consequência do crime a que já foi condenado e, portanto, não alcança a proteção tradicional do princípio da presunção de inocência já que a [simple_tooltip content=’“The Court has also considered whether, despite its above finding that the making of the confiscation order did not involve the bringing of any new “charge” within the meaning of Article 6 § 2, that provision should nonetheless have some application to protect the applicant from assumptions made during the confiscation proceedings.

However, whilst it is clear that Article 6 § 2 governs criminal proceedings in their entirety, and not solely the examination of the merits of the charge (see, for example, Minelli v. Switzerland, judgment of 25 March 1983, Series A no. 62, pp. 15-16, § 30; Sekanina v. Austria, judgment of 25 August 1993, Series A no. 266-A; and Allenet de Ribemont v. France, judgment of 10 February 1995, Series A no. 308), the right to be presumed innocent under Article 6 § 2 arises only in connection with the particular offence “charged”. Once an accused has properly been proved guilty of that offence, Article 6 § 2 can have no application in relation to allegations made about the accused’s character and conduct as part of the sentencing process, unless such accusations are of such a nature and degree as to amount to the bringing of a new “charge” within the autonomous Convention meaning referred to in paragraph 32 above (see Engel and Others v. the Netherlands, judgment of 8 June 1976, Series A no. 22, pp. 37-38, § 90).

  1. In conclusion, therefore, the Court holds that Article 6 § 2 of the Convention was not applicable to the confiscation proceedings brought against the applicant.”’]higidez do processo principal não foi discutida[/simple_tooltip]. Em relação ao segundo ponto, embora reconheça que qualquer processo criminal deva carregar a presunção de inocência e a regra do ônus da acusação em provar o fato típico, o Tribunal asseverou que [simple_tooltip content=’“The Court considers that, in addition to being specifically mentioned in Article 6 § 2, a person’s right in a criminal case to be presumed innocent and to require the prosecution to bear the onus of proving the allegations against him or her forms part of the general notion of a fair hearing under Article 6 § 1 (see, mutatis mutandis, Saunders v. the United Kingdom, judgment of 17 December 1996, Reports 1996-VI, p. 2064, § 68). This right is not, however, absolute, since presumptions of fact or of law operate in every criminal-law system and are not prohibited in principle by the Convention, as long as States remain within certain limits, taking into account the importance of what is at stake and maintaining the rights of the defence (see Salabiaku v. France, judgment of 7 October 1988, Series A no. 141-A, pp. 15-16, § 28).”’]“este direito não é absoluto, uma vez que presunções de fato ou de direito existem em qualquer sistema criminal e não são proibidos em princípio pela Convenção, desde que os Estados respeitem determinados limites, levando sempre em conta a natureza da matéria em julgamento e os direitos de defesa”[/simple_tooltip].

Por fim, o Tribunal afastou o último argumento, decidindo que a ordem de confisco constitui espécie do termo “penalidades” prevista no Protocolo Adicional, além de ser proporcional ao fim buscado pela medida. Transcreve-se trecho do julgamento:

  1. Como citado anteriormente, a ordem de confisco constitui uma “penalidade” no sentindo da Convenção. Assim, a medida está incluída no objetivo do segundo parágrafo do artigo 1º do Protocolo 1, o que permite o controle da propriedade pelos Estados para reguardar o pagamento de penalidades. Contudo, esta previsão deve ser compreendida em linha com o princípio geral firmado no primeiro parágrafo e, assim, apresenta uma relação razoável de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade alcançada (veja, entre outros exemplos, Allan Jacobsson v. Sweden (no. 1), julgamento de 25 de outubro de 1989, Série A, no 163, p. 17, §55).
  2. Em relação ao caso específico, como a Corte observou em Welch (julgamento citado acima, pp 14-15, §36), estes poderes foram conferidos como armas na luta contra o tráfico de drogas. Assim, o uso do confisco previne a entrada de novas pessoas no tráfico, priva a utilização dos lucros e evita sua reutilização no comércio das drogas.

(…)

  1. Além do caso específico, e considerando a importância da finalidade perseguida, o Tribunal não considera que o confisco da propriedade do recorrente foi desproporcional.

A análise constitucional e os exemplos de países e comunidades que admitem semelhante instituto reforçam a tese de constitucionalidade do confisco alargado. Aliando [simple_tooltip content=’ESSADO, Tiago Cintra. Op. Cit. p. 29‘]garantismo e efetividade[/simple_tooltip], a inclusão de uma nova espécie de confisco é salutar e vem reforçar o princípio da proteção deficiente, respeitando as garantias individuais inseridas na Constituição, em especial a presunção de inocência.

Capítulo 5

Conclusão

O Direito Penal funciona como essencial reforço de proteção de determinados bens jurídicos. O fino equilíbrio entre o seu acionamento e o risco de afetar injustamente direitos individuais é o que deve ser analisado por todos os juristas. A discussão fiel e leal é o único meio de apresentar à sociedade a medida adequada para determinado evento ou tendência criminosa.

A introdução do confisco alargado no ordenamento brasileiro pretende atingir esse objetivo. O confisco clássico previsto originalmente pelo Código de Processo Penal e o confisco por equivalente acrescentado recentemente não respondem à altura ao perfil dos delitos econômicos.

A partir da prática dos crimes arrolados taxativamente, o Ministério Público poderá requerer o confisco de todo o patrimônio ilícito amealhado pelo acusado, ainda que não possua vinculação com a conduta imputada no processo principal. O Parquet deverá demonstrar em campo cognitivo próprio a ausência de compatibilidade entre o patrimônio localizado e renda auferida e declarada pelo condenado, possibilitando-o após o exercício do contraditório.

A medida legislativa atende ao princípio da proporcionalidade pois responde a crescente evolução dos crimes atrelados ao Direito Penal Econômico e atingirá o principal beneficio buscado com os delitos econômicos, mostrando-se a medida menos onerosa permitida pelo Direito Penal.

O confisco alargado respeita os direitos e as garantias individuais elencadas pela Constituição Federal, notadamente a presunção de inocência. A medida pode ser exercida a partir da liberdade de conformação conferida ao legislador ordinário pelo artigo 5º, inciso XLV, Constituição Federal. A crítica de que a inclusão somente poderia ocorrer a partir de emenda constitucional parte da leitura equivocada do artigo 243 da Constituição Federal pois não se mostra presente o fenômeno do silêncio eloquente do poder constituinte originário. Por sua vez, a presunção de inocência possui vinculação preponderante à imputação delitiva e condenação dela decorrente; sua aplicação aos efeitos da condenação é vista com reservas e de modo mais brando pela jurisprudência de tribunais internacionais.

O Direito Comparado reforça a legitimidade do instituto. Além de previsto em três convenções internacionais – Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas, Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional e Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção – e ter sido objeto de exortação pela União Europeia, diversos países o introduziram nos respectivos ordenamentos. Por fim, a Corte Europeia de Direitos Humanos reconheceu a compatibilidade do instituto com os direitos de defesa, repelindo as críticas utilizadas contra a redação do Anteprojeto apresentado.