Direito Penal

Paternalismo legal e criminalização das drogas

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Capítulo 1

Resumo

Um século e meio após a teorização pioneira de J. Stuart Mill acerca das noções político-liberais de autonomia e soberania individual, as quais estabeleceram bases jusfilosóficas para a não aceitação de normas punitivas de cariz paternalista, o direito penal ainda se defronta com dificuldades de adaptação dos ordenamentos jurídicos democráticos a essa teoria ainda em evolução. Tal ocorre tanto em países de cultura jurídica angloamericana quanto nos de cultura romano-germânica, em que se desenvolveram, paralelamente, o princípio do dano (harm principle) e o princípio da ofensividade – em uns como em outros, o tema do paternalismo legal, ou do princípio da autorresponsabilidade, implica questionamentos e desafios à legitimidade da legislação punitiva. Nessa medida, se, por um lado, a convivência comunitária em tempos de relações sociais complexas não permite a aplicação até as últimas consequências do princípio antipaternalista na produção e interpretação de leis, impõe-se, de outro bordo, escorar a legislação criminal no princípio do dano a terceiro, afastando-se o sancionamento penal de condutas cuja consequência mais visível seja a causação de lesão ou de perigo de lesão a si próprio. Sob essa ótica, o presente artigo visa a investigar a legitimidade da legislação incriminadora das condutas associadas ao uso de drogas, nomeadamente o porte para consumo pessoal.

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* O presente artigo foi elaborado no início de 2014 para integrar, como de fato integrou, o Livro homenagem a Miguel Reale Júnior, coordenado pelos Profs. Janaína Conceição Paschoal e Renato de Mello Jorge Silveira (Rio de Janeiro: GZ Editora, 2014), por ocasião da aposentadoria daquele como Professor Titular do Depto. de Direito Penal, Medicina Forense e Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Constitui, pois, registro de uma homenagem acadêmica prestada por um dos muitos ex-alunos de graduação e pós-graduação, convertido em admirador e discípulo, do notável mestre das Arcadas. O artigo, que se origina de um capítulo da dissertação de mestrado do autor – desenvolvida sob orientação do homenageado e defendida no ano de 2009 –, é aqui reproduzido em sua integralidade, à exceção de breve tópico em que, ao final, o autor discorreu sobre o homenageado e o papel que ele teve em sua formação.

Capítulo 2

Origem

Aproximação ao paternalismo

O influxo do pensamento político-filosófico liberal que se sucedeu aos êxitos das revoluções liberais do período anterior fez que o Século XIX demarcasse um tempo de notável evolução teórica do direito penal no mundo ocidental, em que se desenvolveram categorias dogmáticas fundamentais à sistematização desse ramo jurídico e à afirmação de seu papel limitador das possibilidades de ingerência estatal na esfera de liberdade dos indivíduos.

Na cultura jurídica europeia continental – de modo particular na Alemanha, e dali para a Itália e demais países –, como se sabe, verificou-se o influxo do conceito material de delito e, com ele, emergiram a teoria do bem jurídico e os correlatos princípios da ofensividade e da exclusiva proteção a bens jurídicos. A seu turno, também a cultura jurídica angloamericana experimentou, nesse mesmo tempo, especial desenvolução dos fundamentos e fatores de legitimação da intervenção penal em uma sociedade liberal e democrática, chegando-se, na busca de um conceito que restringisse eventuais caprichos do legislador na produção de normas penais, ao chamado princípio do dano (harm principle),[1] que antepõe àquela intervenção a necessidade de violação a legítimos e efetivos interesses de terceiros (harm to others) devidamente considerados em sua natureza moral, cultural e política.[2] A elaboração, justificação, implicações e questionamentos que o princípio do dano suscita são essenciais à compreensão do que se entende por paternalismo legal.

Stuart Mill, filósofo e economista político britânico, já em 1859 afirmava ser o indivíduo naturalmente soberano acerca de si mesmo, de seu corpo e de sua mente.[3] Esses elementos comporiam, juntos, intocável seara da autonomia individual, sobre a qual o Estado jamais teria legitimidade para intervir, na medida em que não lhe cabe impor coercitivamente a um cidadão qualquer ação ou omissão com o objetivo de promover-lhe uma virtude moral ou o bem estar.

De acordo com os postulados de Mill, o indivíduo – jamais o Estado –, com base em suas pretensões e experiências positivas e negativas, seria o melhor juiz para escolher os meios com vistas ao atingimento de seus próprios objetivos, e há que ser livre para fazê-lo desde que, nesse labor, não prejudique interesses alheios.[4] Assim é que, com algumas variações, a pretensão de se estabelecerem deveres positivos ou negativos a indivíduos em nome de sua própria proteção costuma ser classificada como paternalismo,[5] prática que, como visto, desde logo o autor considerou inaceitável sob um ponto de vista político-liberal,[6] com a inclemência própria do pensamento filosófico de seu tempo.

O presente texto pretende avaliar se a duvidosa – para dizer o mínimo – legitimidade e conformidade constitucional de leis penais de caráter paternalista implicaria a inadmissibilidade da intervenção punitiva sobre o consumo de substâncias psicoativas, mormente no âmbito doméstico, na medida em que se trataria de hipótese de tutela paternalista ilegítima.

 

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[1] DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral, t. I. São Paulo – Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 109-110. Sobre paralelos que se podem fazer entre as bases teóricas e alcance do princípio do dano, de um lado, e dos princípios da ofensividade (ou lesividade) e da exclusiva proteção a bens jurídicos, de outro, ver: VON HIRSCH, Andrew. El concepto de bien jurídico y el “princípio del daño”. In: HEFENDEHL, Roland (ed.). La teoria del bienjurídico: ¿Fundamiento de legitimación del Derecho penal o juego de abalorios dogmático? Madrid – Barcelona: Marcial Pons, 2007, p. 37-52; SEHER, Gerhard. La legitimación de normas penales basada en principios y en el concepto de bien jurídico. In: HEFENDEHL, Roland (ed.). Op. cit., p. 69-92;

[2] ASHWORTH, Andrew. Principles of criminal Law, 6ª ed. Oxford: Oxford University Press, 2009, p. 28

[3] MILL, John Stuart. On Liberty and other essays. Oxford: Oxford University Press, 1991, p. 14. Na mesma página de sua obra fundamental, o autor enuncia o princípio do dano: “A única razão pela qual a força pode ser corretamente exercida sobre qualquer membro de uma comunidade civilizada contra o seu desejo é a de prevenir dano a terceiros. O bem próprio, seja ele físico ou moral, não é autorizador suficiente. Não se pode legitimamente compelir alguém a fazer ou a deixar de fazer algo somente porque lhe será melhor fazê-lo, porque o fará mais feliz, ou porque, na opinião de terceiros, assim agir seria inteligente ou mesmo correto”.

[4] Idem, ibidem, passim. Para uma interessante e fundamentada crítica às bases filosóficas consequencialistas adotadas por Mill, sem, no entanto, contrariar-lhe as conclusões teóricas, ver: GRECO, Luís. A Crítica de Stuart Mill ao paternalismo. In: Revista brasileira de filosofia, vol. LVI, fasc. 227. São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia, jul-set./2007, p. 321-332, passim.

[5] Pode-se definir o paternalismo como “a interferência sobre a liberdade de ação de uma pessoa justificada por ações que se refiram exclusivamente ao bem-estar, à felicidade, às necessidades, aos interesses ou aos valores da pessoa objeto da coação” (DWORKIN, Gerald. The Theory and practice of autonomy. Cambridge: Cambridge University Press, 1988, p. 121), ou “a limitação da liberdade de ação de uma pessoa para evitar que se coloque em situação de perigo ou ainda lesione a si própria, independentemente de saber se esta proteção foi desejada por ela ou não” (RIGOPOLOU, Maria. Traços paternalistas no direito penal da atualidade. In: Revista brasileira de filosofia, vol. LVI, fasc. 227. São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia, jul-set./2007, p. 324, p. 343-344), ou simplesmente “a proteção das pessoas contra si próprias” (HART, Herbert L. A. Law, liberty and morality. Stanford: Stanford University Press, 1963, p. 31). Entre nós, define-o Luís Greco como “a teoria segundo a qual prevenir dano a determinada pessoa é uma boa razão para limitar a liberdade dessa mesma pessoa” (GRECO, Luís. Op. cit., p. 324), e, citando Feinberg, assevera Reale Júnior: “[o paternalismo] consiste em tratar os adultos como se criança fossem, ‘forçando-os a agir de certas maneiras para seu próprio bem não importando os próprios desejos na matéria’” (Paternalismo no Brasil. In: Revista brasileira de filosofia, vol. LVI, fasc. 227. São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia, jul-set./2007, p. 293).

[6] Possivelmente o principal estudioso do tema em todo o Século XX – embora também seu pensamento não seja imune a críticas (ver: SEELMANN, Kurt. El concepto de bien jurídico, el harm principle y el modelo del reconocimiento como criterios de merecimiento de pena. In: HEFENDEHL, Roland [ed.]. Op. cit., p. 373) –, Feinberg apontou certa impropriedade no uso do vocábulo paternalismo para a sua discussão doutrinária, tendo em vista que já carrega em si um conteúdo depreciativo e nem sempre é adequado para traduzir com precisão determinadas situações a que é associado, assinalando que, por sua carga depreciativa, “paternalismo é algo de que nós geralmente acusamos as pessoas” (FEINBERG. Harm to self. New York – Oxford: Oxford University Press, 1984, p. 04). Não obstante, adotou o vocábulo em sua obra em virtude de seu uso corrente já estar consagrado (p. 04).

Capítulo 3

Liberdade e ofensividade das drogas

Esclarecimentos necessários

Antes de iniciar, concretamente, a análise do paternalismo legal, estabelece-se como premissa fundamental a noção de presunção de liberdade, definida por Moore como um bem instrumental que, em vez de declarar um suposto e indemonstrável direito geral à liberdade,[1] indica que constitui fundamento razoável para não obrigar legalmente determinada ação ou omissão a consequente redução imposta às opções de autonomamente atuar e eleger comportamentos corretos.[2] Homenageia-se assim a autonomia individual, sem, contudo, olvidar a frequência com que convém limitar a esfera de liberdade individual para garantir outros valores fundamentais – entre os quais a liberdade e direitos alheios, e se exige do legislador que justifique qualquer sorte de sanções legais coercitivas.[3]

A presunção de liberdade contém maior força de restrição à legislação coercitiva que a própria exigência de racionalidade, na medida em que esta apenas requer do legislador alguma razão para aprovar leis, importando-se com a validez dessa razão mas não com a sua qualidade.[4] Um dispositivo legal é racional quando supõe motivação aceitável e inteligível, e não o é quando aprovado sem motivação ou finalidade,[5] mas isso não basta para justificar a lei – mormente aquela de conteúdo coercitivo. De mais a mais, é direito de todo cidadão que seus atos não sejam regulados por razões errôneas,[6] e isso é o que ora se almeja investigar.

Atual dimensão do antipaternalismo 

Cumpre esclarecer, desde logo, que descabe aceitar uma aplicação absoluta do princípio antipaternalista, a qual se revelaria incompatível com a convivência em sociedade nos atuais tempos de relações sociais complexas. Uma abolição total de limites à liberdade individual em consonância com a visão de Mill exigiria admitir-se, por exemplo, a plena liberdade pessoal de escolha no que toca ao pagamento de tributos, ao uso de capacete em motocicletas ou de cintos de segurança em automóveis, ou mesmo à escolha privada de quaisquer limites de velocidade para o tráfego em vias públicas, sem se permitir qualquer forma de intervenção legislativa estatal. É de se ver, porém, que a limitação imposta pelo Estado democrático a tais liberdades se faz pela utilização de normas de caráter administrativo, inocorrendo-lhes o agudo sancionamento penal (claro, salvo se se afeta interesse de terceiro no trânsito ou se se verifica a concorrência do elemento fraude para o inadimplemento tributário, incrementando-se o desvalor da conduta prejudicial ao fisco; essa não é a lógica, porém, da forma atualmente prevalente de intervenções estatais sobre os consumidores de drogas).

Sobre o âmbito da ofensividade do consumo de drogas

Ajustada para as categorias jurídicas e os problemas fenomênicos do último século, a apreciação de Mill de que a única razão para a intervenção oficial sobre a ação humana residiria na causação de dano a terceiro – com o que assentava o chamado harm to others principle[7] a repelir toda e qualquer intervenção classificável como paternalista –, talvez não rejeitasse, a princípio, legitimar a incriminação do mero consumo de drogas com base no argumento da pretendida nocividade social de tal comportamento. Afinal, afirma-se comumente que mesmo a incriminação do consumo individual estaria a proteger interesse supraindividual, identificando-se a saúde pública como objeto da tutela e asseverando-se que tal modalidade de incriminação se justifica na medida em que o consumo de drogas por uma determinada pessoa tende a incentivar o seu consumo por outra(s) de seu círculo social, e assim por diante. Essa afirmação presuntiva, porém, carece ainda hoje de comprovação empírica, sem o que não ultrapassa os limites de ficção; é incoerente na medida em que a legislação em geral não proíbe atos individuais em face da simples possibilidade de terceiros as copiarem, e, ademais, esbarra no princípio da culpa na medida em que tenciona impor inaceitável espécie de responsabilização individual por ato (possível) de outrem. Adicionalmente, a dogmática penal ainda peleja para demonstrar à suficiência a real existência e delimitações do bem jurídico saúde pública, sendo muitas as autorizadas vozes no sentido de que esse bem, em verdade, inexiste;[8] também por isso afigura-se altamente questionável a sua prestabilidade para legitimar a incriminação do consumo e mesmo do comércio de drogas,[9] sendo mais plausível a compreensão de que se esteja a tutelar, no máximo, a saúde individual.[10]

De outra parte, não se desconhece a objeção à teoria de Mill pioneiramente apontada por James F. Stephen em 1873, segundo a qual inexistiriam as ações autorreferentes (self-regarding acts) reclamadas por aquele como as que somente afetariam o próprio autor. Infere Stephen que nenhuma ação praticada em sociedade deixa de ter efeitos sobre terceiros, e aquelas em que se autoprovocam danos também afetam outras pessoas.[11] Sob tal ótica, é verdade que terceiros ora suportam a dor de uma perda, ora enfrentam a angústia de intervenções médicas e de lesões físicas ou psíquicas sobre entes queridos, ora se vêem desamparados daqueles que lhes proviam auxílio material; outros têm o dissabor de assistir à ruína física de alguém que nem sequer conheciam, e muitos são onerados com a afetação do orçamento da saúde ou previdência públicas ou com a improdutividade laboral de alguns.

Todavia, como lembra Moore, é a partir da leitura do próprio Mill que se afasta essa crítica: ao repelir a coerção estatal que vise a promover o bem do autor mesmo, preocupa-se ele com os fins do legislador, o qual, como visto, não pode orientar-se por razões errôneas.[12] Tampouco ignora Mill que haja interesses de terceiros e da sociedade sobre atos de alguém sobre si, mas, referindo-se aos espaços da vida privada próprios da pessoa, aduz que, se e quando eles afetam terceiros, fazem-no de modo indireto e através daquela, o que não lhes exclui o caráter autorreferente.[13]

Dessa forma, em matéria de consumo de drogas, importa analisar os escopos protetivos da proibição legal à luz dos males que tais substâncias provocam ou podem provocar à saúde dos usuários, o que, outrossim – e notadamente no caso de drogas leves –, é desafiado pelos baixos índices relativos de uso nocivo e dependência se comparados aos números gerais de consumo.

Afastamento da ideia de benefício moral

No mister de investigar o que efetivamente fundamentou e o que talvez ainda fundamente a proibição do consumo de drogas em quase todo o mundo nos últimos cem anos, decididamente não se pode deixar de considerar a moralidade como um elemento possivelmente determinante das tomadas de decisões políticas que a ela conduziram. Nessa medida, a pretensão legal paternalista tenderia a ser a de promover o bem moral do cidadão, o que desde logo parece reclamar objeção em face de exigências de segurança jurídica pressuposta à lei[14] e de concreção suficiente de seus fundamentos, à luz da discutida e rediscutida heteronomia da moral e da indeterminação do real conteúdo virtuoso que se quisesse promover. Sem embargo, é razoável supor que – e aqui me afasto do consequencialismo de Mill – a principal razão que teria lastreado os processos de criminalização por que passaram os atos associados ao consumo de drogas desde o início do Século XX não seriam os males fisiopsicológicos que possam causar a usuários ou as ilicitudes que eles possam praticar sob efeito de seu consumo, mas um suposto imperativo moral de não as consumir.[15]

Haveria, então, um silogismo cuja premissa maior seria o dever de a lei penalizar comportamentos imorais e cuja premissa menor seria a imoralidade do uso de drogas (ilícitas), com a necessária conclusão de a lei dever punir penalmente o consumo recreativo de drogas.[16] No entanto, mesmo na jusfilosofia angloamericana – bem mais afeta a considerações de ordem moral que a de matriz europeia continental –, se é verdade que grande parte dos teóricos reconhece relevo na moralidade em sede de legitimação legal,[17] é igualmente certo que sua ampla maioria apenas a considera algo necessário, e não suficiente à criminalização de condutas, cuja justificação supõe requisitos adicionais: lá ou cá, inexistem esforços no sentido de incriminar toda conduta que possa apresentar teor imoral até de alentada nitidez, como o ato de mentir a amigos, o de violar confidências, as infidelidades conjugais ou contratuais;[18] evidencia-se, pois, que o moralismo legal per si não fornece base razoável para criminalizações, com o que se anula a premissa maior acima referida. Quanto à segunda premissa – malgrado o silogismo já não subsista –, há bases suficientes para sustentar a inexistência de qualquer teor de imoralidade mesmo no consumo recreativo de drogas, invalidando-se também ela: em primeiro lugar, registre-se a falta de clareza doutrinária sobre o que constituiria essa imoralidade,[19] algo que a meu ver é sintoma relevante de sua implausibilidade; ademais, o fato de o uso em si mesmo não aviltar direitos fundamentais alheios também se presta como indicativo de sua neutralidade moral; por fim, é questionável a ideia de que a visão majoritária da população expressada em pesquisas opinativas apoiaria a crença na imoralidade do uso (a qual, aliás, haveria que ser tão severa a ponto de fazer ceder a presunção de liberdade[20]),[21] sobretudo em um Estado constitucional – como o nosso – que afirma o pluralismo como um dos valores basilares de sua democracia.[22]

Portanto, ao se investigar a legitimidade de incriminações paternalistas, convém preocupar-se com a noção de bem-estar pessoal, e não com a de virtude moral, quando se indaga sobre os interesses pretensamente tutelados pela legislação.

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[1] A crítica a essa suposição é de Dworkin, em sua obra fundamental. DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. London: Bloomsbury Academic, 2013, p. 319-323.

[2] MOORE, Michael S. Libertad y drogas. Trad. Gustavo de Greiff. In: DE GREIFF, Pablo; DE GREIFF, Gustavo (orgs.). Moralidad, legalidad y drogas. México: Fondo de Cultura Económica, 2000, p. 119.

[3]A forte preferência que a maioria das pessoas tem pela liberdade, a necessidade de que tenham preferências de que vale a pena ocuparem-se, a conveniência de oportunidades máximas de eleger, o bem das eleições corretamente motivadas e os custos sociais diretos e indiretos da coerção legal, tudo isso combinado cria uma exigência de que os legisladores tenham muito boas razões para penalizar um comportamento”. Idem, ibidem, p. 121.

[4] Idem, ibidem, p. 120.

[5] Idem, ibidem, p. 120.

[6] Idem, ibidem, p. 121. O autor faz derivar da presunção de liberdade o direito exigível do legislador de motivar de modo apropriado o uso do poder de coerção estatal, elaborando uma teoria dos fins permissíveis da legislação, que impõe àquele o dever básico de aprovar a mesma lei por certas razões e não por outras (p. 122), preocupação presente nas objeções de Mill, Feinberg, Von Hirsch e outros ao paternalismo legal.

[7] MILL, John Stuart. Op. cit., passim, esp. cap. IV (p. 83-103).

[8] Ao mencionar que o direito penal das drogas recorre ao bem saúde pública como seu objeto precípuo de tutela, leciona Hefendehl que uma análise detida demonstra estar-se a cuidar, em verdade, “da saúde de todos os membros da sociedade”, razão por que “não se trata de um bem jurídico coletivo mas da soma de bens jurídicos individuais”, circunstância que teria efeito decisivo no sentido de deslegitimar-lhe a incriminação porquanto, conforme o princípio antipaternalista, “sobre um bem jurídico individual pode seu próprio titular decidir e dispor”. HEFENDEHL, Roland. ¿Debe ocuparse el derecho penal de riesgos futuros? Bienes jurídicos colectivos y delitos de peligro abstracto. In: Anales de derecho, n. 19. Murcia: Universidad de Murcia, 2001, p. 154.

[9] Concordando com o Hefendehl (v. nota acima), e inclusive citando o caso específico da tutela penal das drogas, Aires de Sousa anota que a concepção da saúde pública como bem jurídico de fato não lhe empresta genuinidade e autonomia como um bem supraindividual (ou coletivo, como também ela prefere referir-se), mas traduz “situações em que há meramente uma protecção antecipada de bens jurídicos individuais” SOUSA, Susana Aires de. Sociedade do risco: réquiem pelo bem jurídico? In: Revista brasileira de ciências criminais, ano 18, n. 86. São Paulo: RT, set-out/2010, p. 244. A respeito, ver também, em nossa doutrina: SILVEIRA, Renato Jorge de Mello. Direito penal supra-individual: interesses difusos. São Paulo: RT, 2003, p. 127 e ss.

Adiciono uma indagação: para além de seus frágeis fundamentos como suposto valor supraindividual merecedor, por si, de proteção penal, que bem será esse que, ao mesmo tempo, presta-se como denominador comum para a incriminação de comportamentos tão díspares como o comércio de drogas, o consumo de drogas, a epidemia, o curandeirismo, a omissão de notificação de doença, a falsificação de medicamentos, a alteração de produtos alimentícios e a adulteração de saneantes e mesmo cosméticos?

[10]Muito embora a grande maioria da doutrina penal, estrangeira e nacional, venha a pretender um atentado à saúde pública, isso não pode ser aceito, na atual concepção de imputação, u’a vez que não resta provado, ao cidadão, qualquer risco ou perigo à sua saúde, senão mera afirmação oficial. Em se tratando de situação de mero uso, v.g., não haveria que se falar em lesão ou perigo à saúde pública. O bem, in casu, refere-se ao indivíduo de per si”. SILVEIRA, Renato Jorge de Mello. Op. cit., p. 129.

[11] STEPHEN, James Fitzjames. Liberty, equality, fraternity, cap. I. New York: H. Holton and Company, 1873. Disponível em: <http://oll.libertyfund.org/>, acesso em 20.01.2014. Greco concorda em alguma medida com a objeção de Stephen, ao se referir expressamente a ele e vaticinar: “toda ação tem mais do que uma única consequência” (GRECO, Luís. Op. cit., p. 331)

[12] MOORE, Michael S. Op. cit., p. 123-124.

[13] MILL, John Stuart. Op. cit., p. 16; MOORE, Michael S. Op. cit., p. 141-142. Note-se que, não fosse assim, o próprio princípio constitucional da personalidade ou da intranscendência das penas (CR, art. 5°, XLV) consubstanciaria mera falácia, pois é certo que, do ponto de vista de Stephen, toda pena ultrapassa a pessoa do condenado, impondo sofrimento e desamparo a terceiros.

[14] Refiro-me, aqui, à necessidade de haver segurança, clareza e determinação suficientes dos motivos do legislador para a produção de determinado ato normativo, propiciando-o fundamentar sua racionalidade e legitimidade desde o início do processo legislativo correspondente; algo que, se – como me parece – exigível de modo geral, decerto o é ainda mais no que toca à positivação de crimes e penas.

[15] A respeito, ver: HUSAK, Douglas. For drug legalization. In: HUSAK, Douglas; DE MARNEFFE, Peter. The legalization of drugs: for & against. Cambridge: Cambridge University Press, 2005, p. 71 e ss. Significativas nesse sentido são as citações do autor, no trecho, a assertos de autoridades norteamericanas proeminentes defesa dos postulados do war on drugs e das políticas de lei e ordem, a exemplo de Willian J. Bennet (no original, a fim de preservar fidelidade absoluta: “I find no merit in the legalizers’ case. The simple fact is that drug use is wrong. And the moral argument, in the end, is the most compelling argument”), Barry McAffrey, James Q. Wilson (“Many educated people still discuss the drug problem in almost every way except the right way: […] drug use is wrong because is immoral and is immoral because it enslaves the mind and destroys the soul”) e George W. Bush (“Legalizing drugs would completely undermine the message that drug use is wrong”).

[16] Idem, ibidem, p. 71-72.

[17] Nesse aspecto, Moore diferencia o liberal clássico, que afirma a impropriedade da moralidade como propósito da legislação em uma democracia secular, do liberal legal-moralista, que admite a finalidade de a lei promover a moralidade ao mesmo tempo em que lhe empresta uma conformação bastante restrita (MOORE, Michael S. Op. cit., p. 128-129). Feinberg, a seu turno – anota-o Ashworth –, rejeita tanto o paternalismo legal quanto o moralismo legal em suas obras Harm to self e Harmless wrongdoing, as quais compõem seu tratado The Moral limits of criminal Law (ASHWORTH, Andrew. Op. cit., p. 28).

[18] HUSAK, Douglas. Op. cit., p. 72-73; MOORE, Michael S. Op. cit., p. 121. Jusfilósofo legal-moralista, este autor assinala que “a penalização dessas imoralidades é um bem, porém não o é em grau de se sobrepor ao bem instrumental da liberdade que resultaria sacrificado”, razão por que, em casos como esses, “a presunção de liberdade deve impedir a ação do legislador” (p. 121).

[19] Assinala Husak (Op. cit., p. 74), com razão, que para contrariar a visão de que o consumo configura ato imoral, seria preciso haver clareza das razões que levam seus defensores a assim concluir, e isso não se tem: “Infelizmente, aqueles que estão convencidos de que o uso recreativo de drogas ilícitas é imoral quase nunca tentam responder isso. Ou seja, eles raramente oferecem uma razão em apoio à suas veementes condenações morais ao uso de drogas ilícitas. Muitos proibicionaistas aparentemente consideram essa crença como óbvia ou autoevidente. […] Visto que sua crença na imoralidade do uso de drogas não é defendida, não restam condições de responder a pessoas que discordam ou que, indecisas, não veem essas crenças como óbvias ou autoevidentes”.

[20] Leciona Moore que uma teoria legal-moralista da legislação haveria que ser “muito liberal em seu conteúdo”, e “não proibiria muito do que não fosse tão seriamente imoral que o mal de não o castigar fosse superado pelo bem protegido pela presunção de liberdade”. Op. cit., p. 128.

[21] Husak (Op. cit., p. 75-76) recorda que os resultados de tais pesquisas, independentemente de seu rigor metodológico, tendem a variar conforme se apresentem as mesmas perguntas de uma ou outra forma, e, não obstante, considera que de pesquisas que apontavam, ainda no início da década passada, que cerca de dois terços da população estadunidense reputava imoral o uso de drogas em geral e 51% afirmavam a imoralidade do uso da maconha é possível depreender uma conclusão francamente oposta: há uma ambivalência notável no quadro geral, e o moralismo legal requer um consenso poderoso que não se verifica, razão pela qual “proibicionistas que defendem a criminalização porque pesquisas de opinião revelam ser imoral o uso de drogas deveriam sentir-se embaraçados em vez de vindicados quando os índices revelam a medida da divergência profunda face ao conjunto de cidadãos” (p. 76). Adiciono: há ainda que se considerar a rápida mutabilidade dos resultados dessas pesquisas, que hoje, poucos anos depois, são ainda mais equilibrados e nada definitivos.

[22] CR, art. 1º, incs. III e V. A respeito, manifestam-se Zaffaroni e Batista: “O estado que pretende impor uma moral é imoral, porque o mérito moral é fruto de uma escolha livre diante da possibilidade de optar por outra coisa: carece de mérito aquele que não pôde fazer alguma coisa diferente. Por essa razão, o estado paternalista é imoral. Em lugar de pretender impor uma moral, o estado ético deve reconhecer o âmbito de liberdade moral, possibilitando o mérito de seus cidadãos, que surge quando eles têm a disponibilidade da alternativa imoral”. ZAFFARONI, Eugenio Raul; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR; Alejandro. Direito penal brasileiro: parte geral, tomo I. Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 225.

Capítulo 4

Regulação

Paternalismo: intervenção legal e intervenção penal

Ora, parece induvidoso que uma desejada eticidade da intervenção punitiva estatal deveria, em princípio, reclamar a abstenção do uso do direito penal para a punição de eventuais condutas de caráter essencialmente autorreferente, como é o caso da autolesão deliberada ou da tentativa de suicídio – efetivamente, condutas não abrangidas pela tutela do direito penal no Brasil e na maioria dos países democráticos. Nesse diapasão, supõe o paternalismo legal que o Estado conheça melhor os interesses particulares e possibilidades de bem-estar dos cidadãos do que eles mesmos os conhecem. Essa máxima afigura-se, mais que irrazoável,[1] filosoficamente inadmissível: a possibilidade de se autogovernar, de soberanamente se autodeterminar e de cometer e se responsabilizar pelos próprios erros circunscreve-se às fronteiras morais de cada indivíduo adulto e capaz,[2] revelando-se ilegítima a ingerência estatal nesse plano face às inextrincáveis relações entre a autodeterminação individual e o campo constitucionalmente protegido da privacidade individual;[3] entre a autodeterminação individual e a liberdade pessoal de fato. Dessa maneira, não seria lícito ao Estado, sobretudo por meio do direito penal – o mais poderoso (e danoso) instrumento de coerção oficial –, ultrapassar essas barreiras atinentes à soberania do indivíduo-cidadão.

Intervenções legais de índole paternalista apresentam duas características centrais: em primeiro lugar, visam a proteger um suposto interesse do próprio indivíduo por elas atingido; em segundo, contêm elemento necessário de coerção, pelo que não se faculta àquele dissentir da intervenção que se lhe impõe.[4] Conquanto apresentem um nobre intuito de proteção do cidadão, revelam-se autoritárias em si mesmas pela intrusão na esfera de liberdade pessoal e também na medida em que esse intuito possa prestar-se para ocultar outros propósitos de admissibilidade questionável, como a salvaguarda de determinadas codificações morais que, em si consideradas, não se fariam dignas de tutela penal. Nessa medida, intervenções paternalistas podem não constituir senão um pretexto para a ilegítima imposição de padrões morais a indivíduos alheios a determinados modelos de comportamento esperados por grupos sociais dominantes.[5] Contudo, independentemente de uma intervenção legal paternalista servir ou não a uma dissimulação de seu verdadeiro objetivo, é inegável que ela supõe a impossibilidade de se reconhecer os indivíduos adultos componentes do tecido social como plenamente responsáveis pelos próprios atos e por suas consequencias, e é essencialmente desde essa constatação que decorre um certo e apriorístico – e, a meu ver, claramente justificado – ceticismo doutrinário em face da existência de intervenções penais paternalistas.[6]

Nessa medida, tem-se que mesmo aquelas pessoas que adotem um estilo de vida que possa ser considerado “caótico[7] ou mesmo “insano[8] de acordo com os padrões médios sociais devem ser vistas como sujeitos racionais e competentes para a sua autodeterminação e autorrealização, com plenas condições de desenvolver uma concepção de vida própria e coerente com seus intentos e preferências, porquanto dotados de possibilidades de autorreflexão e assunção das responsabilidades implicadas por seus atos.[9]

Não se deve estabelecer a priori que uma tal reflexão seja suficiente e conclusiva no sentido da ilegitimidade da intervenção penal sobre este ou aquele comportamento; todavia, cabe reconhecer o influxo de uma presunção contrária à validade e plausibilidade de qualquer intervenção que traga em seu bojo acentuados contornos de paternalismo legal.[10] De toda sorte, uma intervenção que à primeira vista pareça meramente paternalista pode, de outra parte, ser legitimada por outros critérios igualmente idôneos a autorizar a incidência da proteção penal,[11] ainda que, desta forma, a sua potencial legitimação veja-se enfraquecida sob o ponto de vista filosófico-liberal. É certo, outrossim, que sancionamentos que se afigurem meramente paternalistas possam ter o legítimo escopo de tutelar situações em que pessoas hipossuficientes em alguma medida não hajam genuinamente consentido – portanto, de forma livre e esclarecida – com o risco a que se expõem, o que torna inválido aquele consentimento e reclama a proteção institucional de seu interesse;[12] contudo, essas hipóteses – aqui e ali chamadas de paternalismo leve – não traduzem verdadeiro (e censurável) paternalismo.[13]

Tampouco convém afirmar, peremptoriamente, que em casos em que se verifique a inaceitabilidade da intervenção jurídico-penal sobre a esfera de liberdade do cidadão não possa haver o controle oficial através de outras formas – menos agudas – de regulação jurídica;[14] estas, ao revés, desde que se observem escrupulosamente os demais princípios norteadores do direito punitivo em um Estado democrático e social, podem se revelar bastante adequadas a determinadas situações concretas.[15]

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[1] É razoável crer que os interesses e experiências particulares do indivíduo o façam frequentemente o melhor juiz de si mesmo, e isso não significa ignorar a falibilidade a que se sujeitam as escolhas de todo ser humano. Nesse sentido, procede a crítica à elaboração do argumento de Mill sobre a idéia de que o indivíduo fosse necessariamente seu melhor juiz e guardião, pois em certos casos objetivamente não o é (a respeito, ver: GRECO, Luís. Op. cit., p. 326-329). De toda sorte, tampouco é possível supor a infalibilidade dos juízos do Estado e de seus agentes quanto ao bem estar social e individual, sendo que a resposta ao argumento epistêmico se condiciona às posições epistêmicas comparativas, tema a tema, pessoa a pessoa (MOORE, Michael S. Op. cit., p. 132).

[2] FEINBERG, Joel. Op. cit., p. 62; FREEMAN, Samuel. El Liberalismo, la inalienabilidad y los derechos al uso de drogas. Trad. Gustavo de Greiff. In: DE GREIFF, Pablo; DE GREIFF, Gustavo (orgs.). Op. cit. Ambos os autores reconhecem um direito subjetivo a decidir errado e a tomar riscos imprudentes, derivado diretamente da autonomía individual.

[3] Constituição da República Federativa do Brasil, art. 5º, esp. incs. VI, X e XII.

[4] VON HIRSCH, Andrew. Paternalismo direto: autolesões devem ser punidas penalmente? Trad. Helena Regina Lobo da Costa. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 67. São Paulo: RT, jul-ago/2007, p. 13.

[5] Conveniente relembrar, aqui, lição de Zaffaroni e Batista citada acima, nota 30.

[6] VON HIRSCH, Andrew. Op. cit., p. 13.

[7] Idem, ibidem, p. 15

[8] HEFENDEHL, Roland. Op. cit., p. 254.

[9] VON HIRSCH, Andrew. Op. cit., p. 15; FEINBERG, Joel. Op. cit., p. 62. FREEMAN, Samuel. Op. cit., p. 186-187.

[10] VON HIRSCH, Andrew. Op. cit., p. 14.

[11] ESTELLITA, Heloísa. Paternalismo, moralismo e direito penal: alguns crimes suspeitos em nosso ordenamento positivo. In: Revista Brasileira de Filosofia, vol. LVI, fasc. 227. São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia, jul-set./2007, p. 336. (o mesmo estudo encontra-se publicado também no Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, ano 15, n. 179. São Paulo: Ibccrim, out/2007, p. 17-18.

[12] Idem, ibidem, p. 336. A autora aponta observação de Schünemann segundo a qual, nesses casos, estaria legitimada a criminalização ante o dever de o Estado social impedir a exploração de seus cidadãos. Ver: SCHÜNEMMAN, Bernd. O direito penal é a ultima ratio da proteção de bens jurídicos! – Sobre os limites invioláveis do direito penal em um Estado de Direito liberal. In: Revista brasileira de ciências criminais, ano 13, n. 53. Sâo Paulo: RT, 2005, p. 35.

[13] RIGOPOLOU, Maria. Op. cit., p. 357.

[14] Assinalando uma resistente carência de desenvolvimento doutrinário acerca do paternalismo legal em diversos aspectos, Von Hirsch leciona que “a discussão sobre o paternalismo legal nos anos 80 [época em que Feinberg desenvolveu seus estudos] deu pouca atenção à questão acerca de quais podem ser as diferenças fundamentais entre as proibições paternalistas no direito penal e em outras formas de intervenções estatais coativas (exemplificativamente, as do direito civil ou do direito administrativo) que se direcionem a impedir comportamentos autoprejudiciais” (Op. cit., p. 14); mais à frente, pondera: “segundo meu julgamento, existem problemas específicos quando se acionam sanções penais, ainda que o modelo de um paternalismo limitado possa justificar intervenções coercitivas estatais de outras naturezas (por exemplo, de natureza civil ou administrativa)” (Op. cit., p. 18). Finalmente, arremata: “se minha argumentação anterior, que se concentrou na característica de censura da sanção e na inapropriação da censura penal para comportamentos autoprejudiciais, está correta, seria possível argumentar que, tendo em vista, por exemplo, a baixa gravidade da sanção relativa à obrigação de usar cinto de segurança. Não existiria uma reação verdadeiramente de censura nos termos do direito penal tradicional. No direito alemão, tais formas de comportamento seriam frequentemente consideradas infrações contra-ordenacionais (Ordnungswidrigkeiten) e não exprimiriam, por isso, uma verdadeira censura penal”. Op. cit., p. 26-27.

[15] Aqui é necessário afastar-se do posicionamento esposado por Mill, que recusa intervenções oficiais paternalistas mesmo quando realizadas por meio de regulação extrapenal: “tributar estimulantes com o único propósito de dificultar sua obtenção é uma medida que difere apenas em grau de sua proibição completa, e seria justificável apenas se esta fosse justificável”. MILL, John Stuart. Op. cit., p. 111.

Capítulo 5

Bem estar e virtude moral

Paternalismo e drogas

Isso posto, cumpre investigar se a incriminação do porte de drogas para consumo pessoal constitui uma intervenção penal de natureza paternalista e, em caso afirmativo, examinar a sua eventual legitimidade à luz dessa circunstância.

É induvidoso que drogas podem ser altamente nocivas à saúde de seus consumidores, bem como que em padrões elevados de consumo causam males de diversas ordens e, inclusive, a morte de muitos. E se a sua proibição tenciona assim se justificar, o mesmo deveria aplicar-se, coerentemente, ao consumo de toda e qualquer substância com semelhantes potencialidades nocivas, como o álcool e o tabaco, mas não só: também o consumo excessivo de refrigerantes, frituras ou carne vermelha poderia ser proibido nessas bases.[1] Ocorre que não podem sê-lo, sob pena de o Estado cometer indevida intrusão paternalista na liberdade de escolha individual sobre o que – e o quanto – se queira consumir.

Na medida em que a proibição se proponha, fundamentalmente, a proteger o usuário – e mesmo os usuários em geral – de potenciais males que o consumo de drogas possa acarretar à sua saúde física e/ou psíquica, efetivamente resta claro estar-se diante de exemplo de indevida intervenção paternalista[2] direta. Esclarece Von Hirsch a diferença existente entre o paternalismo legal direto e o indireto, consistente no fato de que este tenciona proteger o interesse de uma pessoa em face de lesão causada por outrem, ainda que genuinamente consentida, ao passo que o primeiro pretensamente protegeria o interesse de alguém sobre eventual lesão causada por si próprio;[3] nessa medida, e por essa razão mesma, não se deve admitir a justificação do paternalismo legal direto para fins de intervenção penal.[4]

Assim é que teóricos como David Richards, Joel Feinberg, Michael Moore e Douglas Husak afirmam estar o liberalismo comprometido com um direito subjetivo ao uso recreativo de drogas, o qual derivaria das noções de autonomia liberal (Richards, Feinberg, Husak) e de soberania pessoal individual (Feinberg).[5] Nessa linha, desde que informado, voluntário e não prejudicial a interesses de terceiros, remanesce como direito do indivíduo mesmo que lhe importe elevado perigo,[6] cabendo lembrar que, para Feinberg, “o direito da pessoa à autodeterminação, porquanto soberano, tem precedência sobre seu próprio bem”,[7] pelo que inadmite interferência externa senão com o escopo de determinar se a escolha é realmente voluntária e esclarecida.[8]

Ainda nessa esteira, impende assinalar que a análise da legitimidade da incriminação do porte de drogas para consumo pessoal não reclama maiores considerações à luz da teoria do bem jurídico, porquanto lhes precede e se lhes sobrepõe a indagação sobre se se está diante de conduta de que possa o Estado exigir que o cidadão lhe preste contas,[9] ou se isso se trataria de ingerência indevida. E, com efeito, “se o comportamento pertence à esfera privada ou de autonomia do agente, a rigor sequer se coloca a questão do bem jurídico”.[10]

De outro ângulo, porém, pode-se crer que a questão adquira viés diverso e de certa complexidade uma vez que se considere que o âmbito de proteção da norma penal incriminadora do consumo de substâncias psicoativas deva se estender ao escopo de prevenção de ofensas colaterais resultantes de tal consumo, como é o caso dos males sociais que alguns supõem manter relação de causalidade com o uso de drogas.[11] Nesse passo, importa observar que – como já dito – não parece haver dano individual que não apresente algum efeito colateral qualquer – de interesse indireto de terceiros –, o que, no entanto, não invalida o raciocínio acima expendido no que toca aos critérios efetivos de justificação da proibição; ademais, é prudente considerar que muito dos efeitos colaterais que comumente são atribuídos ao consumo dessas substâncias não necessariamente daí derivam, mas podem ser atribuíveis à própria proibição;[12] finalmente, note-se que dessa forma se estaria a justificar a incriminação mediante o fim de eventual prevenção de possíveis vitimizações futuras de terceiros, com o que a ratio legis da incriminação do porte de drogas para consumo pessoal passaria a albergar a pretensão de evitar a causação de males à saúde de outras pessoas e/ou de atos ilícitos alheios ao fato incriminado. É mesmo de se ver que o porte de drogas para consumo pessoal não ofende “nem a sociedade nem a quem quer que seja”.[13]

Nesse ponto, sem embargo das considerações acima apresentadas,[14] não é demais discutir se lesões causadas potencial e mediatamente poderiam dar legitimar uma específica antecipação da tutela penal com base na (alegada) natureza criminógena do consumo de psicoativos.[15]

Um tal entendimento, contudo, necessariamente implicaria a admissibilidade da responsabilização penal por fato futuro e incerto, seja ele próprio ou mesmo – e espantosamente – alheio. Ressalta-se nessa hipótese, desde logo, um flagrante conflito com o princípio da responsabilidade penal própria,[16] característica indissociável de qualquer direito penal que se pretenda democrático, o qual estatui ser a responsabilidade penal imputável a pessoas determinadas e somente em virtude de fatos determinados a que preteritamente hajam dado causa[17]. Resolutamente, não se afigura razoável aceitar-se a incriminação de condutas com base no mero fato de possibilitarem eventuais lesões ulteriores sobre as quais o autor original – criminalmente imputável – não detém controle ao tempo de sua ação, e essa objeção remanesce válida ainda que, mediante decisões e atos futuros, o mesmo agente possa vir a concorrer para a prática de tais lesões.[18] Com isso, evidentemente não se exclui a adequada e necessária responsabilização penal sobre casos em que o autor original, desde logo, apresente desígnio concorrente com a decisão de futura causação de ofensa a terceiro – no que resulta evidentemente reprovável;[19] todavia, a penalização do condutor de automóvel intoxicado, do furtador intoxicado e do agressor intoxicado da esposa se justifica ante o fato de agirem indevidamente sob influência de drogas, não por consumir drogas,[20] hipótese em que a tutela penal remanesce injustificada. Dessa forma, permite-se refutar toda e qualquer intervenção estatal que revele a ilegítima expressão de um paternalismo penal direto.[21]

A conclusão a que se chega é de que a incriminação do uso de drogas é irremediavelmente ilegítima, visto que, conforme asseverou Miguel Reale Júnior, constitui “um abuso do poder de punir”.[22]

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[1] MOORE, Michael S. Op. cit., p. 172-173; GRECO, Luís. Posse de droga, privacidade, autonomia: reflexões a partir da decisão do Tribunal Constitucional argentino sobre a inconstitucionalidade do tipo penal de posse de droga com a finalidade de próprio consumo. In: Revista brasileira de ciências criminais, ano 18, n. 87. São Paulo: RT, nov-dez/2010, p. 99.

[2] ESTELLITA, Heloísa. Op. cit., p. 337-338.

[3] VON HIRSCH, Andrew. Op. cit., p. 12-13.

[4] Idem, ibidem, esp. p. 12-13; 23-26.

[5] Ver, por todos: FREEMAN, Samuel. Op. cit., p. 184.

[6] Idem, ibidem, p. 199. O autor admite a possibilidade de restrição sobre esse direito se um cidadão atinge um grau de intoxicação que o incapacita indefinidamente no tempo (p. 205), ou “se as consequencias da livre disponibilidade de uma droga deterioram substancialmente a habilidade de uma sociedade liberal para produzir recursos adequados ao sustento ou à reprodução da cultura e das instituições liberais de uma geração à seguinte” (p. 208-209).

[7] FEINBERG, Joel. Op. cit., p. 61.

[8] Idem, ibidem, p. 61. Em sentido contrário, recusando a prevalência da soberania individual, De Marneffe sustenta a legitimidade da intervenção penal paternalista fundada no escopo de proteger oportunidades: “o fim dessa política não é o de regular a vida de alguém de acordo com uma concepção de felicidade qualquer que o governo adote ou queira impor, mas o de simplesmente desencorajar certa atividade que possa implicar duradouras consequencias negativas ao bem-estar de uma pessoa, conforme ela possa compreender mais tarde em sua vida” (DE MARNEFFE, Peter. Against drug legalization, In: HUSAK, Douglas; DE MARNEFFE, Peter. Op. cit., p. 146). Todavia, para além de violar a autodeterminação soberana, essa idéia – como adverte Rigopolou apoiando-se em Von Hirsch – desloca indevidamente a pena da reprovabilidade de uma conduta pretérita à prevenção da garantia de oportunidades futuras, para o que se revela “forma inadequada de reação”. RIGOPOLOU, Maria. Op. cit., p. 356-357.

[9] GRECO, Luís. Posse de droga… cit., p. 100.

[10] Idem, ibidem, p. 100.

[11] Greco (ibidem, p. 91) criticamente recorda, a propósito, que o Tribunal Constitucional alemão, quando chamado a apreciar a questão, “reportou-se às ‘múltiplas consequências e implicações sociais’ para negar que aqui exista um direito inviolável”.

[12] Afirma-se frequentemente que crimes patrimoniais cometidos para adquirir drogas devem-se em grande medida ao impacto artificial na oferta forjado pela proibição, bem como que esta constitui convite à corrupção e à atuação de grupos criminosos organizados, e ainda que ela impede o conhecimento pelos próprios traficantes e usuários do que exatamente se está a vender e a consumir, incrementando problemas de saúde pública (RICHARDS, David. Sex, drugs, death and the Law: an essay on human rights and overcriminalization. Totowa: Rowman & Littlefield, 1986, p. 165-166; HUSAK, Douglas. Op. cit., p. 93-94; DE GREIFF, Gustavo. La creación legislativa de delitos (el delito y la ley). In: DE GREIFF, Pablo; DE GREIFF, Gustavo (orgs.). Moralidad, legalidad y drogas. México: Fondo de Cultura Económica, 2000, p. 231-233).  

[13] REALE JÚNIOR, Miguel. Instituições de direito penal, vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 25.

[14] Ver item 2.2.

[15] VON HIRSCH, Andrew. Op. cit., p. 25.

[16] Idem, ibidem, p. 25. Ao investigar o fundamento da responsabilidade penal própria (pessoal), Cirino dos Santos, com referências a Baratta, aponta ser “a culpabilidade, como expressão do princípio nulla poena sine culpa (derivado do art. 5º, LXII, CR, que institui a presunção de inocência), indicada pelas condições pessoais de saber o que faz (imputabilidade), de conhecimento real do que fez (consciência da antijuridicidade), e do poder concreto de não fazer o que fez (exigibilidade de comportamento diverso), que estruturam o juízo de reprovação do conceito normativo de culpabilidade: somente a culpabilidade pode fundamentar a responsabilidade penal pessoal para a realização do tipo de injusto”. SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal: parte geral. Curitiba: ICPC – Lumen Júris, 2006, p. 31.32. Ainda a respeito, vejam-se as lições de Zaffaroni e Batista ao que referem como princípio da instranscendência ou da transcendência mínima, compreendendo-o de uma maneira mais ampla: ZAFFARONI, Eugenio Raul; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR; Alejandro. Op. cit., p. 232-233.

[17] Em nosso ordenamento, veja-se o art. 13 do Código Penal.

[18] VON HIRSCH, Andrew. Op. cit., p. 26.

[19] MOORE, Michael S. Op. cit., p. 159-160.

[20] Idem, ibidem, p. 161.

[21] VON HIRSCH, Andrew. Op. cit., p. 26.

[22] REALE JÚNIOR, Miguel. Op. cit., p. 25.

Capítulo 6

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