Segundo especialistas em Direito Digital consultados pelo JOTA, o Brasil já dispõe dos meios adequados para combater as notícias falsas. “Além da responsabilização civil, sempre que implicar calúnia, injúria e difamação, tanto o autor do texto quanto a pessoa responsável pelo site que o está postando podem ser responsabilizados”, afirma o advogado Ronaldo Lemos, pesquisador e representante do MIT Media Lab no Brasil.
Lemos, que é vice-presidente do Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional, é avesso à ideia de derrubar sites que explicitamente mentem e ganham dinheiro com a mentira. “Acho perigoso ter um árbitro sobre o que são as notícias falsas. Tenho medo de que desta discussão surjam novos incentivos e novas formas de gerar mais remoção de conteúdo e censura. Já temos diversas crises de liberdade no país“, afirma Lemos.
A ferramenta Control+X da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI) ajuda a ter uma ideia deste dilema. Ela divulgou dados preocupantes do tratamento dado à liberdade de imprensa por parte do Judiciário. Em 2016, políticos ajuizaram 97 ações requisitando que meios de comunicação se abstivessem de publicar algo relacionado a eles, um crescimento de 300% em relação a 2012. Pior: enquanto 13% dos pedidos de censura prévia foram aceitos pelos juízes em 2012, neste ano, os deferimentos chegaram a 15%. Nestes casos, não se trata de notícias falsas, mas, em tese, de conteúdo noticioso de fato.
As eleições de 2016 também superaram os últimos pleitos em pedidos para retirar sites do ar ou suspender programação de rádio ou circulação de jornais. Foram 606 pedidos – dos quais 342 foram atendidos pelo Judiciário –, contra 582 em 2014 e 412 em 2012. Entre os Estados com mais de dez ações, os que mais tiveram pedidos deferidos foram Ceará (76% dos casos), Espírito Santo (75%) e Bahia (71%).
Outra pesquisa citada por Lemos, feita pela PUC-Rio, mostra que de sete em cada dez casos julgados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em que há conflito da liberdade de expressão com os direitos de personalidade, os segundos acabam se sobrepondo ao primeiro.
O promotor Frederico Meinberg Ceroy, coordenador da comissão de direito digital do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, também não vê com bons olhos a possibilidade de tirar do ar sites que publicam apenas matérias mentirosas. “Qual a diferença na prática destes sites com o Sensacionalista, que produz humor com notícias falsas? Tem que ver especificamente quem é o prejudicado com a notícia. Você está usando o nome de alguém em vão. Quem se sentir prejudicado é a parte legítima para propor uma ação”, diz Ceroy. “Caso contrário, amanhã sites jornalísticos também vão ser censurados. Qual é diferença entre uma notícia falsa e uma matéria em que a fala de um entrevistado foi alterada?”, questiona o promotor, na mesma linha de raciocínio do representante do Pensa, Brasil.
“Enunciados, sobretudo escritos, têm uma carga muito grande de ambiguidade e não existe um parâmetro para dizer: este discurso tem 90% de enunciados verdadeiros, este outro 50%. É impossível”, analisa o filósofo Roberto Romano. “A única maneira de conseguir vencer um discurso ambíguo ou mentiroso é justamente pensar, criticar e comparar — e isto depende muito do grau de inteligência e de cultura de uma população”.
Já o advogado Renato Opice Blum, especialista em Direito Digital, acredita que, em último caso, como medida extrema, cabe a retirada de um site mentiroso do ar. “A liberdade de expressão protege a manifestação do pensamento. Não estamos falando disso, mas de uma alteração da verdade, com algum objetivo que não conhecemos”, afirma Opice Blum. Para o advogado, além da responsabilidade civil e da possibilidade de responder por injúria, calúnia e difamação perante as vítimas das mentiras, autores de sites de notícias falsas podem ser alvos também de ações relacionadas ao direito do consumidor. “Na prática você está apresentando um produto, a informação, que é fraudulento. É enganoso na apresentação. Você está ferindo o propósito do consumidor, mesmo que a remuneração seja indireta”, diz. Segundo ele, esta prática pode gerar uma ação de qualquer órgão do consumidor e de qualquer um que sentir lesado para reparação do conteúdo mentiroso e, em caso de recusa, retirada do conteúdo e, em último caso, do próprio site do ar.
O jornalista Rosental Alves discorda dessa visão. “Os aproveitadores das mentiras oferecem um perigo à sociedade maior do que o das mentiras, que são circunstanciais. O maior perigo, estrutural, é a criação de um ambiente caótico onde o Estado ou a Justiça se vejam tentados a usar alguma forma de censura ou alguma forma centralizada de determinar o que é verdade e o que é mentira. O remédio não pode ser pior do que a doença”, afirma. Para Alves, o caminho é mais liberdade, embora a imprensa tenha uma atitude muito passiva em relação à educação midiática dos leitores, assumindo a ideia de que as pessoas sabem distinguir o que é notícia, de opinião; verdade, de mentira. Neste sentido, é extremamente relevante a iniciativa do site da revista VEJA de escancarar inverdades disseminadas online.
A advogada Letícia Provedel, que defende Gilberto Gil na causa contra o Pensa Brasil, acredita que a principal forma de vencer as mentiras online é responsabilizando os autores civil e criminalmente. “Se não doer pesado no bolso, quem está sendo remunerado ao disseminar mentiras não vai parar”, afirma.
Recentemente o site Business Insider mostrou que o algoritmo do Google tende a privilegiar notícias falsas, já que mostra em cima nos resultados das buscas os links que estão sendo mais clicados. A empresa, por sua vez, anunciou que irá retirar os anúncios do Adsense de sites de notícias mentirosas – o que tiraria do mercado aqueles que estão atrás de lucro fácil. O Facebook, depois de tentar minimizar o impacto das notícias falsas nas eleições americanas, anunciou que irá facilitar a sinalização pelo próprio usuário de que determinada notícia é falsa e que criará sistemas para detectar o que os usuários irão sinalizar como falso – antes das próprias pessoas o fazerem. Além disso, anunciou parcerias com serviços de checagem e com organizações que buscam fazer uma alfabetização midiática dos cidadãos.“São iniciativas como estas que devem ser feitas. Devemos combater as notícias falsas com mais informação e com informação de qualidade. Não com mais censura”, afirma Ronaldo Lemos.