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Lava Jato põe credibilidade da CVM em xeque

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Capítulo 1

Comissão de Valores Mobiliários julgará Petrobras e JBS

Depois de mais de três anos de investigações da Lava Jato, operação que levou à prisão grandes empresários e políticos de renome e lança agora suspeitas sobre a conduta do presidente Michel Temer, não teve o mesmo impacto no mercado de capitais – um dos setores mais dinâmicos da economia. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) iniciou 17 apurações relacionadas direta ou indiretamente ao caso, mas nenhuma foi concluída até o momento – uma dezena contra a Petrobras e o restante contra a JBS.

Diferentemente da esfera criminal no Ministério Público Federal, dos cartéis investigados pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e da conduta de servidores sob escrutínio da Controladoria-Geral da União (CGU), a CVM analisa se a Petrobras e a JBS enganaram investidores, impondo prejuízos ao mercado como um todo.

A lentidão da autarquia pode provocar um dos maiores prejuízos da história do mercado de capitais no país. A Petrobras é questionada sobre repassar informações equivocadas e dados inflados ao mercado, a partir dos quais investidores compraram ações apostando na empresa. Como possui ações negociadas na Bolsa de Nova York, a postura da companhia culminou não apenas em processos administrativos na CVM, mas também na abertura de uma class action nos Estados Unidos por um grupo de investidores que aponta prejuízos causados pela gestão da estatal.

A situação gerou um desafio institucional para o mercado e seu regulador. Uma decisão favorável aos acionistas nos EUA levará fatalmente a uma migração para a bolsa norte-americana, uma vez que lá é maior a sensação de proteção judicial em caso de problemas – movimento que esvaziaria a B3 brasileira.

“O impacto de um julgamento nos EUA antes daqui é terrível. É a mesma coisa que chegar ao investidor e dizer: ‘se você quer investir em companhias brasileiras, compre títulos fora do país, não compre no Brasil, pois aqui você estará totalmente desprotegido’”, disse a advogada Érica Gorga, perita na class action envolvendo a Petrobras e professora da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da FGV (EAESP). “Os grandes fundos vão preferir investir em outras economias emergentes, e não aqui.”

A correlação com o mercado americano também está presente no caso da JBS. A CVM enfrenta o teste de avaliar a venda de ações por controladores da JBS durante o período em que eles negociaram um acordo de colaboração premiada com a Procuradoria-Geral da República (PGR). A companhia tinha o interesse de abrir o capital na Bolsa de Valores de Nova York (NYSE), onde mora atualmente o empresário Joesley Batista, responsável por gravar conversas com o presidente Michel Temer e com o deputado federal Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR). Nos diálogos, o auxiliar presidencial manifesta o plano de nomear integrantes da CVM alinhados aos interesses do empresário.

Os casos embutem o cumprimento de dois princípios basilares do mercado de capitais: a transparência das empresas listadas em Bolsa e o grau de confiança que os investidores podem ter sobre os negócios realizados ali.

Nenhum outro gestor ou político nacional sofre pressão maior sobre este tema que o presidente da CVM, Leonardo Pereira, cujo mandato pode terminar em julho sem que os casos da Lava Jato sejam julgados pela autarquia. A eventual migração de investidores para outra jurisdição em busca de maior segurança jurídica seria um duro golpe na reputação da CVM. O paradigma quebrado pela JBS também indica o alcance da cooperação da comissão com outros órgãos investigadores.

Capítulo 2

Direitos políticos nos anos de prejuízo

A megacapitalização

O tamanho e relevância da Petrobras no mercado acionário, o fato de ser controlada pela União e ter sua atuação pautada pela Presidência da República e seus ministros, elevam a importância e urgência da conclusão dos julgamentos na CVM dos casos envolvendo a estatal e a Lava Jato.

Ex-integrantes e ex-presidentes do Conselho de Administração, ex-diretores e também a União são investigados pela CVM desde o início de 2014. À época, o conselho era presidido pelo então ministro da Fazenda, Guido Mantega. Investigado atualmente na operação Lava Jato, foi ele quem nomeou Leonardo Pereira, que hoje tem a prerrogativa de pautar os processos da Petrobras para julgamento, depois que terminar a instrução na área técnica. Se condenados, os envolvidos podem sofrer multas e serem afastados do mercado.

“É necessária uma resposta rápida e efetiva, com uma leitura regular sobre o comportamento dos envolvidos”, avalia Viviane Muller Prado, coordenadora do Núcleo de Estudos em Mercado de Capitais da FGV Direito-SP. “Quanto maior o lapso temporal entre o fato e o julgamento, maior pode ser a percepção do mercado de impunidade e incapacidade de atingir o objetivo do sistema punitivo.”

De acordo com Viviane, uma das maiores especialistas do país nas regras do mercado acionário, para que novas condutas “reprováveis” sejam evitadas, “é preciso que a decisão do regulador venha o mais próximo possível da conduta investigada”. Na CVM, há cinco inquéritos e cinco processos administrativos sancionadores (PAS) em andamento envolvendo a estatal, ligados direta ou indiretamente à Lava Jato.

Um dos principais deles não tem relação com a Lava Jato. Refere-se ao Processo Administrativo Sancionador RJ-2015-10276, que apura se houve indução ao erro durante oferta pública de distribuição de ações da Petrobras em 2010, no final de mandato do ex-presidente Lula (PT). A ex-presidente Dilma Rousseff envolveu-se diretamente nas discussões sobre o modelo de partilha para exploração de petróleo. Ela acumulou a chefia da Casa Civil de Lula com a presidência do Conselho de Administração da Petrobras até o fim de março daquele ano, quando deixou o cargo para concorrer ao Palácio do Planalto e foi substituída na estatal por Guido Mantega.

No ano de capitalização da estatal para a exploração do pré-sal, a oferta levantou R$ 120,2 bilhões em valores da época – R$ 185,4 bilhões atualizados pela inflação do período. O volume da operação levou o mercado a chamá-la de megacapitalização da Petrobras. A CVM apura se houve indução ao erro por parte da estatal ao mercado e acionistas minoritários. Acusado, Sérgio Gabrielli comandava a estatal em 2010.

Na oferta, foi informado que os acionistas detentores de ações com preferência na distribuição de dividendos – as chamadas ações preferenciais – não teriam direito de voto no Conselho de Administração sobre decisões estratégicas da Companhia, a menos que o dividendo deixasse de ser pago por três exercícios consecutivos. É neste ponto que a apuração se entrelaça com a operação Lava Jato.

No último ano do primeiro mandato de Dilma Rousseff (2014), a Petrobras registrou prejuízos devido ao esquema de corrupção que levou parte de seus diretores à prisão por ordem do juiz federal Sergio Moro. A divulgação do balanço daquele ano foi cercada de controvérsia, com a divulgação sendo adiada algumas vezes depois que auditores independentes se recusaram a assinar o balanço.

No dia 22 de abril de 2015, a Petrobras informou que prejuízo de R$ 21,6 bilhões no ano de 2014, em função, principalmente, da perda por desvalorização de ativos – impairment (R$ 44,6 bilhões), da baixa de gastos adicionais capitalizados indevidamente no âmbito da Operação Lava Jato (R$ 6,2 bilhões), do provisionamento de perdas com recebíveis do setor elétrico (R$ 4,5 bilhões), das baixas dos valores relacionados à construção das refinarias Premium I e II (R$ 2,8 bilhões) e do provisionamento do Programa de Incentivo ao Desligamento Voluntário- PIDV (R$ 2,4 bilhões).”

As perdas daquele ano levaram acionistas a questionarem a estatal sobre o direito a voto, com base na previsão de exercício deste direito político em contraponto à falta de pagamento de dividendos – regra prevista na megacapitalização de 2010. Em seguida, a CVM engrossou o coro com dúvidas sobre o tema.

À Superintendência de Relações com Empresas (SEP), a Petrobras alegou que, diferentemente do que foi informado durante a oferta de ações em 2010, as ações preferenciais “jamais poderiam adquirir direito a voto”, mesmo em um cenário de não distribuição de dividendos.

Ao serem confontados por “menção à aquisição a direito de voto depois de três exercícios consecutivos” e “omissão aos efeitos da ‘Lei do Petróleo’ em relação ao direito de voto dos preferencialistas”, a Petrobras, e os ex-presidentes da estatal Graça Foster e José Sérgio Gabrielli propuseram a assinatura de um Termo de Compromisso (TC) com a CVM. A proposta previa pagamento de R$ 640 mil em multas Se o termo fosse aceito pelo colegiado do órgão regulador, o processo seria suspenso e, após o cumprimento das obrigações assumidas, extinto.

O Bradesco BBI também participou da proposta de TC, por ser investigado como instituição líder do consórcio de distribuição da oferta de ações na megacapitalização. Segundo a CVM, o banco “teria o dever de assegurar que as informações prestadas eram verdadeiras e corretas”.

A autarquia rejeitou o TC em outubro do ano passado. Em anúncio ao mercado, a CVM informou que “entendeu que as propostas apresentadas ainda não eram suficientes para desestimular práticas de condutas semelhantes”.

Termo de Compromisso é um documento por meio do qual pessoas físicas ou companhias se comprometem a não repetir uma conduta ilícita no mercado, realizando o pagamento de multa. Em troca, ganha o direito de ter seu processo administrativo sancionador suspenso, caso a proposta seja aprovada pela diretoria colegiada da autarquia. O dinheiro oriundo de Termos de Compromisso e de multas aplicadas pela CVM vão, em regra, diretamente para o caixa da União.

Capítulo 3

As investigações contra a estatal

Inquéritos e processos

No total, são cinco inquéritos administrativos tramitando na CVM sobre a Petrobras, na Superintendência de Processos Sancionadores. Nessa fase, a CVM levanta e apura as informações coletadas para, futuramente, formular uma acusação. Outros cinco processos já tiveram acusação formulada pela área técnica.

Em um deles, são aguardados os depoimentos de Nestor Cerveró e Pedro Barusco no órgão regulador, que está apurando irregularidades na contratação da SBM Offshore, empresa holandesa que presta serviços à indústria do Petróleo.

O ex-diretor da área internacional da Petrobras e o ex-gerente de serviços da estatal terão de esclarecer o processo de contratação da SBM Offshore por parte da Petrobras. A empresa holandesa fechou acordo de leniência com o MPF na operação Lava Jato.

A construção da Refinaria de Abreu e Lima também é alvo de investigação. A CVM investiga o caso a pedido dos acionistas minoritários da estatal, já que a refinaria causou prejuízo de US$ 3,2 bilhões à Petrobras. O dado foi divulgado em um relatório de auditoria interna, em 2015.

A construção do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) também é investigada pela CVM. Na Lava Jato, a força-tarefa abriu inquérito para apurar corrupção em contratos do complexo.

A compra da Refinaria de Pasadena pela Petrobras está igualmente na mira da CVM. O caso chegou à autarquia após denúncia de acionistas da Petrobras. A compra da refinaria causou um prejuízo de US$ 1 bilhão à estatal.

Eventuais casos ligados à Braskem também podem vir a ser apreciados pelo colegiado da CVM.

Lealdade de Guido Mantega

Outro processo que está para ser apreciado pela CVM refere-se ao ex-ministro da Fazenda Guido Mantega. Ele, Miriam Belchior, ex-ministra do Planejamento e outros seis ex-executivos estão sendo investigados por não terem servido com “lealdade à companhia e manter reserva sobre os seus negócios” (art. 155 da Lei das S.A) ao aprovarem o Plano de Negócios quadrienal da companhia em fevereiro de 2014.

Mantega responde ao processo pois, à época, era presidente do Conselho de Administração da Petrobras, cargo no qual ficou até março de 2015. Ex-presidente do BNDES, Luciano Coutinho, que também é investigado no caso, o substituiu.

O procedimento apura se os conselheiros induziram investidores a erro ao aprovarem o plano de negócios da Petrobras para o período de 2014 a 2018, e, ao mesmo tempo, conduzirem política de controle de preços a combustíveis que não estaria de acordo com o próprio plano.

Eles podem ser multados pelo colegiado, que pode até proibi-los de assumir cargos em conselhos de administração e fiscais de companhias abertas.

O processo está com o relator do caso, diretor Pablo Renteria.

Capítulo 4

Prejuízo difícil de calcular

Class Action nos EUA

Pela alta volatilidade do mercado financeiro brasileiro, alguns advogados avaliam que é difícil de calcular qual foi o prejuízo que a corrupção causou aos acionistas minoritários da Petrobras.

“Queda no preço do petróleo ou aumento de juros nos EUA mexe tanto com as ações da Petrobras quanto uma operação da Polícia Federal que mira ex-diretores da estatal”, disse Ricardo Peres Freoa, advogado de mercado de capitais do Stocche Forbes.

Freoa afirma que o fato de não ter muitos investidores no mercado de capitais brasileiros deixa difícil construir nexo de causalidade entre conduta e queda no valor das ações.

Além disso, o Judiciário brasileiro não costuma reconhecer legitimidade aos acionistas minoritários que pleiteiam indenização pela queda no preço das ações, já que, segundo a doutrina brasileira, eles não sofrem dano direto. “Quando o preço cai, o investidor sofre dano indireto. Quem sofre o dano direto é a própria companhia”, explica Marcos Sader, advogado especialista em mercado de capitais.

Marcos explica que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se manifestou sobre dano indireto em mais de uma oportunidade. Na análise do REsp 1214497/RJ, por exemplo, o STJ entendeu que é parte “ilegítima” para ajuizar a ação individual o acionista que “sofre prejuízos apenas indiretos por atos praticados pelo administrador ou pelos acionistas controladores da sociedade anônima”.

Prejuízo difícil de calcular

Além da demora em concluir as investigações sobre a conduta de ex-executivos da Petrobras, outro fator que coloca em xeque a credibilidade da CVM com potencial de esvaziamento da Bolsa são as ações coletivas (class actions) ajuizadas por investidores na Justiça dos Estados Unidos. Isso porque é possível comprar American Depositary Receipt (ADR), recibos lastreados em ações de empresas estrangeiras, na Bolsa de Valores de Nova York (NYSE).

Como pesam suspeitas sobre como a Petrobras se portou perante o mercado diante das perdas provocadas por corrupção, uma decisão da Justiça norte-americana passa aos investidores a ideia de que há mais segurança em comprar ADRs que ações da estatal na B3.

De acordo com advogados, se a class action avançar nos EUA e a investigação não for julgada na CVM, o mercado pode ter a impressão de que é melhor ser um acionista minoritário da Petrobras nos EUA do que no Brasil, já que nos Estados Unidos os investidores teriam meios mais efetivos de obter reparação dos danos causados.

A Lava Jato surge como um fator fundamental na precificação das ações na Bolsa brasileira. Por exemplo: em dezembro de 2013, quatro meses antes da deflagração da operação Lava Jato, o valor de mercado da empresa (preço da ação x número de ações) era US$ 91 bilhões. Um ano depois da operação, a queda constatada foi de 43,6%, e a estatal estava cotada em US$ 51,6 bilhões.

Enquanto a CVM ainda investiga a companhia em inquéritos que serão convertidos em processos administrativos antes de serem submetidos ao colegiado para julgamento, a estatal já fez acordo nos EUA para encerrar 19 ações ajuizadas por investidores de um total de 27, que foram consolidadas na Class Action.

O advogado André de Almeida, responsável por mover a class action, afirmou ao JOTA que o processo, atualmente, está pendente de uma decisão do Tribunal de Nova York sobre o tamanho da “classe” de acionistas que se beneficiarão da Class Action. Já segundo a Petrobras, “não é possível fazer estimativa confiável sobre o desfecho da class action”.

O valor total do ressarcimento aos investidores na class action pode chegar a US$ 10 bilhões.

Falta de prestígio

Além do teste de credibilidade perante o mercado e a opinião pública, a CVM sofre de uma falta de prestígio com a equipe econômica. Profissionais com atuação no mercado de capitais criticam a atenção que é dada à autarquia por parte do Governo Federal.

“Há uma impressão de desprestígio da CVM perante o Governo Federal”, apontou Mauro Rodrigues da Cunha, presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec).

Um exemplo, de acordo com Mauro, foi a ausência do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, em eventos comemorativos dos 40 anos da CVM, ocorridos entre novembro e dezembro do ano passado, tanto no Rio de Janeiro quanto em São Paulo.

A divulgação dos termos do acordo de colaboração premiada de Joesley Batista, da JBS, levantou dúvidas sobre nomeações para a comissão. Em conversas com o deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), auxiliar próximo de Temer, o empresário demonstra interesse em aparelhar a autarquia com nomes que defendam o interesse da companhia.  

Outro ponto mencionado pelo presidente da Amec é a autonomia financeira da CVM. Não há concursos públicos para o quadro técnico da autarquia desde 2010.

“Não está sendo observado que é uma autarquia de regime especial, dotada de autoridade administrativa independente”, criticou Mauro.

A crítica do presidente da Amec é constatada pela própria CVM. No último relatório da Supervisão Baseada em Risco, aprovado pelo colegiado e divulgado todo ano pela autarquia, a CVM afirma que “os fatores limitadores à implantação do Plano Bienal 2017-2018” são “orçamento, recursos humanos e sistemas informatizados”.

Capítulo 5

Controladores movimentaram câmbio e ações

Ganhos da JBS com delação

Além da Petrobras, maior estatal brasileira, entrou na mira da CVM a JBS – companhia que mais fazia doações eleitorais no país, depois de vir à tona a negociação de um acordo de colaboração premiada de seu controlador, Joesley Batista, com a Procuradoria Geral da República na Lava Jato.

A explosiva delação premiada da empresa, que atingiu o coração do Palácio do Planalto, pode não ter trazido apenas benefícios para a companhia: além de um suposto uso de informações privilegiadas, desconhecidas do grande público (insider trading) para ganhar com a venda de ações, a CVM ainda investiga se os controladores da JBS abusaram de seu poder de dirigir os negócios e operações da companhia, agindo em benefício próprio.

A autarquia avalia também a atuação da JBS S.A. e do Banco Original S.A. (integrante do mesmo grupo econômico) em operações nos mercados de dólar futuro e derivativos.

Os controladores da companhia venderam, nos dias 20, 24, 25, 26, 27 e 28 de abril deste ano o equivalente a 31.777,500 ações ordinárias da JBS, operação que resultou na movimentação de um volume financeiro de aproximadamente R$ 328,5 milhões pelos acionistas controladores da companhia. Nesse período, a JBS estava em negociação de delação com a Procuradoria-Geral da República.

O caso da JBS servirá como mais um teste para a CVM. Não há jurisprudência na autarquia de insider trading por fatos alheios à companhia, que, neste caso, é a delação premiada que estava sendo negociada com a PGR.

Capítulo 6

CVM se empenha para mudar a lei

Aumento no valor das multas

Nos bastidores, tão importante quanto agilizar o julgamento dos casos envolvendo a Petrobras será modificar a legislação para aumentar o valor das multas que podem ser aplicados pela autarquia. O interesse, neste ponto, é elevar o caráter dissuasório das sanções, tentando evitar que casos como esses se repitam no mercado de capitais brasileiro.

Hoje, o valor máximo, em regra, é R$ 500 mil reais – em casos de insider trading e manipulação de mercado, por exemplo, esse teto não é aplicado, já que é possível aplicação de multas calculando três vezes a vantagem auferida.

“A reclamação frequente é que os casos são julgados, mas como o valor da multa é baixo, não há uma resposta para dissuadir a prática”, Vinicius Fadanelli, advogado de mercado de capitais do Souto Correa, destacando a importância do aumento do valor da multa.

Fontes ligadas à CVM ouvidas pela reportagem dizem que o presidente Leonardo Pereira vem se empenhando desde o início de seu mandato para fazer andar o projeto de lei que visa aumentar o valor de multas que podem ser aplicadas pela Comissão. O texto segue sob análise na Casa Civil da Presidência, depois de ter recebido o aval da CVM e do Banco Central para ir em frente. A Superintendência de Relações Institucionais da CVM é responsável por fazer o acompanhamento do tema em Brasília.

Há exceções, em que a CVM pode punir com multa equivalente a cinqüenta por cento do valor da emissão ou operação irregular ou  três vezes o montante da vantagem econômica obtida ou da perda evitada em decorrência do ilícito.

O JOTA revelou, em 8 de outubro 2015, o anteprojeto do Planalto, à época governado por Dilma Rousseff (PT), que pretendia aumentar o valor da multa aplicada pela autarquia a R$ 500 milhões, ou seja, um aumento de 99.900%. Apenas o suposto uso de informação privilegiada pela JBS, cujos controladores venderam ações durante o período de negociação do acordo de delação premiada de Joesley Batista, pode resultar em multa de R$ 254 milhões.

Leonardo tem dito em entrevistas que as recentes trocas no comando do Ministério atrapalharam o trâmite do projeto. Nos últimos dois anos, três ministros diferentes estiveram à frente da pasta da Fazenda (Joaquim Levy, Nelson Barbosa e Henrique Meirelles atualmente), e isso fez com que Leonardo tivesse que retomar, sempre que houve mudança, o diálogo com o responsável pelo ministério. A discussão, portanto, voltava à estaca zero.

Procurado por meio de sua assessoria de imprensa, o Ministério da Fazenda informou que não se pronunciará sobre o assunto.

Capítulo 7

Planalto escolherá sucessor

Fim de gestão

Além do empenho em elevar a multa da CVM, advogados têm uma visão de que o mandato de Leonardo Pereira teve destaque por seu olhar administrativo da autarquia, com foco na redução de prazos processuais, de 11 para dois anos, e avanços institucionais.

Sem formação jurídica, o que não é exigência para o cargo, Pereira é ex vice-presidente executivo da Gol Linhas Aéreas. Engenheiro de produção e economista pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Leonardo foi vice-presidente e diretor da área de aviação do Citbank na América Latina e em Nova York. Além disso, ele também foi conselheiro da Companhia Vale do Araguaia.

O mercado financeiro avalia, porém, que o presidente da Comissão é distante, um pouco ausente e fora dos holofotes do mercado. Há avaliações de que ele perdeu um pouco diálogo e entregou pouco ao mercado financeiro.

É consenso entre advogados que é fundamental que um presidente da CVM tenha boa comunicação com o mercado.

Um presidente da CVM sem formação jurídica também é avaliado com bons olhos pela advocacia.

“Muitos dos presidentes anteriores eram advogados. O interessante do Leonardo é que ele trás uma vivência de outra área”, declarou Jean Arakawa, sócio de mercado de capitais do escritório Mattos Filho.

A temperatura sobre o tema subiu com a delação de ex-executivos da JBS. A Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) e o Movimento de Defesa da Advocacia (MDA) divulgaram nota enviada ao ministro da Fazenda Henrique Meirelles na quinta-feira (18/5) pedindo nome técnico para substituir Leonardo Pereira na presidência da CVM.

Em abril, Michel Temer encaminhou ao Senado a indicação do advogado Gustavo Machado Gonzalez, especialista em mercado de capitais, para a vaga da diretoria que estava em aberto desde dezembro. Ainda não há previsões de quando Gonzalez será sabatinado pelos parlamentares.

Capítulo 8

Mercado desconhece visão da autarquia

Mais normas, menos guidance

No âmbito normativo, advogados elogiam recentes normas que foram colocadas em discussão por meio das consultas públicas. Eles dizem que a expectativa para o segundo semestre do ano é ótima.

“Atualmente, há 9 audiências públicas em andamento, tratando de temas relevantes como equity crowdfunding, CIC hoteleiro, prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo, Código Brasileiro de Governança Corporativa, consultoria de valores mobiliários, CRA, entre outros”, destaca Luís Fernando Cunha Villar, advogado especializado em mercado de capitais e colunista do JOTA.

Rubens Vidigal Neto, sócio de mercado de capitais do escritório PVG advogados, diz que, além dos temas em audiência pública, há uma “busca por padronização normativa”.

Rubens critica, porém, a demora na regulamentação da norma dos Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA). Apenas neste mês a autarquia colocou o tema em audiência pública.

“No fim do ano passado, a CVM ampliou o conceito do crédito do agronegócio, abrindo oportunidade de inúmeras operações, mas ainda falta regulamentação”, contou.

Quem concorda com Rubens é Erik Frederico Oioli, professor do Insper, especialista em mercado de capitais e sócio do escritório VBSO.

“Com o mercado de securitização [conversão de ativos financeiros, como dívidas, em valores mobiliários, negociáveis no mercado] aquecido, é um produto que afeta o mercado por conceder benefícios fiscais [isenção de imposto de renda] a pessoas físicas”, avaliou Oioli, sobre CRA.

Falhas na comunicação

Há quem diga, porém, que não adianta editar muitas e aperfeiçoar normas sem que a CVM indique ao mercado como vê alguns temas. Em outras palavras, falta guidance aos investidores sobre questões importantes como negociação de ações por robôs, uso de criptomoedas e outras questões que a tecnologia impõe ao dia-a-dia do mercado acionário.

Segundo Otavio Yazbek, ex-presidente interino e diretor da CVM, há “falhas” na “política de comunicação” com o mercado financeiro.

“A política de comunicação é muito cuidadosa mas acaba não sendo muito expressiva, e isso faz falta. Os participantes do mercado têm que enxergar a visão macro da CVM, para onde a Comissão está indo e quais as suas grandes preocupações”, critica o ex-diretor da comissão.

Ele quer dizer que, há casos em que a Comissão regulamenta uma norma ou toma um entendimento em determinado sentido, mas não passa o recado ao mercado da maneira correta. Um exemplo, de acordo com Yazbek, foi a regulamentação feita pela CVM dos chamados condo-hoteis, empreendimentos com estruturas hoteleiras, que podem ser comprados por investidores.

“Ficou claro que aquilo era um valor mobiliário e, então, estava sujeito à regulação. Mas o mercado não tinha isso claro, e então foram abertos processos contra esses investidores”, diz o ex-diretor. Para ele, a comunicação foi “subestimada” no caso.