Impeachment

Deputados aceitam denúncia e impeachment de Dilma vai ao Senado

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Capítulo 1

O INÍCIO DO FIM

Depois de um ano e 108 dias do início de seu segundo mandato, a presidente Dilma Rousseff sofreu neste domingo sua maior derrota, numa votação que entrará para a história do País. Mesmo com a máquina pública na mão, promovendo intensa negociação de cargos nas últimas semanas com o apoio do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma não conseguiu evitar que a Câmara autorizasse a abertura de processo de impeachment contra ela – eram necessários 172 votos.

Independentemente do resultado no Senado, Dilma Rousseff entra para a história como o terceiro presidente a enfrentar um processo de impeachment. A seu lado estão o ex-presidente Fernando Collor de Mello e Getúlio Vargas.

Depois de mais de nove horas de sessão, presidida pelo principal artífice do impeachment, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a oposição obteve o mínimo de votos necessário para acolher a denúncia contra Dilma depois que 24 Estados votaram.

Chamados um a um ao microfone, 342 deputados federais votaram “sim” neste domingo – pela admissibilidade do pedido de impeachment de Dilma (PT), enviando a denúncia de crime de responsabilidade contra ela ao Senado Federal. O voto decisivo foi proferido pelo deputado Bruno Araújo (PSDB-PE). O último a votar foi Ronaldo Lessa (PDT-AL), contrário ao afastamento.

Dos 513 deputados da Casa, 367 votaram a favor do impeachment e 137 pela rejeição do pedido. Sete se abstiveram e somente dois deputados estavam ausentes.

Com a decisão da Câmara, o Senado está formalmente autorizado a abrir o processo de impeachment contra a presidente.

A presidente permanece no cargo. Ela só será afastada – por um prazo de 180 dias – se for aprovado, por maioria simples, o parecer do relator da Comissão Especial de Impeachment do Senado. Se isso ocorrer, a Presidência da República passará às mãos do vice-presidente, Michel Temer (PMDB-SP).

Nos últimos meses, a Câmara dos Deputados recebeu 50 pedidos de impeachment contra a presidente, um recorde na história do Brasil, segundo o presidente da Casa, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Desse total, 39 foram rejeitados, 10 ainda estão pendentes e um foi aceito.

O pedido analisado na sessão deste domingo foi protocolado em 1º de setembro de 2015. A denúncia foi assinada pelos advogados Hélio Bicudo, fundador do PT, Miguel Reale Jr., ex-ministro da Justiça do governo Fernando Henrique Cardoso, e Janaína Paschoal, professora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

Capítulo 2

O CAMINHO

Como a denúncia tramitou na Câmara

A denúncia foi recebida por Cunha em dezembro e, três meses depois, passou a tramitar na Comissão Especial de Impeachment da Câmara dos Deputados. O relator do caso, deputado Jovair Arantes (PTB-GO), votou pela admissibilidade do pedido e foi seguido pela maioria dos membros da comissão.

Em seu relatório, aprovado pelo grupo, Arantes registrou os fundamentos do pedido votado pelos deputados: as pedaladas fiscais (Constituição Federal, art. 85, VI, e art. 167, V; e Lei no 1.079, de 1950, art. 10, item 4 e art. 11, item 2) e os decretos para abertura de créditos suplementares (Lei no 1.079, de 1950, art. 11, item 3).

No documento assinado por Bicudo, Reale Jr. e Janaína Paschoal, a suposta conivência da presidente Dilma com condutas criminosas em relação à Petrobras também foi listada como motivo para afastá-la do poder. O presidente da Câmara, no entanto, após analisar a denúncia, concluiu que não havia elementos suficientes para processá-la por isso. Este conteúdo ficou de fora do relatório final da comissão.

Em um ambiente polarizado, o rito do processo de impeachment foi questionado no Supremo Tribunal Federal ainda em 2015. No dia 17 de dezembro, o STF anulou procedimentos feitos sob o rito estipulado pelo presidente da Câmara, o que obrigou a Casa a voltar algumas etapas no processo. Pela decisão, o Supremo reafirmou que compete à Câmara dos Deputados analisar se há indícios contra a presidente e ao Senado processá-la e julgá-la.

Meses depois, na antevéspera da votação na Câmara, o STF voltou a ser acionado. Em uma sessão que varou a madrugada de quinta (14/4) para sexta-feira, os ministros rejeitaram recursos de partidos da base governista e da Advocacia-Geral da União para reiniciar o processo e modificar a ordem de chamada dos deputados para votação.

É provável que o Supremo seja acionado diversas vezes durante a tramitação do processo no Senado.

REAÇÃO

Em entrevista coletiva após a votação, o advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, disse que recebeu o resultado da votação com “tristeza e indignação. Segundo ele, decisão foi “puramente política” porque deputados não analisaram os fatos constantes na denúncia.

“Vivemos presidencialismo e não parlamentarismo. No presidencialismo não se pode afastar um presidente da República por um razão puramente política”, afirmou o advogado-geral. “Os dois fatos sobre os quais versa a denúncia, os seis decretos de suplementação de 2015, e o atraso ao pagamento ao Banco do Brasil feito pelo governo central, em relação ao Plano Safra, nunca foram debatidas com profundidade.”

Segundo Cardozo, as duas práticas são legais, foram feitas também por outros governantes e eram aceitas pelo Tribunal de Contas da União. “Isso nos deixa indignados. Essa ruptura com a Constituição configura um golpe.”

O advogado lembrou da trajetória de Dilma na luta contra a ditadura e afirmou que ela lutará “para escrever na história que ela não se acovardou, que ela brigou pelo que acreditava”. “A presidente Dilma Rousseff não titubeará um minuto para defender a democracia.”

Capítulo 3

OS FUNDAMENTOS

Pedaladas em revista

A presidente Dilma Rousseff e sua equipe econômica negavam a prática de pedaladas fiscais antes da eleição. Passado o pleito, e sob forte pressão dos mercados, o governo lentamente modificou o discurso. A prática passou a ser assumida, atribuída a todos os demais governos. Depois, foi a vez de dizer que as pedaladas não violam a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

A “pedalada” foi a maneira informal de se referir ao atraso nos repasses a bancos públicos para custear despesas obrigatórias do governo, como injeção de valores no Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social e benefícios sociais. Essas despesas são executadas pelos bancos públicos, como a instituição de fomento, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. De início, o governo atrasava o repasse para o mês seguinte, numa tática de mascarar os resultados fiscais como o superávit primário – uma economia que a União precisa fazer para demonstrar capacidade de honrar suas dívidas.

O passar do tempo e o descontrole sobre a condução das despesas e receitas do governo levaram a União a postergar repasses aos bancos oficiais por meses a fio. Na prática, isso viola a Lei de Responsabilidade Fiscal que veda o financiamento das atividades do governo com dinheiro de bancos públicos. O objetivo da norma é evitar que o controlador majoritário das instituições financeiras prejudiquem os bancos para bancar políticas públicas. Quando falta dinheiro, o governo deve emitir papéis da dívida pública.

O governo argumenta que não se trata desta prática. Afirma que quando o banco público paga uma conta da União – seja o financiamento de empresas ou programas sociais – ganha o “direito de crédito”. Ou seja, a União não estaria se financiando, apenas usando recursos disponíveis para organizar a seu jeito as finanças públicas.

No total, as pedaladas somavam cerca de R$ 60 bilhões até o ano passado. Os valores só foram saldados após recomendação, pelo Tribunal de Contas da União, para que o Congresso rejeitasse as contas da presidente Dilma Rousseff de 2014.

O outro ponto que consta da denúncia é a assinatura de decretos sem numeração pela presidente Dilma, autorizando despesas que não estariam previstas na Lei Orçamentária, o que usurparia a competência do Congresso Nacional. O governo argumenta que os decretos sem numeração são práticas comuns em todas as esferas e argumenta que, ato contínuo à publicação das normas, Dilma bloqueou outras despesas do Orçamento – o que é chamado tecnicamente de contingenciamento.

Especialistas consultados pelo JOTA nos últimos meses argumentaram que as pedaladas fiscais – praticadas por diversos chefes do Executivo do país nas esferas federal, estadual e municipal – não justificavam o afastamento de Dilma. Essa leitura foi usada politicamente para que o governo passasse a se dizer vítima de um “golpe”.

Outros tantos juristas e especialistas também ouvidos pelo JOTA em finanças públicas defenderam o oposto: as pedaladas configuram, sim, a prática de crime de responsabilidade contra o orçamento da União e, portanto, justificam o impeachment da presidente. 

Capítulo 4

A CONFUSÃO

Ânimos exaltados desde o início

A sessão começou com confusão logo que foi aberta, antes mesmo do pronunciamento do relator do caso Jovair Arantes. O deputado Arthur Florence (PT-BA) pediu a Cunha que retirasse os oposicionistas da mesa. Cunha se negou e o deputado Paulo Teixeira (PT-SP) subiu ali para protestar, causando um princípio de tumulto.

O primeiro a votar, pouco antes das 18h, foi o Washington Reis (PMDB-RJ), que pediu para furar a fila devido a uma questão médica – estava com suspeita da gripe H1N1. “Que, a partir de amanhã, Deus possa derramar muitas bênçãos sobre nosso Brasil e sobre nosso povo brasileiro. Eu voto a favor”, disse Reis (PMDB-RJ), ao iniciar a votação. Em seguida, também votou pela abertura do processo o deputado Abel Galinha (DEM-RR), a partir do qual a ordem de votação seguiu a estabelecida pelo Supremo: alternância entre deputados do Norte e do Sul, por ordem alfabética.

Ainda no início dos votos, o ministro Marco Aurélio Mello do Supremo Tribunal Federal negou duas liminares que poderiam travar o processo.

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Na semana que antecedeu a sessão, uma guerra de versões foi travada em Brasília. Parlamentares davam versões diferentes de suas posições para poder barganhar com os dois lados. Houve romaria de deputados ao hotel feito de quartel-general pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e ao Palácio do Jaburu, residência do vice-presidente Michel Temer – distantes dois quilômetros um do outro. Tanto governistas quando oposicionistas divulgaram, nos últimos dias, números em que se sagravam vitoriosos.

Na tribuna no centro do plenário, colocada especialmente para a votação de hoje, a primeira mudança de posição veio do deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS), que era tido como um voto contrário ao impeachment, mas se absteve. Pouco depois, o deputado Cabuçú Borges (PMDB-AP), que aparecia como indeciso e acabou votando sim.

Ao todo, houve manifestações pró e contra o impeachment de Dilma Rousseff em praticamente todo o país: em 25 estados e no Distrito Federal.

Em São Paulo, a Avenida Paulista ficou lotada e manifestantes assistiram a votação na Câmara dos Deputados por telões que foram montados ao longo da via.

No Distrito Federal, a manifestação ocorreu na Esplanada dos Ministérios e segundo a Secretaria de Segurança Pública haviam 53 mil pessoas favoráveis e 26 mil contrárias ao impeachment. Os organizadores calcularam 150 mil pessoas a favor do impedimento e 100 mil contra.

Já no Rio de Janeiro, manifestantes se reuniram nos Arcos da Lapa para ver a votação na Câmara. A última estimativa da Frente Brasil Popular calculava cerca de 15 mil pessoas.

Capítulo 5

O HORROR

A pobreza intelectual e a deselegância dos deputados

Cada deputado tinha dez segundos para se manifestar na tribuna. De lá, atentaram contra a Língua Portuguesa, como o professor segundo o qual o PT deu “perca total” no País. A imensa maioria dos que votaram sim declarou que o fazia por sua própria família. Citaram nomes de esposas, maridos, filhos, filhas, netos, netas e parentes de criação. Deus veio em segundo lugar na menção dos pró-impeachment. Em suas falas, alguns mencionaram os mais de 10 milhões de desempregados, a recessão por que passa o país, más condutas do governo na área econômica e a corrupção. Muitos adotaram o bordão “Tchau, querida”, dirigindo-se à presidente, e usaram fitilhas verde e amarelas ao redor do pescoço.

Houve bizarrices de todo o tipo, como a defesa dos militares que deram o golpe em 1964, pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSC-SP), e uma homenagem ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, notório torturador da ditadura, pelo pai dele, Jair Bolsonaro (PSC-RJ). Ao terminar de votar contra o impeachment, o deputado Jean Willys (PSOL-RJ) cuspiu na direção de Bolsonaro pai. Willys disse que cuspiu depois de Bolsonaro tê-lo chamado de  “veado”, “queima-rosca” e “boiola”.

Chamou atenção também o deputado Silvio Torres (PSDB-SP), ao dizer que seu estado é comandado há quase duas décadas por “políticos honestos”. Houve até algumas figuras que ficaram levantando o celular com a foto de parentes atrás dos colegas que discursavam para deixar registrado o apreço a suas famílias nas imagens da TV Câmara.

Unanimidade restou apenas para o presidente da Casa, que foi xingado por deputados a favor e contra o impeachment. “Eduardo Cunha, você é um gangster, sua cadeira cheira a enxofre”, afirmou o deputado Glauber Braga (PSOL-RJ). Não bastasse ser comparado ao tinhoso, Cunha foi chamado de canalha e ladrão. Muitos registraram a torcida para que não demore o dia de ele acertar as contas com a Justiça. Um deputado disse que votaria a favor do afastamento “apesar” de Cunha. Deputados contrários ao impeachment repetiram que o processo foi conduzido por um corrupto, uma vez que Cunha é réu da Operação Lava Jato no STF.

Alguns governistas lembraram de mencionar o fundamento do pedido de impeachment, as pedaladas fiscais, ao afirmar que elas não configuram crime de responsabilidade. Quase todos, da tribuna, falaram em democracia e “não ao golpe”.

 

VEJA COMO VOTOU CADA PARTIDO:

 

DEM – 28 a favor

PCdoB – 10 contra

PDT – 6 a favor, 12 contra, 1 abstenção

PEN – 1 a favor e 1 contra

PHS – 6 a favor e 1 contra

PMB – 1 a favor

PMDB – 59 a favor, 7 contra, 1 ausente

PP – 38 a favor, 4 contra, 3 abstenções

PPS – 8 contra

PR – 26 a favor, 10 contra, 3 abstenções e 1 ausente

PRB – 22 a favor

PROS – 4 a favor e 2 contra

PSB – 29 a favor e 3 contra

PSC – 10 a favor

PSD – 29 favor e 8 contra

PSDB – 52 a favor

PSL – 2 a favor

PSOL – 6 contra

PT – 60 contra

PTB – 14 a favor e 6 contra

PTdoB – 2 a favor e 1 contra

PTN – 8 a favor e 4 contra

PV – 6 a favor

REDE – 2 a favor e 2 contra

SD – 14 contra