Independentemente dos argumentos jurídicos ou morais adotados, o raciocínio bayesiano demonstra que a aplicação de um teste para detectar uma situação que não é muito prevalente em uma população conduz a resultados com uma confiabilidade muito inferior à sugerida pelo senso comum. Tal fenômeno é objeto de estudos como os desenvolvidos pelo psicólogo ganhador do Prêmio Nobel de Economia, Daniel Kahneman, e que apontam para a existência de múltiplos desvios cognitivos ligados à estimativa de eventos estatísticos.
O fato é bem conhecido na medicina, área na qual é aplicado largamente a bem da saúde pública. É fundamental que passe a ser conhecido e aplicado também pelos políticos, juristas e formadores de opinião. Um pouco de raciocínio bayesiano, a par de nos levar para além da retórica, pode revelar uma realidade que, muito mais que incômoda, pode ser intolerável até mesmo para os mais aguerridos defensores da proposta.
A intenção do teste de integridade é clara: revelar (e punir) os agentes públicos que tenham conduta imoral ou propensão à prática de atos ilícitos. Sua natureza não determinística é patente, pois se pretende descortinar um “fato” que, dependendo de uma miríade de variáveis, pode ou não ocorrer, o que significa que seu resultado é, a priori, desconhecido e imprevisível.
Ocorre, todavia, que raramente um teste é perfeito. Como é bem sabido na medicina, mesmo um teste laboratorial sofisticado, concebido para detectar um vírus, por exemplo, pode ter falhas. O teste pode gerar um resultado positivo na ausência do vírus (falso positivo), bem como um resultado negativo quando o vírus está lá (falso negativo).
Deixemos de lado o fato de que a hipótese de que pessoas possam ser divididas em corruptas ou não, exatamente como estando ou não contaminadas por um vírus, é profundamente questionável, para dizer o mínimo. Aceitemos por um momento que ela seja possível. Como não há dúvida de que o teste de integridade não é perfeito, ele poderá falhar não detectando um funcionário público corrupto (falso negativo) ou apontando erroneamente como corrupto um funcionário público que não o seja (falso positivo).
Essas falhas podem acontecer por diferentes razões. No falso negativo, o agente corrupto que não é detectado no teste pode perceber que a situação é uma simulação, ou pode estar comprometido com esquemas que o desestimulam a se envolver com a situação simulada. Já o falso positivo pode ocorrer se os responsáveis pelo teste, mesmo involuntariamente, forçarem os limites e interpretarem erroneamente um gesto do agente público como um ato de corrupção. Inúmeros outros exemplos ilustrativos poderiam ser citados, mas nem parece necessário, pois dificilmente alguém discordaria de que o teste de integridade não é 100% perfeito.
Chegamos agora ao ponto relevante da questão. Digamos que 5% dos funcionários públicos sejam corruptos. Assim, se houvesse no Brasil 100.000 funcionários públicos (o que também se supõe a título meramente ilustrativo), 5.000 deles seriam corruptos e 95.000 não o seriam. Digamos ainda, de modo muitíssimo otimista, que a taxa de falhas do teste de integridade é de meros 10% para o falso positivo e que não há possibilidade de falsos negativos – uma hipótese obviamente idealizada para fins puramente ilustrativos e que se não fosse feita geraria resultados ainda piores do que os que iremos mostrar.
Sob tais hipóteses, se o teste de integridade fosse aplicado a todos os 100.000 funcionários públicos, os 5.000 corruptos seriam detectados (já que não há falsos negativos), mas, como nos mostra Bayes, 9.500 dos 95.000 funcionários públicos não corruptos seriam apontados como se corruptos fossem, já que o teste gera 10% de falsos resultados positivos. Assim, o teste de integridade apontará o total de 14.500 agentes públicos corruptos (5.000 agentes corruptos corretamente detectados somados a 9.500 agentes não corruptos detectados por engano). Isso significa que 65%, ou, em outras palavras, aproximadamente 2/3 das acusações de corrupção – com todas as suas consequências – decorrentes da aplicação do teste seriam falsas.
Repetindo, por clareza: para cada agente corretamente detectado pelo teste de integridade como corrupto, haveria dois outros falsamente acusados de corrupção.
A sequência de operações algébricas realizada é meramente ilustrativa, mas o resultado final dessas operações é o mesmo fornecido pela aplicação do Teorema de Bayes, valor que não depende do número de pessoas efetivamente testadas, mas apenas da prevalência do evento na população e dos níveis de confiança do teste.
Assim, para os parâmetros fixados (prevalência de 5% de corruptos dentre os funcionários públicos e níveis de confiança do teste de integridade de 90% para resultado positivo e de 100% para o resultado negativo), a probabilidade de o teste de integridade detectar com acerto um funcionário público corrupto é aproximadamente igual a 1/3, ou menor do que uma prosaica aposta de cara ou coroa.
Os números usados para ilustrar o efeito do Teorema de Bayes para o teste de integridade podem ser redefinidos sem que haja mudança qualitativa do fato que é realmente relevante: a confiabilidade do resultado do teste de integridade é muito menor do que aparenta à primeira vista.
Assim, a verdade oculta que é revelada por Bayes é que a probabilidade de um funcionário público honesto ser punido injustamente pela aplicação do teste de integridade é assustadoramente alta. E essa verdade, que fica nas sombras até a luz de Bayes a evidenciar, muda completamente o cenário de avaliação da medida.