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Às Claras – Projeto faz estudo comparado sobre lobby no Brasil, EUA e América Latina

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Capítulo 1

Uma conversa institucional sobre lobby

O Globo informou no último dia 2 de fevereiro que “os lobistas de todas as atividades empresariais e de todos os naipes políticos estão em pânico”. Segundo o jornal, eles “assistem, sem ter como reagir, ao tratamento que a atividade recebe na esteira da Lava Jato”. Os lobistas, não identificados pelo diário carioca, dizem “que não se pode comparar a ação em defesa de interesses empresariais ou corporativos com os [atos] praticados com o objetivo de desviar recursos públicos; ministros destes e de outros governos avaliam que neste ambiente que foi criado ninguém fará mais nada, pois tudo está sendo criminalizado”.

Os autores do desabafo não esclareceram quem está fazendo a comparação por eles mencionada e insinuaram que a paralisação da atividade econômica no país é consequência do “ambiente que foi criado” na esteira da operação Lava Jato. Essa avaliação, repetida em círculos oficiais e empresariais, não encontra amparo na população.

Duas pesquisas de opinião conduzidas em setembro de 2015 e janeiro de 2016 com mais de vinte mil eleitores pela Ideia Inteligência, uma firma de São Paulo, indicaram que dois terços dos eleitores discordam da tese segundo a qual as investigações sobre o assalto à maior empresa do país é causa da crise econômica. Maiorias de quase nove em dez cidadãos, ou 88%, manifestaram-se contrários, em ambas as enquetes, à hipótese de uma suspensão das investigações por causa do impacto negativo que elas certamente têm sobre os negócios. Esse dado confirma que a Lava Jato tem amplo apoio e está politicamente protegida pela população.

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Por compreensível que seja, a ansiedade dos profissionais especializados em influenciar a formulação e execução de políticas públicas em benefício de seus clientes é sintomática de sua dificuldade de compreender e assimilar a mudança de atitude dos brasileiros provocada pela metástase da corrupção revelada pelas investigações. Este é considerado hoje o maior problema do país, acima da violência, da inflação, do desemprego e do deficiente sistema de saúde, temas que tendem a dominar as preocupações da população em pesquisas de opinião. Evidenciada pelo desfecho do escândalo do Mensalão, em 2012, que marcou o começo do fim da impunidade no país onde, até então, investigações sobre corrupção envolvendo gente poderosa e seus protegidos  terminavam “em pizza”, a nova e mais exigente disposição da sociedade diante de crimes cometidos por líderes e operadores políticos, proprietários e executivos de empresas, altos funcionários de estatais e seus cúmplices ganhou lastro com o Petrolão. Ela sugere que estamos diante de uma saudável mudança cultural num país historicamente desigual e injusto onde a lei, como diz a anedota, valia apenas para “os inimigos”.

A transformação é liderada por uma nova geração de juízes, procuradores de justiça e agentes da lei nascida e educada no regime democrático instaurado em 1985. São servidores que compreendem e zelam pelo interesse público, têm boa formação, recebem remuneração adequada e desempenham a tarefa de promoção da justiça guiados pelo princípio basilar do devido processo legal. Evidência disso é o fato de que, dos 413 recursos apresentados pelos defensores dos acusados em segunda e terceira instâncias da Justiça, desde que a Lava Jato foi deflagrada em março de 2014, somente 16, ou menos de 4%, foram concedidos total ou parcialmente.

Este é o contexto que levou o Brazil Institute do Woodrow Wilson International Center for Scholars, de Washington, a acolher a proposta de pesquisa de Milton Seligman sobre o papel dos grupos de interesse — os chamados “lobbies” — na formulação e execução de políticas públicas nos vários níveis de governo no Brasil. Memorial nacional do vigésimo oitavo presidente dos EUA, o Wilson Center é um espaço de estudo e análise de políticas públicas que prima por aproximar praticantes e estudiosos da arte de governar. O projeto reúne professores e pesquisadores de universidades de prestígio internacional nos Estados Unidos e no Brasil (veja a lista completa mais abaixo).

Engenheiro de formação, o gaúcho Seligman aporta ao estudo do assunto a experiência de quatro décadas de atuação nos setores público e privado. No anos 1980 e 1990, ele esteve próximo ao deputado paulista Ulysses Guimarães, personagem central da luta pela restauração democrática depois do regime militar de 1964–1985. No governo de Fernando Henrique Cardoso, teve cargos executivos em agências e programas federais como o INCRA e o Comunidade Solidária, foi secretário-executivo de dois ministérios e ocupou interinamente o comando de um deles — o da Justiça — e presidiu o Conselho de Administração do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Atuou depois, durante uma década, como vice-presidente de Assuntos Corporativos da Anheuser-Bush Inbev para a América Latina setentrional, posição na qual respondia pela relações institucionais da maior fabricante global de cervejas e refrigerantes com governos nacionais, regionais e locais, bem como com organizações não governamentais.

Convidado pelo Insper, o Instituto de Ensino Superior em Negócios, Direito e Engenharia, de São Paulo, desde 2013 participa de um seminário sobre Relações Governamentais no Brasil do qual nasceu o trabalho que conduzirá como Global Fellow do Wilson Center nos próximos dois anos.

Uma das premissas do projeto é que nos regimes democráticos as atividades de grupos de interesse representativos de empresas, sindicatos, organizações cívicas e associações educacionais e científicas são conduzidas sob um conjunto de parâmetros legais. Essa é a realidade nas democracias maduras. Entre estas, a referência obrigatória à proteção legal dessas atividades é a Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos. Aprovada 1791 e ratificada no ano seguinte, a emenda proibiu o Congresso americano de aprovar leis que limitassem as liberdades de expressão e imprensa, reunião, religião, bem como o direito dos cidadãos de “apresentar petições com vistas à reparação governamental de agravos”. Derivam daí o direito a fazer lobby e a “indústria” que ele engendrou.

Ambos foram gradualmente institucionalizados ao longo do século passado por meio de uma série de leis e normas que buscaram dar transparência às relações entre lobistas e funcionários dos três poderes da República, impondo a publicidade periódica dos contatos reportados ao Departamento de Justiça, incluindo a identidade dos clientes dos lobbies e o valor dos contratos de prestação desse tipo de serviço. O sistema é, em tese, reforçado pela obrigatoriedade de divulgação das contribuições financeiras de indivíduos, empresas e “comitês de ação política” para campanhas de candidatos a cargos eletivos. As informações são coletadas e postas à disposição do público em sites oficiais e de organizações que monitoram o setor.

A transparência não é, no entanto, garantia contra a influência do poder econômico nas decisões governamentais. Uma reportagem sobre a indústria do lobby publicada em abril do ano passado pela revista The Atlantic sob o título “How Corporate Lobbying Conquered American Democracy” mostrou que, em 2014, a atividade do setor movimentou US$ 2,6 bilhões — 95% dos quais pagos e devidamente reportados por corporações empresariais. O montante excedeu em US$ 600 milhões a verba federal gasta naquele ano para sustentar as operações da Câmara de Representantes (US$ 1,18 bilhão) e do Senado (US$ 860 milhões). O lobby corporativo vem crescendo desde o início da década passada, quando os pagamentos aos lobistas passaram a superar o orçamento operacional do Congresso.

Não estão computados nos números acima os bilhões que movimentam as campanhas políticas e alimentam a percepção de que a corrupção está hoje institucionalizada na política americana. Esta ganhou espaço especialmente depois que a Suprema Corte determinou, em janeiro de 2010, por 5 votos a 4, que as empresas têm o mesmo direito à liberdade de expressão dos indivíduos e declarou inconstitucional a lei de 2002 patrocinada pelos senadores John McCain, republicano de Arizona, e Russ Feingold, democrata de Wisconsin. A lei impusera restrições às contribuições de “soft money” aos “comitês de ação política” que financiam as campanhas, em paralelo às contribuições limitadas que a lei permite que o eleitor faça individualmente aos candidatos de sua preferência.

A idéia de que a corrupção está institucionalizada no sistema político americano alimenta hoje a campanha do senador independente Bernie Sanders, um social-democrata do Estado de Vermont que disputa a candidatura do Partido Democrata à Casa Branca com a ex-senadora e ex-secretária de Estado Hillary Clinton.

Vista — justificadamente ou não — como um dos ingredientes da crescente desigualdade social nos EUA, a influência do dinheiro na política alimenta a frustração da classe média com os políticos e partidos tradicionais e abre espaço para candidatos fora da curva como Sanders e, do lado republicano, figuras como o magnata Donald Trump e os senadores Ted Cruz e Marco Rubio, ambos oriundos do Tea Party. O sentimento é que as instituições funcionam apenas para reproduzir um sistema que não mais responde ao interesse da maioria.

Em democracias mais recentes, como as dos Brasil e da América Latina, esse sentimento sempre existiu, e o lobby é visto como atividade suspeita e ilegítima. Esforços no sentido de sua regulamentação devem, portanto, evitar premissas ingênuas sobre a realidade do setor nos Estados Unidos.

No caso brasileiro, as revelações das transações ilegais entre agentes públicos e privados envolvendo instituições governamentais, companhias estatais e campanhas políticas, trazidas à luz pelas investigações criminais do maior escândalo de corrupção da história do país, geraram um efeito salutar. “Elas trouxeram o tema à discussão pública e alimentam demandas da sociedade por um conjunto de parâmetros éticos orientados pela transparência e a necessidade de afirmar o conceito da responsabilidade e da prestação de contas, ou accountability, em instituições públicas e privadas na luta contra a corrupção”, escreveu Seligman na apresentação de sua proposta de pesquisa.

O tema ganhou espaço na academia e na imprensa em anos recentes. A professora Andréa Cristina Oliveira Gozetto, pós-doutora em Administração Pública e Governo, e seus colegas da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo destacam-se entre os estudiosos do lobby no Brasil. Falta, no entanto, um tratamento abrangente do assunto, que reúna as experiências dos estudiosos e a vivência dos atores dos setores público e privado, de entidades cívicas e instituições voltadas para a ciência e a educação.

O objetivo do trabalho de Seligman no Wilson Center é responder a essa demanda, produzir conhecimento a ser reunido, na fase final do projeto, num livro e num sítio na internet  que facilite o acesso e a troca de informações. Estão nos planos a realização de seminários em São Paulo e Washington. A pesquisa terá a colaboração de Fernando Mello, mestre em Ciência Política pela Universidade de Georgetown, em Washington, e sócio e editor do JOTA. Explica Seligman: “Trata-se de trabalhar em cooperação para produzir, reunir e disseminar informações e análises que projetem luz sobre as atividades de relações governamentais de empresas, entidades do terceiro setor e outras, e contribuam para a formação interdisciplinar de profissionais treinados em modernas técnicas de administração e preparados para tratar do assunto em sua complexidade”.

O trabalho já reúne professores de destaque do Brasil e dos Estados Unidos, de diferentes áreas, entre economistas, cientistas políticos e juristas. A seguir a lista de professores confirmados na elaboração de diferentes capítulos do projeto de pesquisa:

Carlos Melo é mestre e doutor em Ciência Política pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professor tempo integral do Insper desde 1999, leciona cursos de Sociologia e Política (Graduação) e de Estratégia e Política (Mestrado), além de dar aulas no Curso de Relações Governamentais.

Hector Schamis é professor adjunto da Georgetown University e editor de opinião do El Pais America. Foi professor das Universidades Cornell e Brown e pesquisador do Wilson Center. É autor de  “Re-Forming the State: The Politics of Privatization in Latin America and Europe”.

João Manoel Pinho de Mello, PhD em Economia pela Stanford University, é Professor Titular do Insper, pesquisador 1D do CNPq e membro da Academia Brasileira de Ciências.

Matthew M. Taylor tem graduação por Princeton e PHD pela Georgetown University. Professor da American University, em Washington, é especializado em  temas como capacidade estatal, corrupção e política econômica da América Latina. Foi professor da Universidade de São Paulo entre 2006 e 2011.

Nelson Jobim exerceu os cargos de deputado federal, ministro da Justiça, ministro do Supremo Tribunal Federal, corte da qual foi presidente, e ministro da Defesa.

Paulo Sotero  é diretor do Brazil Institute do Woodrow Wilson International Center for Scholars. Jornalista premiado,  foi correspondente revista Veja em Lisboa e dos jornais Gazeta Mercantil e Estado de S.Paulo, em Washington, onde mora desde 1980. É mestre em jornalismo pela American University, de Washington, DC. 

Sérgio Lazzarini é professor titular de organização do Insper. PhD em administração pela Washington University e mestre em administração pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP (FEAUSP). É autor do livro “Capitalismo de Laços” (Editora Campus/Elsevier, 2011) e Reinventing State Capitalism: Leviathan in Business, Brazil and Beyond (Harvard University Press, 2014). 

Vinicius Carrasco, PhD em Economia pela Stanford University, é Professor do Departamento de Economia da PUC-Rio e membro da Academia Brasileira de Ciências.

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