Direito Público

Acordos de leniência e regimes sancionadores múltiplos

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Capítulo 1

Introdução

As reformas legislativas que, nas últimas duas décadas, viabilizaram a internalização da agenda internacional de combate à corrupção resultaram na criação de múltiplos feixes de responsabilização de pessoas jurídicas e pessoas naturais[3]. Superando o clássico monopólio da tutela penal, esses feixes se irradiaram para diversas esferas do Direito Administrativo, em que houve a criação de novos tipos abertos, e do próprio Direito Civil, em que se adensou o regime de responsabilização judicial pelos danos ao erário, sobretudo a partir da aprovação da Lei 12.846/2013, a chamada Lei Anticorrupção (LAC) [4].

Após a aprovação desse diploma legislativo, numerosos trabalhos acadêmicos se devotaram a explorar o fenômeno da expansão dos espaços de consensualidade no Direito Administrativo. Esses estudos iniciais desvendavam os contornos jurídicos dos institutos de leniência administrativa, as condições de seu transplante para o ordenamento jurídico nacional e os possíveis pontos de diálogo entre os regimes jurídicos administrativo, penal, e de responsabilidade civil[5].

Embora a multiplicação de normas proibitivas em esferas de naturezas jurídicas independentes tenha sido percebida como importante avanço no combate à corrupção[6], as experiências de implementação das políticas de leniência, sobretudo no âmbito dos desdobramentos da Operação Lava Jato, passaram a evidenciar que as sobreposições desses múltiplos regimes impõem desafios de cooperação institucional entre as diversas entidades que, sob diferentes enfoques, buscaram a implementação de programas de leniência próprios, tais como a Advocacia-Geral da União (AGU), a Controladoria-Geral da União (CGU), o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), o Ministério Público Federal (MPF) e o Tribunal de Contas da União (TCU).

Essas experiências demonstram que a implementação da LAC tem se desdobrado a partir de intricadas redes de sobreposições, redundâncias e conflitos entre esses atores estatais, cujas fricções, ao fim e ao cabo, redefinem profundamente as disciplinas legais abstratamente concebidas. Os pontos cegos dos regimes de leniência se tornam ainda mais evidentes nas raras situações em que empresas investigadas buscaram simultaneamente diversas autoridades administrativas para a colaboração, sem que seja possível identificar a exata extensão das garantias de imunidade[7].

A constatação de episódios de descoordenação institucional entre os múltiplos atores responsáveis pela aplicação da LAC tem sido amplamente criticada pela doutrina nos últimos anos. A maioria dos estudos disponíveis adota abordagens de design ou modelagem institucional, discutindo a estrutura ótima de compartilhamento de competências e de coordenação entre as agências incumbidas do combate à corrupção, ou examinam a atuação concreta das autoridades públicas a partir da lente teórica de redes de accountability[8].

O presente artigo avança as inquietações dessa literatura mais recente, porém, sob enfoque diverso. O objetivo deste texto é expor os focos de vulnerabilidade jurídica que emergem da atuação descoordenada das entidades responsáveis pela aplicação da LAC e discutir suas possibilidades de superação a partir de uma perspectiva de interpretação do ordenamento legal e infralegal que privilegie os princípios constitucionais que orientam a atuação punitiva da Administração Pública, tais como os princípios da legalidade, da segurança jurídica (artigo 5º, XXXVI, CF) e da vedação à punição dupla. A perspectiva aqui adotada é a de identificar como uma exegese constitucional dos regimes jurídicos aplicáveis pode orientar a revisão judicial de acordos de leniência ou de atos administrativos impositivos de sanções.

Ao invés de desenvolver uma teorização abstrata sobre a relevância desses preceitos para os programas de leniência, o presente artigo opta por discutir como referidos princípios constitucionais podem exercer papel integrativo dos múltiplos regimes de responsabilização anticorrupção em situações limítrofes de tensionamento da convivência das diversas autoridades públicas envolvidas na celebração dos acordos de leniência. Essas situações serão didaticamente expostas por meio de análise da atuação institucional do Ministério Público Federal (MPF) e do Tribunal de Contas da União (TCU) na celebração ou participação em acordos de leniência anticorrupção[9].

Com essa finalidade, o presente artigo encontra-se dividido em duas partes, além desta introdução e da conclusão. Na Parte 1, faz-se um breve panorama da Lei 12.529/2011, a partir da qual se desenvolveu a primeira experiência brasileira de acordo de leniência, e da Lei 12.846/2013, que fundamenta o acordo de leniência anticorrupção. O intuito desta seção é meramente expositivo, destinado a situar as principais hipóteses de cabimento e o regime de benefícios desses acordos. Na Parte 2, o artigo irá analisar de forma bastante minudente os principais focos de insegurança jurídica derivados da precariedade do regime legal que baliza a atuação do MPF e do TCU na aplicação da LAC.

Parte 1

Panorama legal dos acordos de leniência no Direito Administrativo brasileiro

Os acordos de leniência possuem natureza dúplice de ferramenta de abreviação das investigações administrativas e de meio de obtenção de prova no processo administrativo. Nesse aspecto, eles superam a clássica categorização entre acordos administrativos substitutivos e acordos integrativos[10]. É que, se por um lado não há dúvida de que os acordos de leniência necessariamente envolvem a finalidade de integração processual – na medida em que a empresa signatária do acordo assume as obrigações de identificar os demais envolvidos na infração –, por outro, a sua celebração pode ou não fazer com que a Administração Pública deixe de emitir ato imperativo e unilateral sancionatório, a depender do regime analisado.

Seja qual for o resultado imediato da celebração do acordo do ponto de vista da relação jurídico-administrativa travada entre o colaborador e a Administração Pública, os acordos de leniência se distinguem das demais modalidades de consenso administrativo por configurarem instrumentos de realização de uma política pública de persecução administrativa. Os programas de leniência não têm por finalidade precípua resolver ou integrar processos administrativos já existentes ou que fazem parte de uma rotina da Autoridade Administrativa. Eles existem para facilitar a detecção de novos ilícitos e, por isso, são estratégias negociais normativamente estruturadas em caráter geral, abstrato e ex ante, isto é, os principais aspectos que orientam a condução do acordo são definidos antes mesmo do primeiro contato das empresas infratoras com as autoridades[11].

A relevância dos programas de leniência é clara sobretudo para a desarticulação de ilícitos administrativos de natureza colusiva, isto é, que envolvem a atuação concertada de diversos agentes econômicos ou de agentes econômicos e agentes públicos. No enfrentamento dessas estratégias ilícitas, a função persecutória do Estado recai sobre condutas que, por sua própria natureza, são secretas e apresentam materialidade volátil. Por isso, a obtenção de resultados positivos na detecção de ilícitos depende ativamente de mecanismos que estimulem que os agentes econômicos tragam os fatos ao conhecimento das autoridades públicas. Foi justamente esse espírito de racionalização do combate aos atos de corrupção latu sensu que marcou a internalização dos programas de leniência no ordenamento jurídico brasileiro nos últimos vinte anos[12].

Atualmente, há pelo menos 4 (quatro) gêneros de acordos de leniência que podem ser celebrados por pessoas físicas ou jurídicas para atenuação da responsabilidade administrativa ou judicial de atos econômicos, quais sejam: (i) o Acordo de Leniência Antitruste, que encontra previsão na Lei 12.529/2011 (Lei do CADE); (ii) o Acordo Leniência Anticorrupção, fundamentado na Lei 12.843/2013 (Lei Anticorrupção – LAC); (iii) o chamado Acordo de Leniência do MP, que não possui previsão legal expressa, mas surge de interpretação sistemática das funções constitucionais do Ministério Público[13]; e ainda (iv) o Acordo de Leniência do Sistema Financeiro Nacional, disposto pela Lei 13.506/2017[14].

Para os fins do presente artigo, que visa a explorar os aspectos problemáticos da coordenação institucional entre as autoridades públicas responsáveis pela aplicação dos programas de leniência, afigura-se relevante examinar de forma mais detida as condições de proposição e o regime de imunidades da Lei Antitruste e da LAC.

Acordos de Leniência Antitruste e a experiência inspiradora do CADE

No ordenamento brasileiro, as primeiras experiências exitosas com o uso de acordos de leniência se deram no âmbito do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), no início dos anos 2000[15]. Com a edição da Lei 10.149/2000, que promoveu alterações na legislação antitruste brasileira, passou-se a admitir que a União, por intermédio da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça (SDE/MJ), celebrasse acordos de leniência com pessoas físicas e jurídicas autoras de infração à ordem econômica, fazendo jus à extinção da ação punitiva da administração ou à redução de um a dois terços da penalidade aplicável[16]. A SDE celebrou o primeiro acordo de leniência do país no ano de 2003, no âmbito das investigações do chamado cartel dos vigilantes. A validade desse acordo foi reconhecida pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) em 2007[17].

O uso de acordos de leniência no SBDC foi acompanhado de notável amadurecimento institucional por parte da autoridade antitruste. Em 2011, com a edição da Nova Lei de Defesa da Concorrência, o instituto da leniência foi mantido e aprimorado. Pela legislação vigente, o Acordo de Leniência Antitruste apresenta-se como instrumento de colaboração probatória que pode ser celebrado pelo CADE tanto com pessoas jurídicas quanto com pessoas físicas que foram autoras de infração à ordem econômica, na forma do art. 86 da Lei 12.529/2011.

Após anos de aprimoramento institucional do Programa de Leniência do CADE, a autarquia passou a contemplar sofisticado sistema de colaboração. Apenas os agentes infratores que primeiro trouxerem a notícia da existência do ilícito à autoridade antitruste são elegíveis para o acordo de leniência, que pode resultar na imunidade total do investigado. Contudo, a Lei e o Regimento Interno do CADE também permitem que os demais infratores envolvidos na prática denunciada pelo leniente colaborem com a autarquia trazendo provas adicionais do ilícito por meio da celebração dos chamados Termos de Compromisso de Cessação (TCC)[18]. Nesses acordos, a empresa ou a pessoa física investigada assume a obrigação de cessar a prática, admite a participação no ilícito e pode ou não assumir o compromisso de colaborar com as investigações[19].

Do ponto de vista das repercussões administrativas e penais, um dos grandes motivos de sucesso do programa de leniência do CADE é que, desde os seus anos iniciais, a Autarquia se manteve aberta ao diálogo institucional com o Ministério Público Federal, que logo passou a atuar também como signatário dos acordos de leniência antitruste[20]. Por isso, o Acordo de Leniência do CADE pode gerar, de forma direta, a imunidade das empresas signatárias em relação à configuração de infrações à ordem econômica e ainda impedir o oferecimento da denúncia com relação a pessoa natural beneficiária da leniência[21].

Criação do Sistema Anticorrupção e consagração dos Acordos de Leniência

A experiência exitosa do CADE na negociação dos acordos de leniência influenciou a edição da Lei 12.846/2013[22]. Este diploma e o seu regulamento, o Decreto 8.420/2015, estabeleceram verdadeiro sistema autônomo de responsabilização civil e administrativa pelos chamados atos contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira.

À semelhança do que ocorre na Legislação Antitruste, a Lei Anticorrupção traz um rol aberto de infrações administrativas, dentre as quais se insere atos tais como o de prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada (art. 5º, inciso I) e o de frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente o caráter competitivo de procedimento licitatório público (art. 5º, inciso IV, alínea a). Todavia, diferente do que ocorre no regime do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, fica claro que as condutas passíveis de punição pela Lei Anticorrupção também podem configurar, além de crimes, outras infrações administrativas com repercussões judiciais.

A partir de uma interpretação sistemática da Lei 12.843/2013, é possível compreender que o novel diploma instituiu verdadeiro regime duplo de responsabilização das pessoas jurídicas. Dentro desse regime duplo, a prática dos chamados atos lesivos à Administração Pública definidos no art. 5º da lei pode tanto ensejar (i) a responsabilidade administrativa, que é regulamentada nos Capítulos III e IV do diploma, e (ii) a responsabilidade judicial, que é disciplinada no Capítulo VI da lei.

Do ponto de vista da responsabilização administrativa, a Lei Anticorrupção foi pensada como um regime vertical nas esferas Federal, Estadual e Municipal e no âmbito dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. O diploma normativo estabeleceu, nesse sentido, que a instauração e o julgamento de processo administrativo para apuração da responsabilidade de pessoa jurídica pelos atos lesivos à Administração Pública sempre caberão à autoridade máxima de cada órgão ou entidade dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, que agirá de ofício ou mediante provocação, observados o contraditório e a ampla defesa.

Embora não esteja claro qual órgão ou entidade deve ser responsável pela aplicação dessa lei nas esferas estaduais e municipais ou no âmbito dos Poderes Legislativo e Judiciário, ao menos no âmbito do Poder Executivo Federal, a legislação atribuiu tal competência à Controladoria-Geral da União (CGU) (art. 8º, § 2º). A CGU é também o órgão competente para celebrar os acordos de leniência no âmbito do Poder Executivo Federal, bem como no caso de atos lesivos praticados contra administração pública estrangeira (art. 16, § 10).

No campo da responsabilidade administrativa, há duas sanções que podem ser aplicadas pela autoridade máxima da entidade em face da qual foi praticado o ato lesivo, ou, em caso de órgão da administração direta, do seu Ministro de Estado. São elas: (i) multa e (ii) publicação extraordinária da decisão administrativa sancionadora, ambas previstas no art. 6º, incisos I e II, da Lei.

Por outro lado, a Lei Anticorrupção trouxe no seu Capítulo VI o regime da chamada responsabilização judicial (art. 18). Enquanto a responsabilidade administrativa enseja a punição da empresa por parte da CGU ou órgão equivalente nas esferas estadual e municipal, a responsabilidade judicial dos atos lesivos à Administração Pública consiste na possibilidade de a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por meio de suas respectivas Advocacias Públicas ou ainda o Ministério Público, ajuizarem ações em face das empresas[23].

Desse modo, percebe-se que, nos termos da Lei Anticorrupção, de um mesmo ato lesivo à Administração Pública, na forma do art. 5º da lei, pode-se desencadear os dois regimes administrativo e judicial de responsabilização da pessoa jurídica. Como visto, no regime de responsabilidade administrativa, cabe à CGU (no plano federal) ou à autoridade máxima de cada órgão ou entidade dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário mover o chamado Processo Administrativo de Responsabilização (PAR) e, se comprovada a infração, impor as sanções pecuniárias previstas no art. 6º, que têm verdadeira natureza punitiva ou sancionadora.

Já no regime judicial, o ato lesivo do art. 5º dá ensejo ao ajuizamento de demandas seja pelo órgão de advocacia do Ente Público (AGU ou procuradorias estaduais) ou pelo Ministério Público, cabendo ao Poder Judiciário, se for o caso, aplicar as sanções do art. 19, as quais, por sua vez, visam a reparar o dano causado pela pessoa jurídica ao Ente Público, possuindo, portanto, natureza indenizatória.

Entender a separação entre essas duas esferas dentro de uma mesma lei é essencial para que se possa delimitar o alcance do chamado Acordo de Leniência Anticorrupção. Esse acordo, previsto no Capítulo V da lei, pode servir para atenuar a responsabilidade da empresa tanto no campo administrativo quanto judicial.

Dentre os requisitos para a celebração da Leniência Anticorrupção, destacam-se as exigências de que a empresa seja a primeira a manifestar interesse em cooperar para apuração do ilícito (art. 16, inciso I), que a pessoa jurídica cesse completamente seu envolvimento na infração (art. 16, inciso II) e que ela admita sua participação no ilícito e coopere plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo (art. 16, inciso III).

A rigor, se apenas o órgão responsável pela apuração administrativa (que no plano federal é a CGU) celebrar o acordo, a leniência só poderá gerar efeitos no campo da responsabilidade administrativa. É exatamente isso o que está disposto no art. 16, § 2º, da Lei Anticorrupção, que, ao tratar dos benefícios, dispôs que a celebração dos acordos de leniência garantiria aos signatários apenas: (i) o afastamento da sanção de publicação extraordinária da decisão condenatória (prevista no art. 6º, inciso II, da referida lei); (ii) o afastamento da proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco) anos (previsto no art. 19, inciso IV, da lei) e ainda (iii) a redução de um a dois terços do valor da multa aplicável.

No plano federal, percebe-se que essas complexidades do regime duplo da Lei Anticorrupção têm sido superadas justamente por meio do aprimoramento da cooperação institucional entre a CGU e a AGU. Ainda em 2016, os dois órgãos estabeleceram a Portaria Interministerial CGU/AGU 2.278/2016, que passou a definir os procedimentos para a celebração do acordo. A versão atual da Portaria Conjunta 4/2019 esclarece que a AGU tem participação nas comissões formadas pela CGU para negociação dos acordos, cabendo aos membros da AGU não só assessorar essas comissões, mas também “avaliar a vantagem e procedência da proposta da empresa em face da possibilidade de propositura de eventuais ações judiciais”[24].

Assim, quando a celebração do Acordo de Leniência Anticorrupção envolver simultaneamente a CGU e a AGU, o alcance dos benefícios se torna bastante alargado, uma vez que se opera tanto sobre o regime de responsabilização administrativa, guardado pela CGU, quanto o regime de responsabilização judicial, guardado pela AGU.

Os arts. 2º e 12 da referida Portaria Conjunta deixam claro que a celebração conjunta do acordo de leniência poderá abranger a atenuação de sanções previstas na Lei Anticorrupção, na Lei 8.666/1993 e ainda na própria Lei de Improbidade Administrativa[25][26]. Em outras palavras, a cooperação entre CGU e AGU permitiu que os Acordos de Leniência Anticorrupção desdobrassem seus efeitos tanto no regime de responsabilidade administrativa da Lei 12.846/2013 quanto sobre os múltiplos regimes de responsabilidade judicial, que são titularizados pela AGU[27].

A análise desenvolvida no presente artigo permite a identificação de focos de desalinhamento entre regimes legais examinados. Além de não haver convergência nos requisitos para a celebração dos acordos de leniência, também não há harmonia entre os benefícios passíveis de serem obtidos, já que o acordo da LAC não confere imunidade penal, a princípio[28].

É a partir desse panorama legislativo que se desenvolveu, nos últimos anos, a atuação coordenada das entidades responsáveis por atuar na aplicação da LAC. Conforme será analisado no próximo tópico, a complexidade das investigações desencadeadas pela Operação Lava Jato tornou-se um espaço fértil para a proliferação de atuações institucionais de múltiplas instâncias de controle. Esse fenômeno permitiu que autoridades como a CGU, a AGU, o MPF e o TCU, cada uma a seu modo, atribuíssem uma leitura própria acerca das hipóteses de cabimento e das repercussões jurídicas dos acordos de leniência da LAC.

Parte 2

Implementação dos Acordos de Leniência Anticorrupção nas sobreposições de regimes de responsabilidade

Do panorama legal vigente, ainda que seja impossível antecipar em abstrato todas as repercussões de um ato redutível ao conceito latu sensu de corrupção, verifica-se que um mesmo plexo fático, como, por exemplo, o conjunto de atos de um cartel em licitação[29], pode simultaneamente desencadear a incidência de diversas normas penais, do regime de improbidade administrativa, do regime de infração à ordem econômica, do regime de responsabilização civil coletiva e do controle externo, além da incidência da própria lei anticorrupção.

Essa multiplicação de normas proibitivas em esferas de responsabilização de naturezas jurídicas independentes foi percebida por importantes círculos acadêmicos internacionais como um avanço do Brasil a partir de uma narrativa de superação de uma tradição histórica de impunidade[30]. Autoras como Lindsey D. Carson e Mariana Mota[31], por exemplo, sustentam que as sobreposições de regimes de responsabilidade observadas no direito brasileiro são propícias a evitar mecanismos de autorreforço de culturas institucionais corruptas, além de serem capazes de promover a concorrência institucional, a colaboração, a complementaridade e a compensação[32].

Apesar desses prognósticos feitos nos primeiros anos de vigência da LAC, a experiência histórica de implementação dos acordos de leniência anticorrupção, sobretudo no âmbito da Operação Lava Jato, deu ensejo a conflitos jurídicos que colocaram e colocam em risco a atratividade dos acordos de leniência firmados com o Poder Público. Reconhecendo esses desafios, muitos trabalhos recentes passaram a apontar que a multiplicidade de esferas punitivas no Direito Brasileiro anticorrupção pode ter efeitos adversos sobre os incentivos à adesão a esses acordos e aos acordos de colaboração premiada, seja porque os regimes de imunização oriundos da sua celebração são assimétricos[33], seja porque as instâncias de controle não têm atuado de forma coordenada nas fases de obtenção e de compartilhamento de informações[34].

Para além do debate normativo sobre modelos institucionais ótimos de combate à corrupção, o presente artigo sustenta que a convivência dos múltiplos programas normativos sancionatórios e reparatórios relacionados à LAC deve ser orientada pelos princípios constitucionais que informam o poder punitivo do Estado, sobretudo pelos princípios da legalidade, da segurança jurídica e da proibição de punição dupla. Esses princípios podem ser utilizados tanto no controle judicial dos acordos de leniência da Lei 12.846/2013 quanto no controle judicial de atos administrativos que negam vigência aos termos desses acordos.

Tais prescrições podem ser úteis principalmente para o controle judicial dos acordos de leniência celebrados pelo MPF, bem como para o controle judicial de atos impositivos do TCU. Como será analisado nos próximos subtópicos, essas duas entidades têm apresentado nos últimos anos profundos desentendimentos com a CGU/AGU, principalmente no que se refere às condições de celebração dos acordos da LAC. Mesmo que o art. 17 da lei não houvesse contemplado aquelas entidades como partes desses negócios jurídicos, o MPF apenas passou a celebrar acordos de leniência isoladamente, enquanto o TCU passou a exigir adaptações nos termos e condições de acordos celebrados com a CGU/AGU, bem como a aplicar sanções que poderiam, ao menos em tese, esvaziar a colaboração travada pelas empresas signatárias com outras autoridades públicas.

Atuação do Ministério Público Federal

Ao lado dos acordos de leniência celebrados pelo CADE e pela CGU/AGU, o MPF passou a celebrar acordos de leniência próprios com as empresas investigadas com base na LAC. O uso desses instrumentos pelo Parquet se consolidou a partir da sua própria experiência institucional, e seu regime jurídico hoje é amplamente disciplinado por instrumentos de softlaw, em especial o Estudo Técnico 01/2017 da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (5ª-CCR/MPF)[35] e a Orientação 07/2017 do mesmo órgão[36].

Em essência, o Acordo de Leniência do MP consiste em instrumento negocial pelo qual as empresas se comprometem a cessar os ilícitos civis praticados, apresentando informações e provas relevantes sobre os fatos apurados. A Orientação 07/2017 da CCR-5 estabelece que esse acordo só poderá ser celebrado se demonstrado o interesse público, que integra a oportunidade, a efetividade e utilidade do acordo[37]. Além das obrigações de cessação da prática e de colaboração das investigações, as empresas ficam com dois tipos de obrigações pecuniárias: (i) pagamento de multa da Lei de Improbidade ou da Lei Anticorrupção, conforme o caso e (ii) pagamento de valor relativo à antecipação de reparação de danos, ressalvado o direito de outros órgãos, instituições, entidades ou pessoas de buscarem o ressarcimento que entenderem lhes ser devido[38].

Conforme será discutido nos próximos subtópicos, percebe-se que a construção das hipóteses de cabimento, cláusulas de benefícios e regras de procedimentalização desses acordos resultou em um regime jurídico de leniência do MP, que extravasa amplamente a disciplina da LAC. Esse regime incorpora e conjuga elementos da própria LAC, da legislação de improbidade administrativa e da Lei de Organizações Criminosas, que ampara os acordos de colaboração premiada na esfera criminal. Os desalinhamentos verificados entre as previsões legais e o conteúdo normativo dos acordos suscitam controversas jurídicas sobretudo no que se refere (i) à ausência de fundamentação legal para celebração dos acordos de leniência; (ii) à expansão dos benefícios desses acordos para a esfera criminal; e (iii) à criação de hipóteses inéditas de destinação dos valores arrecadados com os acordos.

Legitimidade do MPF para a celebração de acordos de leniência

A construção do chamado Acordo de Leniência do MP remonta aos primeiros anos de vigência da Lei 12.846/2013. Como discutido acima, nem a Lei do CADE nem a Lei Anticorrupção atribuíam ao Ministério Público a possibilidade de negociar acordos de leniência. Diante da ausência de previsão legal expressa, o chamado “Acordo de Leniência do MP” surge de uma interpretação sistemática e intertemporal da LAC e da Lei de Improbidade Administrativa por parte dos membros do MPF[39]. Essa interpretação permitiu que a instituição passasse a endereçar, pela via da consensualidade, os desdobramentos cíveis e administrativos dos fatos descobertos na Operação Lava Jato.

A possibilidade de o MPF celebrar acordos de leniência busca fundamentação em um arco normativo centrado na legitimidade do MPF para a proteção da probidade administrativa e para a proteção do patrimônio público e social, como disposto no artigo 129, inciso III, e artigo 37, parágrafo 4º, da Constituição Federal[40]. Soma-se a isso a identificação do perfil generalista da atuação do MP, que poderia conferir transversalidade às políticas de leniência.

Salienta-se que, além de entender ser parte legítima para a celebração de acordos próprios, o MPF considera que a sua participação nos acordos de leniência celebrados com a AGU/CGU seria sempre mandatória, uma vez que as condutas tipificadas na Lei Anticorrupção configuram ilícitos penais[41]. Daí porque, recentemente, a 5ª CCR entendeu que o MPF não deveria aderir aos termos do recente Acordo de Cooperação Técnica AGU/CGU/TCU/MJSP/STF, já que, na visão da referida Câmara, o acordo estaria calcado “em uma inadequada interpretação literal da Lei nº 12.846/2013, de modo a chancelar a pretendida ausência de atribuições do MPF para negociar e celebrar acordos de leniência, no marco de responsabilização de pessoas jurídicas por atos de corrupção”[42].

Apesar de o Estudo Técnico 07/2017 da 5ª CCR fazer referência à ampla experiência do MPF enquanto colegitimado ao ajuizamento de ações de improbidade administrativa como fundamento da sua atuação no chamado “microssistema anticorrupção”[43], os acordos de leniência firmados com o MPF não invocam essa base legal até mesmo porque, antes da recente aprovação da Lei 13.964/2019, o art. 17, § 1º, da Lei 8.429/1992 expressamente vedava a transação nas ações de improbidade[44]. De todo modo, alguns acordos celebrados pelo MPF, tanto no âmbito cível quanto penal, contêm previsões de benefícios de não ajuizamento de ações de improbidade ou de requerimento de sentenças apenas com efeitos meramente declaratórios[45].

Diante da ausência de previsão legal expressa da competência do MPF para celebração dos acordos da LAC, foi editada a Medida Provisória 703/2015, que alterava a redação do art. 16 lei anticorrupção para prever que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderiam, no âmbito de suas competências, por meio de seus órgãos de controle interno, “de forma isolada ou em conjunto com o Ministério Público ou com a Advocacia Pública”, celebrar acordo de leniência. Referida medida provisória, no entanto, não foi convertida em lei, o que perpetuou as discussões sobre se o MP seria ou não parte legítima para a celebração dos acordos de leniência anticorrupção.

Essas dúvidas foram reforçadas em 2017 por uma decisão da 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ªRegião (TRF-4). No julgamento de agravo de instrumento interposto contra decisão que revogou a indisponibilidade de bens decretada em face da Construtora Odebrecht S/A em ação de improbidade ajuizada pela União, o TRF-4 reconheceu que os Acordos de Leniência do MPF assinados com a empresa só poderiam afastar medidas constritivas em ações de improbidade se houvesse a participação da CGU[46]. O voto-vogal do Desembargador Rogério Favreto chegou a destacar que “a maior prova (da) falta de amparo legal para firmar acordos de leniência é a proposição de alteração legislativa apresentada por um grupo de agentes do MPF, nas denominadas ‘Dez Medidas de Combate àCorrupção’ (…) Dessa forma, o acordo de leniência firmado entre o MPF e o Grupo Odebrecht carece de amparo legal”[47]. A disputa acabou sendo resolvida com a celebração, perante o juízo de primeiro grau, de um acordo-espelho com a AGU/CGU[48].

Como já mencionado no presente artigo, o óbice relativo à vedação da transação nas ações de improbidade foi superado recentemente com a edição do chamado Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019), que finalmente revogou a proibição de acordos em ações de improbidade. Essa alteração legislativa, porém, está longe de resolver os problemas de segurança jurídica que pairam sobre a leniência do MP. É que, a despeito do avanço da legislação, as condições de celebração desses acordos, o regime de direitos e deveres dos colaboradores e a forma de definição das contribuições pecuniárias são matérias que ainda continuam disciplinadas tão somente por atos internos do MP. Essa circunstância, por si só, gera riscos de comprometimento da segurança jurídica desses acordos.

Sabe-se que, para que um programa de leniência apresente resultados positivos na detecção de comportamentos ilícitos, é essencial que as condições de adesão e de execução dos acordos firmados com o Poder Público sejam transparentes, objetivas e previsíveis[49]. A capacidade dos infratores de anteciparem o cabimento, as condições de negociação e os possíveis benefícios do acordo se torna determinante para que os ilícitos sejam efetivamente delatados. A devoção à previsibilidade formal dos programas de leniência, no limite, redefine o próprio espaço de discricionariedade que as entidades públicas possuem na persecução[50].

Ainda que as orientações da 5ª CCR tentem ser ao máximo possível exaustivas, há pontos claros de incompatibilidade com o regime da Lei 12.843/2013, que suscitam dúvidas quanto à possibilidade de invocação desse regime legal. A ausência de uma previsão normativa exauriente acerca das hipóteses de cabimento do acordo levanta a questão sobre se todo e qualquer ato potencialmente redutível ao conceito de ato lesivo à Administração Pública poderia ser transacionado pelo MP independentemente do seu enquadramento em norma penal. Além disso, a própria atribuição da competência para celebração dos acordos de leniência a qualquer membro do MPF (item 1 da Orientação 07/2017) não se submete à lógica da lei anticorrupção de elencar como legitimada apenas a autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública[51].

Ampliação dos benefícios para a esfera penal

Além da ausência de previsão legal expressa para celebração dos acordos, outro ponto que suscita forte insegurança jurídica quanto ao regime de leniência do MP se refere à irradiação dos efeitos da celebração desses acordos para a seara criminal.

Como descrito anteriormente, o regime de responsabilidade cível e administrativa previsto no LAC incide tão somente sobre pessoas jurídicas que praticam atos lesivos ao Poder Público. Pela legislação vigente, o acordo de leniência da LAC, a princípio, somente poderia gerar benefícios a essas entidades. Essa restrição, aliás, é apontada na doutrina como um dos principais fatores de desincentivos à adesão aos programas de leniência da CGU/AGU, dado que, após a celebração do acordo, a pessoa física relacionada a empresa poderia se tornar exposta à eventual responsabilização criminal.

A despeito dessa limitação legal, o MPF passou a contemplar a possibilidade de estender os efeitos do acordo de leniência às pessoas naturais[52]. Nas hipóteses em que essas pessoas são integradas ao negócio jurídico, o Parquetcompromete-se, além dos benefícios da LAC, a não apresentar denúncia contra as pessoas físicas relacionadas à pessoa jurídica signatária[53]. Ou seja, no meio do caminho entre o acordo de leniência de natureza cível e administrativa (idealmente ancorado na LAC e na lei de improbidade) e o acordo de colaboração premiada da esfera criminal (previsto na Lei 12.850/2013), a prática institucional do MP foi delineando uma forma de contemplar, nos acordos de leniência, as repercussões penais dos ilícitos administrativos e cíveis[54].

Essa “solução” do MPF foi implementada em diversos acordos de leniência firmados com empreiteiras investigadas na Operação Lava Jato. Já no primeiro acordo celebrado com a SOG, o Parquet obrigou-se genericamente a “não propor qualquer ação de natureza criminal pelos fatos e/ou condutas revelados em decorrência do Acordo de Leniência” contra os “prepostos, dirigentes ou acionistas” da empresa que subscrevessem o termo de leniência[55].

Em acordos posteriores, a ampliação dos benefícios do acordo de leniência para a esfera criminal foi sendo construída a partir dos chamados “Termos de Adesão ou Subscrição de Pessoas Físicas”. Trata-se de acordos acessórios firmados com os mesmos fundamentos do acordo principal e, por meio do qual, pessoas naturais que inicialmente não eram signatárias do acordo pleiteiam adesão ao regime de direitos e deveres pactuados com a empresa signatária[56]. Essa sistemática foi utilizada, por exemplo, nos acordos firmados com a Camargo Corrêa, Carioca Engenharia, Odebrecht e outros[57], que preveem a possibilidade de adesão ao acordo por parte de prepostos, empregados, administradores, e até mesmo terceiros contratados das empresas colaboradoras.

Ainda que a atribuição de benefícios penais nos acordos de leniência possa promover incentivos à colaboração com as autoridades públicas, há diversos desdobramentos controvertidos dessa criação institucional. O principal desafio jurídico, sem dúvida, consiste na possibilidade de esse acordo garantir a imunização criminal em relação a fatos cuja apuração ultrapassa a competência dos membros do MPF que atuam como signatários.

Conforme reconhecido pela própria 5ª CCR, o “acúmulo de experiência institucional na celebração de Acordos de Leniência, com previsão de benefícios para pessoas jurídicas (e pessoas físicas relacionadas com estas), no âmbito cível, reconhece a possibilidade ampla de escopo da avença celebrada por Membro do Parquet (lotado em determinada unidade institucional com demarcada e prévia atribuição territorial), para abranger delação de fatos ilícitos diversos (no tempo e no espaço)”[58]. Ainda de acordo com o órgão do MPF, deve-se ter em vista que “dependendo da complexidade ou abrangência dos ilícitos, certamente haverá mais de um membro do MPF que não terá participado do processo originário de celebração, e cuja independência poderia ser invocada para negar a eficácia ao conteúdo do Acordo travado”[59].

Para garantir maior segurança jurídica às repercussões criminais, viabilizou-se em alguns acordos a previsão do chamado “Termo de Aquiescência por parte de Membros do Parquet não celebrantes”. Se o membro do MPF que inicialmente não participou da assinatura do acordo adere a ele por meio do Termo de Aquiescência, torna-se possível que este utilize as informações e os elementos de provas obtidos a partir do acordo na sua esfera de atuação.

Ainda que a 5ª CCR fixe diretrizes interpretativas voltadas a compatibilizar a amplitude dos acordos de leniência com os princípios da unidade funcional e da unidade institucional do Ministério Público, são inequívocos os riscos de outros membros do Parquet negarem vigência ao acordo. Por não serem tais riscos desprezíveis, acordos como os da Andrade Gutierrez[60] e da Braskem[61] chegam (i) a prever o compromisso do MPF de “gestionar junto aos promotores naturais” a sua adesão ao compromisso firmado pelos membros da Força-Tarefa e (ii) a fixar que promotores naturais que não aderirem ao acordo “não poderão utilizar as provas produzidas na leniência em desfavor da signatária nas suas respectivas esferas de atual”. Nessas situações críticas, a 5ª CCR certamente terá que enfrentar o difícil desafio de harmonizar a atuação dos membros do MPF.

Esses riscos de descoordenação interna do Parquet tornam-se ainda mais sensíveis diante da tendência de ampliação do objeto transacionado nos acordos de leniência. A partir dos acordos firmados com as construtoras Andrade Gutierrez[62] e Odebrecht[63], passou-se a prever que o objeto do termo de leniência firmado pela Força-Tarefa da Lava Jato abrangeria condutas ilícitas de pessoas físicas vinculadas à empresa colaboradora a serem descobertas e “mesmo que não conexas ou correlatas aos fatos ou condutas em investigação no âmbito da Operação Lava-Jato”[64].

No acordo da Odebrecht, percebe-se, por exemplo, que o objeto da transação abrange, além dos atos de improbidade, tipos penais das mais variadas naturezas, como ilícitos eleitorais e infrações contra o sistema financeiro nacional, contra a ordem econômica e tributária, concorrenciais e outros[65]. O acordo trouxe ainda a previsão de que estariam abrangidas pela transação as infrações a serem descobertas nos programas de investigação interna que seriam implementados pela empresa[66].

A ampliação do escopo desses acordos, mais uma vez, tenciona o princípio da legalidade, seja pela ausência de previsão expressa na LAC, seja pela possível violação das regras de competência penal. Ainda que o MPF assuma a titularidade da ação penal pública e possa valer-se do regime da Lei 12.850/2013 para firmar os acordos de colaboração premiada, a celebração de acordos de leniência tão amplos, com natureza dúplice administrativa e penal, acaba incidindo em verdadeiro vácuo legal, que tem sido preenchido por uma atuação constante da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF[67].

A rigor, a transação da pretensão punitiva em relação a determinado fato delituoso típico exige não apenas a participação no acordo do promotor-natural como ainda a homologação pelo juízo competente. Nesse ponto, aos acordos de leniência do MPF parece plenamente aplicável o entendimento jurisprudencial do STF[68] no sentido de que a colaboração premiada, como meio de obtenção de prova, não constitui critério de determinação, de modificação ou de concentração de competência. Assim os elementos de informação trazidos pelo signatário que não forem conexos ao objeto da investigação primária devem sempre receber o mesmo tratamento conferido ao encontro fortuito nos outros meios de obtenção de prova.

Ao fim e ao cabo, a efetividade desses acordos acaba dependendo, assim, da adesão dos órgãos do MP que possuem titularidade penal em relação aos fatos que compõem a transação. A eventual recusa dos demais órgãos do MP em aderir ao pacto é um risco que se coloca à utilidade do programa de leniência[69].

Destinação de valores arrecadados a título de reparação de danos

Ainda quanto aos riscos decorrentes da ausência de uma disciplina legal robusta dos acordos de leniência, vale destacar que, nos últimos anos, tem sido bastante discutida a discricionariedade do MP para definir a destinação dos valores arrecadados nos acordos a título de reparação do dano.

A disciplina prevista na Orientação 07/2017 permite que as empresas colaboradoras antecipem valor incontroverso a título de reparação de danos, ainda que isso não implique a quitação integral, ressalvando-se, portanto, o direito de outros órgãos ou instituições de buscarem o ressarcimento devido[70]. Embora o objetivo central dos acordos de leniência do MP não seja o de promover a reparação cível, essa possibilidade torna o acordo mais atrativo, na medida em que evita eventual ação indenizatória do próprio MP[71]. No Estudo Técnico 01/2017, além de assentar que a reparação de danos seria cláusula não essencial do acordo, a 5ª CCR previu que:

A reversão dos valores recuperados ou obtidos com sanções pecuniárias para as vítimas da lesão, quando conhecidas, além dos casos em que se restringirem aos entes políticos lesados, é medida salutar, voltada a devolver a quem de direito recursos desviados ou indenização material pelos danos causados. Já a destinação da multa civil para instituições e órgãos de controle não pode ser efetivada, à míngua de legislação específica e própria, em termos fiscais, orçamentários e financeiros, além da questão ética que merece reflexão e aprofundamento [72].

Recentemente, porém, a possibilidade de o MPF definir a destinação dos recursos recuperados por meio dos acordos foi questionada em ações de controle abstrato no STF. Na ADPF 568, ajuizada pela então Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, impugnou-se ato judicial de homologação do chamado “Acordo de Assunção de Compromissos”, firmado entre o Ministério Público Federal e a Petróleo Brasileiro S/A – Petrobras[73], no qual se previa a destinação de vultosa quantia a título de reparação de danos a ser depositada em um fundo patrimonial a ser gerido por uma fundação privada com sede em Curitiba/PR, a qual seria responsável pelo investimento social em projetos, iniciativas e desenvolvimento institucional que reforçassem o combate à corrupção no Brasil.

A PGR, enquanto titular da ADPF, alegava que o acordo firmado era nulo por ter violado preceitos fundamentais da Constituição Federal, como a separação dos Poderes (art. 2º, c/c art. 60, § 4º, III, da CF), sob a perspectiva de “divisão funcional de atribuições constitucionais” e de um “sistema de controle recíproco dos limites e vedações no exercício dessas funções”, a fim de evitar a “confusão e concentração excessiva de poderes”. Além disso, a autora afirmava que “a legislação penal brasileira regula com clareza a destinação de recursos desviados dos cofres públicos e limita a aplicação discricionária desses valores. Devem, primeiramente, recompor o patrimônio da vítima; destinar-se à própria União nos casos em que o crime é federal e não se trata de ressarcimento; destinar-se a fundos específicos, como é o caso do Funpen ou do Fundo de Direitos Difusos”.

Em 17.9.2019, o relator da ADPF, Ministro Alexandre de Moraes, homologou acordo apresentado nos autos pela Procuradoria-Geral da República, pela Advocacia-Geral da União e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e pelo Congresso para destinar os recursos do acordo da Petrobras para o combate a incêndios florestais e investimento em políticas de educação. A decisão do relator, no entanto, explicitou que seriam nulos o negócio jurídico celebrado pelos membros do MPF e a decisão judicial de homologação do acordo[74].

Além da ADPF 568, julgada extinta com resolução de mérito ante a homologação do referido acordo, ainda tramita no STF a ADPF 569. Nesta ação, os partidos políticos autores requerem seja conferida interpretação conforme à Constituição ao art. 91, inciso II, ‘b’, do Código Penal, declarando-se que “cabe à União a destinação de valores referentes a restituições, multas e sanções análogas, ressalvado o direito do lesado e do terceiro de boa-fé, decorrentes de condenações criminais, colaborações premiadas e aqueles frutos de repatriação ou de multas oriundas de acordos celebrados no Brasil ou no exterior, não cabendo a eleição de critério discricionário pelo Ministério Público para tal finalidade”[75].

Embora a ação seja de natureza abstrata, durante a instrução do feito, o relator, Ministro Alexandre de Morais, requereu explicações à 13ª Vara Federal de Curitiba e à Procuradoria-Geral da República acerca dos termos do acordo de leniência firmado entre a Força-Tarefa Operação Lava Jato e a Odebrecht S/A, ressaltando que a assinatura do referido acordo seria fato relevante para o debate da ADPF[76].

Em todas essas dimensões, verifica-se que a ausência de uma disciplina legal esmiuçada sobre os acordos de leniência do MP tem gerado notáveis focos de insegurança jurídica, diagnóstico este que deve nortear eventual atuação futura do legislador quanto ao próprio controle realizado pelo Poder Judiciário na apreciação da validade desses acordos.

Atuação do Tribunal de Contas da União

Assim como o Ministério Público, o TCU exerceu, nos últimos anos, importante papel na aplicação da LAC[77]. Mesmo que a Lei 12.846/2013 não tenha explicitado a competência da Corte de Contas na celebração dos acordos de leniência, o TCU buscou tanto reivindicar a sua participação nos negócios jurídicos firmados pela CGU/AGU quanto ensaiar mecanismos próprios de colaboração com as empresas investigadas. Nessas duas dimensões, a Corte de Contas extrai seu papel revisional dos acordos de leniência do próprio fundamento constitucional de controle externo do art. 71 da CF, sobretudo no âmbito da competência disciplinada pelo art. 8º da Lei 8.443/1992, que dispõe sobre as responsabilizações por danos ao erário[78].

Uma visão isolacionista da atuação da competência do Tribunal calcada na abordagem tradicional de independência das esferas poderia levar à conclusão de que os compromissos assumidos por uma empresa signatária de acordo de leniência firmado com a CGU/AGU ou com o MPF seriam totalmente indiferentes para a apuração de danos realizada pelo TCU. Essa tese, a propósito, pode ser corroborada por uma leitura míope do art. 16, § 3º, da LAC, o qual dispõe que o acordo de leniência não exime a pessoa jurídica da obrigação de reparar integralmente o dano causado. Todavia, conforme será examinado nos próximos subtópicos, o aprimoramento da cooperação institucional entre essas entidades afigura-se hoje fundamental para o sucesso dos programas de leniência, o que demanda interpretação sistemática das disposições da LAC e da Lei Orgânica do TCU[79].

No caso da atuação da Corte de Contas, as fissuras normativas da interface entre a LAC e a Lei Orgânica do TCU manifestam-se sobretudo (i) nas tentativas do TCU de regulamentar e revisar o processo de celebração dos acordos de leniência com a CGU/AGU; (ii) nas experiências frustradas do Tribunal de estabelecer um regime próprio de colaboração; e, por fim, (iii) na ausência de um esforço institucional para apuração do dano ao erário nos acordos.

Criação de obrigações de controle para as Autoridades Signatárias

Ainda no ano de 2015, o TCU editou a Instrução Normativa 74/2015, a qual dispunha sobre a fiscalização do Tribunal quanto à organização do processo de celebração do acordo de leniência da LAC. Nos considerandos do ato normativo, a Corte de Contas previu que a resolução se amparava tanto na Lei Orgânica do TCU (Lei 8.443/1992) quanto no próprio art. 16, § 3º, da Lei 12.846/2013, no ponto em que reconhece que a celebração dos acordos de leniência da LAC não exime a pessoa jurídica da obrigação de reparar o dano causado[80].

O objetivo da IN 74/2015 era fixar o TCU como verdadeira instância de homologação dos acordos celebrados pelas autoridades encartadas no art. 16 da LAC. A IN previa que a autoridade responsável pela celebração do acordo de leniência deveria, previamente à sua celebração, encaminhar ao TCU a manifestação da pessoa jurídica interessada em cooperar com a apuração dos ilícitos, bem como as condições e os termos negociados pela empresa com a Administração Pública. O não cumprimento dessas determinações, inclusive quanto aos acordos de leniência firmados anteriormente à entrada em vigor da IN, sujeitaria as autoridades públicas à multa prevista no art. 58, inciso IV, da Lei Orgânica do Ministério Público.

Essa lógica de atuação do TCU como entidade revisora dos acordos foi corroborada durante a curta vigência da Medida Provisória 703/2015. A MP dava nova redação ao art. 16, § 4º, da LAC, prevendo que os acordos de leniência assinados deveriam ser encaminhados ao TCU, o qual poderia instaurar procedimento administrativo contra a pessoa jurídica celebrante, para apurar prejuízo ao erário, quando entendesse que o valor constante do acordo não seria satisfatório[81]. Com fundamento na IN 74/2015, o TCU chegou não apenas a determinar à CGU a alteração de termos de acordos de leniência negociados[82], como também abriu investigações contra servidores da CGU e da AGU por não terem compartilhado com o TCU dados do acordo de leniência negociado com a construtora Odebrecht[83].

A insegurança gerada pela edição da IN 74/2015 suscitou judicialização perante o STF. Além do ajuizamento da ADI 5.294, na qual se pleiteava a declaração de inconstitucionalidade do ato normativo, a CGU impetrou mandado de segurança em face de ato praticado por Ministro do Tribunal de Contas da União, que teria determinado o encaminhamento ao TCU de todas as informações  a respeito do trâmite de prováveis acordos de leniência em curso na CGU, tais como “cópias das atas de reuniões e de todos os documentos produzidos até o momento, incluindo, se for o caso, cópia integral dos processos administrativos que tratam da manifestação de interesse informada por meio do Ofício 6279/2015 (…)”. Em decisão monocrática, o Ministro Gilmar Mendes concedeu a medida liminar entendendo que, com a redação dada pela referida Medida Provisória 703/2015, a obrigação de encaminhar os dados das negociações de leniência ao TCU só surtiria efeito após a celebração do acordo[84].

Após intensas reações da CGU/AGU contra a IN 74/2015 e de iniciativas do próprio Congresso Nacional no sentido de sustar os efeitos do ato normativo por Decreto Legislativo[85], em 2018, o TCU editou a Instrução Normativa 83/2018, revogando a IN 74/2015. O novo ato normativo passou a prever que o TCU “poderá requerer, a qualquer tempo, a fim instruir os processos de controle externo, informações e documentos relativos às fases do acordo de leniência”[86], mas a análise dos acordos pelo TCU deixou de ser condição de validade destes.

A obrigação imposta às autoridades celebrantes passou a ser a de simples comunicação ao TCU acerca da instauração de processo administrativo específico de reparação integral do dano de que trata o art. 13 da Lei 12.846/2013, bem como de procedimento administrativo para celebração de acordo de leniência, previsto no art. 16 do referido diploma legal. Apesar de ainda suscitar dúvidas, a aprovação da IN 83/2018 foi vista como uma reação positiva ao diálogo institucional com as demais instâncias de controle[87].

O escopo das colaborações institucionais entre o TCU e as demais autoridades do sistema anticorrupção ainda foi recentemente aprofundado com a celebração do já mencionado Acordo de Cooperação Técnica AGU/AGU/TCU/MJSP/STF em setembro de 2020[88]. Especialmente a segunda e a quarta ações operacionais previstas no acordo complementam o procedimento da IN 83/2018, garantindo maior segurança jurídica à participação do TCU no procedimento de celebração dos acordos perante a CGU/AGU. O ACT reforça a obrigação prevista na IN 83/2018 de a CGU e a AGU encaminharem ao TCU “as informações necessárias e suficientes para a estimação dos danos decorrentes de tais fatos”[89].

O ACT traz notáveis avanços no regime de cooperação ao prever o procedimento de cumprimento dessa obrigação e as salvaguardas necessárias para a preservação do sigilo das informações compartilhadas. O Acordo regulamenta o compartilhamento dessas informações tanto no estágio anterior à celebração do acordo quanto no estágio posterior. Ainda na fase de negociação dos acordos perante a CGU/AGU, o TCU será comunicado para que se manifeste em até 90 (noventa) dias acerca da possibilidade ou não de instaurar ou extinguir procedimentos de sua competência voltados à cobrança do dano em face da colaboradora.

Diante dessa comunicação, o TCU poderá ou dar quitação do dano ou manifestar que os valores negociados não satisfazem as estimações feitas pelo Tribunal, hipótese em que a CGU e a AGU envidarão esforços para realizar uma negociação complementar de eventual ajuste dos valores a título de ressarcimento[90]. Já em relação à fase posterior à celebração do acordo, a CGU e a AGU assumiram o compromisso de compartilhar com todas as signatárias do ACT, incluindo o TCU, a integralidade das informações, documentos e demais elementos de prova fornecidos pela empresa colaboradora[91].

A grande contribuição do ACT para fins de preservação da segurança jurídica dos regimes de colaboração reside na garantia de que, tanto no compartilhamento pré-celebração do acordo quanto no compartilhamento pós-celebração, o TCU assumirá o compromisso de não utilizar as informações recebidas contra o colaborador e até mesmo, no caso dos acordos já firmados, de não aplicar sanção de inidoneidade, suspensão ou proibição de contratar com a Administração Pública quanto aos ilícitos já resolvidos no escopo do acordo de leniência. A preservação do sigilo é também buscada na proibição de o TCU utilizar as informações compartilhadas para qualquer procedimento alheio ao previsto no ACT.

Ausência de previsão normativa de colaboração com o TCU

A despeito de todos esses avanços na coordenação institucional do TCU com as demais autoridades referidas na LAC, é imperioso que o Tribunal proceda a uma atualização da sua regulamentação interna no sentido de prever um procedimento objetivo, transparente e previsível, que permita às empresas realizar colaborações diretamente com o TCU.

O caráter lacunoso do regime de colaboração perante a Corte de Contas deu origem a tentativas frustradas de empresas de travar negociações com o Tribunal nos últimos anos. Uma dessas tentativas ensejou a impetração, no STF, do Mandado de Segurança 36.526, ajuizado pela Construtora Queiroz Galvão S/A. No referido MS, a impetrante alegava que, no âmbito dos processos que envolviam fiscalizações de fraudes licitatórias nas obras de Angra III, o TCU teria violado seu direito líquido e certo ao não levar em consideração os elementos colhidos em virtude de sua colaboração probatória com o Tribunal antes da confirmação da penalidade de inidoneidade para contratar com o Poder Público pelo período de 5 anos, imposta no Acórdão 483/2017-TCU-Plenário.

Nesse caso, a empresa, a Construtora Queiroz Galvão S/A, havia apresentado requerimento para colaborar com as investigações perante o TCU em 21.6.2018. Tendo em vista parecer favorável do MP de Contas, o relator do processo, Ministro Augusto Nardes, sobrestou Pedido de Reexame e determinou a formação de processo apartado (TC 036.758/2018-3) para análise do requerimento de cooperação. A viabilidade de um acordo entre a impetrante e o TCU foi endossada pela área técnica responsável pela análise do processo, a SeinfraOperações. Em parecer emitido no âmbito do processo apartado de colaboração, a área técnica reconheceu a postura colaborativa da impetrante e sugeriu ao Tribunal a concessão do título de marker, para que pudesse ocupar o primeiro lugar numa fila de colaboradores e lhe fossem garantidas sanções premiais, tais como a suspensão da declaração de inidoneidade[92].

Antes mesmo de se realizar a avaliação da proposta de colaboração, porém, o TCU, negou os pedidos de reexame[93]. Na ocasião, a Corte determinou sumariamente o encerramento dos autos instaurados em apartado para fins de analisar a colaboração da impetrante, sem ter valorado a instrução do processo de colaboração e os pareceres favoráveis da SeinfraOperações e do Ministério Público junto ao TCU (MPTCU). No mencionado acórdão, a tese que prevaleceu no Plenário do TCU foi a de que o procedimento de colaboração que corria em autos apartados não materializava direito subjetivo da impetrante à obtenção dos benefícios e, ainda, que uma eventual colaboração deveria ocorrer “no exclusivo critério do TCU, no sentido de obter elementos consistentes de provas neste e em outros processos”[94].

Em face de tal decisão foram opostos embargos de declaração, os quais restaram rejeitados pelo Acórdão 1178/2019. É relevante destacar que, no julgamento dos referidos embargos, o voto-relator explicou que a colaboração da Queiroz Galvão não poderia ser considerada por não haver regulamentação interna do TCU sobre esse procedimento, embora tal possibilidade estivesse sendo estudada pelo Tribunal[95]. Por esse motivo, a situação da impetrante seria diferente das demais empresas investigadas que celebram acordos de leniência com o MPF.

Diante desse contexto fático, nos autos do MS 36.526, em trâmite no STF, o Ministro Gilmar Mendes, na condição de relator, deferiu medida cautelar para suspender a aplicação da sanção de inidoneidade à impetrante no âmbito da TC 016.991/2015-0. O Ministro considerou que “a instauração em apartado de um processo para a realização de uma eventual colaboração, associada ao parecer favorável do Ministério Público e dos órgãos internos do Tribunal, geraram, ao menos, a expectativa de que os fatos apurados fossem levados em consideração na aplicação da penalidade”. Também entendeu o relator que “ainda que inexista direito líquido e certo da impetrante à celebração de acordo de colaboração com a autoridade impetrada, o rechaçamento sumário da possibilidade de concessão de benefícios advindos da colaboração parece violar a segurança jurídica”[96].

Nesse ponto, é válido observar que se mostra aplicável aos acordos de leniência a mesma disciplina jurisprudencial desenvolvida em relação aos acordos de colaboração premiada no sentido de que, mesmo que não haja direito líquido e certo à obtenção dos benefícios do acordo, é dever do Estado acusador motivar a eventual recusa da proposta de colaboração apresentada[97]. Por essa razão, a divergência interna dos órgãos do TCU sobre a possibilidade jurídica de colaboração probatória, por si só, não parece configurar fundamentação idônea para afastar a consideração do esforço colaborativo da impetrante.

Quantificação do dano ao erário e desproporcionalidade das sanções de inidoneidade administrativa

O principal ponto de contato entre as competências do TCU no exercício do controle externo e a disciplina da LAC centra-se no regime de responsabilização judicial pelos danos ao erário derivados do ato lesivo ao Poder Público.

Como descrito anteriormente, a LAC institui regime duplo de responsabilidade administrativa e judicial, fundamentando, a um só tempo, (i) a imposição das sanções previstas no art. 6º ao término do Processo Administrativo de Responsabilização (PAR) e (ii) o ajuizamento de ações pelos entes federativos ou pelo Ministério Público, visando, dentre outros, o perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtidos da infração.

A ampliação da cooperação entre a AGU e a CGU, hoje definida nos termos da Portaria Conjunta 4/2019, possibilitou que, nos acordos de leniência celebrados conjuntamente com as duas instituições, a comissão responsável dos representantes do Poder Público negociasse os valores a serem ressarcidos a título de reparação de dano[98]. Da mesma maneira, nos acordos de leniência do MPF, a 5ª CRR também reconheceu a possibilidade de se dispor sobre a reparação dos danos[99]. É claro que a celebração desses acordos não esgota a possibilidade de que sejam apurados ressarcimentos complementares, considerando que o art. 16, § 3º, da LAC prevê que o acordo de leniência não exime a pessoa jurídica da obrigação de reparar integralmente o dano.

Diante desse cenário, relevante questionamento que se coloca é saber se as cláusulas dos acordos de leniência que dispõem sobre a reparação de danos de alguma maneira ensejam algum tipo de vinculação do TCU aos termos do acordo.

À primeira vista, a problemática poderia ser facilmente resolvida com um simples apelo à tradicional tese de incomunicabilidade ou independência das esferas punitivas[100]. A aplicabilidade da tese no direito pátrio em geral decorre da uma interpretação sistemática do art. 37, § 4º, do texto constitucional, naquilo que ressalva a responsabilização penal do regime dos atos de improbidade administrativa, bem como do artigo 935 do Código Civil, que prevê a ação civil ex delicto. Nesse sentido, a abertura de tomada de contas pelo TCU e a eventual aplicação das sanções previstas na Lei 8.443/1992 seriam totalmente infensas à celebração dos acordos. Essa abordagem, se levada ao extremo, poderia ensejar dupla punição da empresa signatária, no que se refere ao exercício da pretensão indenizatória. É que, ainda que as sanções administrativas possam ser cumuladas diante da sobreposição normativa dos sistemas, quando se trata do dever de reparação de danos, não há maiores dificuldades em se entender que o ressarcimento pelo dano é uno.

Buscando compatibilizar a independência constitucional do TCU com as atribuições das autoridades responsáveis pela celebração dos acordos de leniência, a doutrina[101] e os próprios atores do microssistema anticorrupção[102] têm entendido que os valores pactuados nos acordos de leniência da CGU/AGU e do MPF a título de ressarcimento constituem meras “antecipações” de uma parte incontroversa do dano, cuja integralidade sempre poderá ser apurada pelo TCU.

Com o intuito de disciplinar esse sistema de compensações na reparação de dano, o recente ACT-CGU/AGU/MJSP/TCU orienta que, nos acordos de leniência, sejam identificadas as naturezas jurídicas dos valores negociados, diferenciando-se: (i) as rubricas de natureza sancionatória, referente às multas da Lei 12.846, de 2013, e da Lei 8.429, de 1992; e (ii) as rubricas relativas aos valores a serem ressarcidos. O ACT previu como uma das diretrizes de cooperação institucional a observância do princípio do non bis in idem, de modo a admitir-se “a possibilidade de compensação entre valores e rubricas de mesma natureza jurídica e relacionados aos mesmos ilícitos sancionados nas diversas esferas de responsabilização”[103].

A despeito dessas orientações recentes, parece que o principal problema na atuação sobreposta da AGU/CGU e MPF com o TCU reside na dificuldade de se convergir para uma mesma metodologia específica para apuração de eventual dano a ser endereçado em negociação para acordo de leniência. Como observa Amanda Athayde, no caso do TCU, especificamente, há pelo menos cinco fórmulas de cálculo disponíveis, baseadas, em síntese, em (i) metodologias tradicionais de engenharias de custos, (ii) auditorias de notas fiscais, (iii) métodos econométricos, (iv) metodologias do produto interno mitigado e (v) metodologias do índice de recuperação projetado[104].

Importantes aprendizados institucionais podem ser extraídos de decisões recentes do STF nos Mandados de Segurança 35.543 e 36.496, em que foram impugnados atos do TCU no âmbito de acompanhamento de auditoria de fiscalização da licitação e dos contratos referentes ao serviço de montagem eletromecânica da Usina Termonuclear de Angra III.

Nos mandamus, as empresas Andrade Gutierrez Engenharia S/A e UTC Engenharia S/A impugnavam acórdão da Corte de Contas que havia lhes imposto a sanção de inidoneidade prevista no art. 46 da Lei 8.443/1992. À época da prolação do acórdão, a Andrade Gutierrez Engenharia S/A já havia firmado acordo de leniência com o MPF, relativo aos mesmos fatos investigados pelo TCU e tanto a Andrade Gutierrez Engenharia S/A quanto a UTC Engenharia S/A estavam em processo de negociação de leniência com a CGU/AGU[105]. As impetrantes alegavam que, diante dessas colaborações, a proibição de contratar com o Poder Público, determinada pelo TCU, seria desproporcional e inviabilizaria as colaborações assumidas nos mencionados acordos.

A posição inicialmente adotada pela Corte de Contas no Acórdão 483/2017 foi de que os termos dos acordos de leniência firmados pela Andrade Gutierrez Engenharia S/A com o MPF não seriam suficientes para afastar as sanções decorrentes do controle externo. Todavia, o TCU entendeu que a empresa faria jus a uma suspensão condicional da pena de inidoneidade até que as empresas apresentassem, pelo Ministério Público Federal, compromisso de colaborar com os processos de controle externo.

A rigor, o impasse gerado no Acórdão 483/2017 tinha relação com o valor devido a título de reparação dos danos ao erário. A intenção do TCU era de que o MPF conseguisse negociar com as empresas uma atualização dos valores de ressarcimento previstos nos acordos de leniência firmados com o Parquet, processo que ficou conhecido como “recall”. Ou seja, a posição da Corte de Contas era a de que os acordos de leniência firmados com o MPF, ainda que válidos, não afastariam a competência do TCU, até mesmo porque a celebração desses acordos não prejudicaria a necessidade imperativa do ressarcimento integral dos prejuízos, conforme disposto no § 3º do art. 16 da Lei 12.846/2013.

Em decisões liminares, o Ministro Gilmar Mendes impediu que o TCU efetivasse a imposição das sanções de inidoneidade em relação às impetrantes. O relator concluiu que: “se os acordos de leniência não contemplarem em sua totalidade a reparação do dano causado ao erário, é possível ao TCU julgar as contas daqueles que deram causa à perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público”. O Ministro ressalvou, no entanto, que “tendo o TCU outros mecanismos aptos a atingir tais finalidades, não é razoável que aplique penalidade que inviabilize o cumprimento dos acordos firmados por outros entes”.

Em 26 de maio de 2020, a Segunda Turma do STF iniciou o julgamento do mérito dos mencionados mandados de segurança. O voto-relator, do Ministro Gilmar Mendes, confirmou os provimentos liminares, assentando que a possibilidade de o TCU impor sanção de inidoneidade pelos mesmos fatos que deram ensejo à celebração de acordo de leniência com a CGU/AGU não seria compatível com os princípios constitucionais da eficiência e da segurança jurídica[106]. O relator observou que a interpretação conjugada dos múltiplos regimes de leniência que se inserem no microssistema anticorrupção deve zelar (i) pelo alinhamento de inventivos institucionais à colaboração e (ii) pela realização do princípio da segurança jurídica, a fim de que os colaboradores tenham previsibilidade quanto às sanções e benefícios premiais cabíveis quando da adoção de postura colaborativa com o Poder Público.

A partir dessa perspectiva, o voto-relator placitou a tese de que, quando a celebração do Acordo de Leniência Anticorrupção envolver simultaneamente a CGU e a AGU, o alcance dos benefícios se tornaria bastante alargado, uma vez que operaria tanto sobre o regime de responsabilização administrativa de natureza sancionatória, que é guardado pela CGU, quanto sobre o regime de responsabilização judicial de natureza reparatória, que é guardado pela AGU, nos termos do art. 2º da Portaria Interministerial[107].

Diante desses termos pactuados, é importante que a Administração Pública atue de forma coordenada, e não de maneira contraditória e incoerente, de modo a gerar a aplicação de sanções como se não houvesse colaboração voluntária. É uma responsabilidade do Estado zelar para que as empresas investigadas não tenham a percepção de que a Administração Pública está desonrando seus compromissos. Ainda que, do ponto de vista estritamente normativo, a celebração dos contratos de Leniência Anticorrupção previstos na Lei 12.846/2013 de fato não fulmine a atuação sancionadora do TCU baseada na Lei 8.443/1992, há inegável sobreposição fática entre os ilícitos admitidos pelas colaboradoras perante a CGU/AGU e o objeto de apuração do controle externo.

Se tal sobreposição fática não for considerada de forma harmônica, sobreleva-se o risco de determinada empresa ser apenada duas ou mais vezes pelo mesmo fato, a despeito de não ser evidente a pluralidade de bens jurídicos tutelados pelas distintas esferas de responsabilização. Embora a sanção de inidoneidade aplicada com base na Lei 8.443/1992 não esteja contemplada expressamente na Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013), a aplicação desta penalidade pela Corte de Contas resulta em ineficácia da cláusula que prevê a isenção ou a atenuação das sanções administrativas estabelecidas nos arts. 86 a 88 da Lei 8.666/1993, por consequência, esvaziando a força normativa do art. 17 da Lei 12.846/2013, pois os efeitos práticos das sanções mencionadas são semelhantes, senão coincidentes.

Esse entendimento adotado pelo STF de modo algum suprime a realização da missão institucional do TCU. Como já destacado, o próprio microssistema anticorrupção reconhece que a celebração do acordo de leniência em si não esgota o dever jurídico de reparação integral do dano ao erário. Esse é o sentido do art. 16, § 3º, da própria Lei Anticorrupção, o qual deixa claro que “o acordo de leniência não exime a pessoa jurídica da obrigação de reparar integralmente o dano causado”. Assim, nada obsta que, mesmo após a celebração do acordo de leniência com a CGU/AGU, o TCU apure a existência de danos complementares que não foram integrados na reparação ao erário entabulada naqueles acordos. Ocorre que, nessa hipótese, não é dado ao TCU valer-se de sanção que obstrua a execução daqueles acordos[108].

Capítulo 4

Conclusões

A realização de acordos em processos de persecução a infrações é um fenômeno recente no país e ganhou notoriedade nos últimos anos especialmente com o caso da Operação Lava Jato. Entretanto, tal operação – ao passo que revelou a expansão das possibilidades de consenso no direito brasileiro, bem como a sua importância no combate a ilícitos de notória gravidade – demonstrou também uma série de problemas de coordenação e sobreposição entre as diversas autoridades e regimes de responsabilização existentes no país.

Como visto na Parte 1, o arcabouço jurídico dos Acordos de Leniência no Brasil é complexo. Ao lado da exitosa experiência do CADE na celebração desses acordos – firmada no início dos anos 2000 e desenvolvida ao longo dos anos –, tem-se as dificuldades observadas com a LAC. A lei, ao inaugurar uma nova forma de punição de pessoas jurídicas por atos de corrupção e possibilitar a formalização de acordos de leniência, acabou por gerar terreno propício à disputa entre as autoridades responsáveis pelo microssistema anticorrupção, no qual cada uma, baseada em argumentações mais ou menos elásticas da LAC e de outras normas do ordenamento jurídico brasileiro, busca conferir uma interpretação sobre a competência para a negociação e assinatura desses acordos, bem como sobre seus efeitos.

Essa realidade, conforme pode ser comprovado na Parte 2, possui efeitos ambíguos sobre o desenvolvimento de uma política atrativa e segura de acordos de leniência, o que demanda uma resposta por parte dos Poderes Legislativo e Judiciário. A perspectiva proposta neste artigo de integração constitucional busca, em cada um dos pontos aqui discutidos, solver os circuitos de sobreposições, redundâncias e conflitos entre esses atores estatais, cujos atritos ressignificam e até mesmo subvertem as disciplinas legais abstratamente concebidas.


O episódio 56 do podcast Sem Precedentes discute a CPi da Covid-19 e o choque do Supremo Tribunal Federal com o presidente Jair Bolsonaro. Ouça:


Referências bibliográficas

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[3] Tal influência traduziu-se por meio da incorporação ao sistema jurídico interno de tratados multilaterais como a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, firmada no âmbito da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico OCDE (internalizada pelo Decreto 3.678/2000); a Convenção Interamericana contra a Corrupção, da Organização dos Estados Americanos (OEA), Decreto 4.410/2002; a Convenção de Palermo (Decreto 5.015/2004); e a chamada Convenção de Mérida (Decreto 5.687/2006). Sobre o assunto, cf. RODRIGUES, Diogo Alencar de Azevedo. Os limites formais para a celebração do acordo de leniência (Lei 12.846/13) em face das garantias do particular. Dissertação deMestrado. Programa de Pós-graduação em Direito da Fundação Getúlio Vargas.2016, p. 51–53.

[4] A esse respeito, Machado e Paschoal observam, a partir de uma análise histórica do processo de criação e transformação das instituições de enfrentamento da corrupção no Brasil, que atualmente “existem dezenas de órgãos no Executivo, no Legislativo e no Judiciário de todos os níveis federativos que, baseados em diferentes quadros normativos, desempenham as funções de monitorar, investigar, responsabilizar e sancionar — de modo concomitante ou sucessivo — pessoas físicas e, em alguns casos, jurídicas por atos de corrupção, em suas mais variadas formas. De fato, o modo como a legislação anticorrupção brasileira está construída torna praticamente impossível prever qual seria o percurso de um potencial ato de corrupção pelas instituições que atuam em procedimentos administrativos, civis e criminais”. (MACHADO, Maíra Rocha; PASCHOAL, Bruno. Monitorar, investigar, responsabilizar e sancionar: a multiplicidade institucional em casos de corrupção. Novos Estudos, v. 104, p. 11–36, 2016, p. 13).

[5] Nesse sentido, cf. RIBEIRO, Douglas Costa; CORDEIRO, Néfi; GUIMARÃES, Denis Alves. Interface between the Brazilian antitrust, anti-corruption, and criminal organization laws: the leniency agreements. Law and Business Review of the Americas, v. 22, p. 195–244, 2016; MONEBHURRUN, Nitish. Fighting Corruption and Promoting Competition in Brazil. in: CARVALHO, V. M. (editors) RAGAZZO, C. E. J. e SILVEIRA, P. B., International Cooperation and Competition Enforcement: Brazilian and European Experiences from the Enforcers’ Perspective. Alphen aan den Rijn: Wolters Kluwer Law & Business, 2014 e MARRARA, Thiago. Acordos de Leniência no Processo Administrativo Brasileiro: Modalidades, Regime Jurídico e Problemas Emergentes. Revista Digital de Direito Administrativo, v. 2, n. 2, p. 509, 2015 .

[6] Por todos, cf. CARSON, Lindsey D.; PRADO, Mariana Mota. Using institutional multiplicity to address corruption as a collective action problem: Lessons from the Brazilian case. Quarterly Review of Economics and Finance, v. 62, p. 56–65, 2016, p. 59.

[7] Na história brasileira recente, são bastante escassas as experiências institucionais em que empresas investigadas buscaram simultaneamente diversas autoridades administrativas para a colaboração. Uma das raras situações em que isso se verificou foi justamente nas investigações de práticas de corrupção no âmbito da construção da usina termoelétrica de Angra III, que estão relacionadas ao Mandado de Segurança 36.526, em trâmite perante o Supremo Tribunal Federal. Contudo, mesmo nesse caso, embora as empresas investigadas tenham formalizado acordos autônomos com o CADE, com a CGU/AGU e o MPF, apenas uma delas, a Andrade Gutierrez, logrou assumir o compromisso de colaboração com todos esses órgãos. Além da Andrade Guiterrez, no Brasil, apenas as empresas SBM Offshore e o grupo de comunicação Interpublic (que engloba as agências MullenLowe Brasil e FCB Brasil) lograram celebrar acordos de leniência com todas as instituições envolvidas na apuração dos ilícitos da Operação Lava Jato.

[8] Nesse sentido, cf. a notável contribuição de PIMENTA, Raquel de Mattos. A Construção dos Acordos de Leniência da Lei Anticorrupção São Paulo: Blucher, 2020.

[9] Ressalta-se que a atuação dessas duas entidades no microssistema anticorrupção tem sido apontada como problemática por diversos estudos especializados. Nesse sentido, cf. LIMA, Erik Noleta Kirk Palma. Política de Leniência e a Segurança Jurídica Conferida pela Advocacia-Geral da União. Publicações da Escola da AGU, v. 10, n. 3, p. 63–84, 2018 (“nos últimos anos é possível perceber que o MPF tomou para si o protagonismo de encetar os acordos de leniência em âmbito federal, o que não conta com amparo legal”); RIBEIRO, Julia Lavigne. O acordo de leniência da lei anticorrupção e a descoordenação institucional. Dissertação de Mestrado. Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas (FGV), v. 8, n. 5, p. 55, 2019, p. 70–74. (“a segunda circunstância identificada que contribuiu para a descoordenação institucional ora examinada foi a utilização do acordo de leniência pelo Ministério Público Federal quando a Lei Anticorrupção expressamente determina que a atribuição para tanto é da Controladoria- Geral da União (…) e o último fator identificado que contribuiu sobremaneira para a descoordenação institucional verificada foi a atuação do Tribunal de Contas da União”) e ainda CANETTI, Rafaela Coutinho. Acordo de leniência: fundamentos do instituto e os problemas de seu transplante ao ordenamento jurídico brasileiro. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2019, p. 256–257 (“tanto o TCU quanto o MPF já se manifestaram no sentido de que o acordo de leniência celebrado pela CGU deveria contar com a participação, nas negociações, de representantes de cada um desses órgãos”).

[10] Sobre a diferenciação entre acordos administrativos em substitutivos e integrativos, cf. PALMA, Juliana Bonacorsi de. Atuação Administrativa Consensual: estudo dos acordos substitutivos no processo administrativo sancionador. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2010, p. 190–200. Diogo Moreira Neto e Rafael Véras Freitas, por exemplo, consideram os acordos de leniência da LAC como acordos administrativos substitutivos, acentuando que, por meio do acordo, a Administração Pública flexibilizaria sua conduta imperativa (NETO, Diogo de Figueiredo Moreira; FREITAS, Rafael Véras de. A juridicidade da Lei Anticorrupção – Reflexões e interpretações prospectivas. Revista Fórum de Direito Administrativo, v. 14, n. 156, 2013, p. 18). Já Thiago Marrara considera os acordos de leniência como exemplos de acordos administrativos integrativos, destacando que a finalidade do acordo é facilitar a instrução de um processo sancionador permanece mesmo após a assinatura do acordo. (MARRARA, Thiago. Acordos De Leniência No Processo Administrativo Brasileiro: Modalidades, Regime Jurídico e Problemas Emergentes. Revista Digital de Direito Administrativo, v. 2, n. 2, p. 509, 2015, p. 513).

[11] Como destaca Giancarlo Spagnolo, diferente de outros acordos que o poder público realiza na seara punitiva, os acordos de leniência são ex ante, no sentido de que são direcionados para infratores ainda não identificados, justamente para gerar a eles o incentivo de colaborar com as autoridades. Nas palavras do autor, naquilo que entendemos aplicável às diversas formas de leniência: “the feature that makes the leniency programs in antitrust somewhat special, apart from the new field of law enforcement they are directed to, is their being ex ante, general, and public” (SPAGNOLO, Giancarlo. Leniency and Whistleblowers in Antitrust. In: BUCCIROSSI, Paolo (Ed.). Handbook of Antitrust Economics. Cambridge, Massachusetts: MIT Press, 2008, v. 46, p. 262).

[12] Para uma análise da perspectiva histórica, cf. PINHO, Clóvis Alberto Bertolini de. Corrupção e Administração Pública no Brasil: Combate Administrativo e a Lei 12.846/2013. São Paulo: Editora Almedina, 2020, p. 144–175.

[13] Vide item 2.1.1 do presente artigo.

[14] Além desses, seria possível apontar uma quinta modalidade de acordo de leniência: o chamado acordo de não persecução cível, recentemente introduzido pela Lei 13.964/2019 – o chamado Pacote Anticrime. Salienta-se ainda que, embora esses acordos possam eventualmente abranger fatos suscetíveis de repressão na esfera criminal, os acordos de leniência não se confundem com as modalidades de consenso disponíveis na esfera penal, como a figura do chamado acordo de colaboração premiada, disciplinado na Lei 12.850/2013.

[15] O primeiro candidato à leniência antitruste no Brasil apresentou-se à extinta Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça (SDE/MJ) – cujas funções eram semelhantes às atualmente exercidas pela Superintendência-Geral do Cade – em 2003, após a realização de duas operações de busca e apreensão naquele ano, momento no qual a Secretaria já havia obtido reputação positiva perante a comunidade empresarial quanto à sua habilidade de expor e apurar práticas anticompetitivas (BRASIL. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA. CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA (CADE). Guia do Programa de Leniência Antitruste do CADE, 2016, p. 15–16).

[16] Cf. art. 35-B da então vigente Lei 8.884/1994.

[17] CARVALHO, Vinícius Marques de; RAGAZZO, Carlos Emmanuel Jopert (eds.). Defesa da Concorrência no Brasil: 50 anos. Brasília: Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, 2013, p. 51.

[18] RUFINO, Victor. Elementos indispensáveis às leniências: o exemplo do CADE. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2019, p. 47–48.

[19] BRASIL. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA. Guia Termo de Compromisso de Cessação para casos de cartel, p. 133, 2016, p. 11–12.

[20] Como destacado no Guia de Leniência do CADE: “Muito embora os artigos 86 e 87 da Lei nº 12.529/2011 não exijam expressamente a participação do Ministério Público para a celebração de acordo de leniência antitruste, a experiência consolidada do CADE é no sentido de viabilizar a participação do Ministério Público, titular privativo da ação penal pública e detentor de atribuição criminal, tendo em vista as repercussões criminais derivadas da leniência. Assim, o Ministério Público (Estadual e/ou Federal) pode participar da assinatura do acordo como agente interveniente, mesmo nos casos de cartéis internacionais, a fim de conferir maior segurança jurídica aos signatários do acordo de leniência, além de facilitar a investigação criminal do cartel em face dos demais envolvidos”. (BRASIL. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA. CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA (CADE). Guia do Programa de Leniência Antitruste do CADE, 2016, p. 19).

[21] Apesar da previsão contida no art. 86 da Lei 12.529/2011, a doutrina aponta que não há clareza sobre qual seria a extensão dessa imunidade criminal gerada pelo Acordo de Leniência Antitruste. A principal dúvida que surge é se a imunidade criminal abrangeria apenas o crime de cartel ou outros crimes eventualmente relacionados, como delitos de corrupção e de fraude à licitação. Sobre esse ponto, cf. SILVEIRA, Paulo Burnier da; FERNANDES, Victor Oliveira. The “Car Wash Operation” in Brazil: Challenges and Perspectives in the Fight Against Bid Rigging. in: SILVEIRA, Paulo Burnier e KOVACIC, William Evan. Global Competition Enforcement, Alphen aan den Rijn: Kluwer Law International B.V., 2019, p. 131.

[22] MONEBHURRUN, Nitish. Fighting Corruption and Promoting Competition in Brazil. in : International Cooperation and Competition Enforcement: Brazilian and European Experiences from the Enforcers Perspective . CARVALHO, V. M. (editors) RAGAZZO, C. E. J. e SILVEIRA, P. B. , Alphen aan den Rijn: Wolters Kluwer Law & Business, 2014, p. 84.

[23] O art. 19 da lei descreve a forma como é operacionalizada a responsabilidade judicial, bem como as sanções dela decorrentes. É válida a transcrição do dispositivo: “Art. 19. Em razão da prática de atos previstos no art. 5º desta Lei, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por meio das respectivas Advocacias Públicas ou órgãos de representação judicial, ou equivalentes, e o Ministério Público, poderão ajuizar ação com vistas à aplicação das seguintes sanções às pessoas jurídicas infratoras:

I – perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtidos da infração, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé; II – suspensão ou interdição parcial de suas atividades; III – dissolução compulsória da pessoa jurídica; IV – proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco) anos. § 1º A dissolução compulsória da pessoa jurídica será determinada quando comprovado:

I – ter sido a personalidade jurídica utilizada de forma habitual para facilitar ou promover a prática de atos ilícitos; ou II – ter sido constituída para ocultar ou dissimular interesses ilícitos ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados”.

[24] Art. 7º, § 4º, da Portaria Conjunta 4/2019.

[25] Art. 2º “O acordo de leniência será celebrado com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos lesivos previstos na Lei nº12.846, de 1º de agosto de 2013, e dos ilícitos administrativos previstos na Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, na Lei nº 8.666, 21 de junho de 1993, e em outras normas de licitações e contratos, com vistas à isenção ou à atenuação das respectivas sanções, desde que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo, devendo resultar dessa colaboração. (…) Art. 12. A celebração do acordo de leniência poderá: I – isentar a pessoa jurídica das sanções previstas no inciso II do art. 6º e no inciso IV do art. 19 da Lei nº 12.846, de 2013; II – reduzir em até dois terços, nos termos do acordo, o valor da multa aplicável, prevista no inciso I do art. 6º da Lei nº 12.846, de 2013; e III – isentar ou atenuar, nos termos do acordo, as sanções administrativas ou cíveis aplicáveis ao caso. Parágrafo único: Os benefícios e obrigações do acordo de leniência serão estendidos às pessoas jurídicas que integrarem o mesmo grupo econômico, de fato e de direito, desde que tenham firmado o acordo em conjunto, respeitadas as condições nele estabelecidas”.

[26] A extensão desses benefícios sem base legal explícita é criticada em MARRARA, Thiago. Acordo de leniência na Lei Anticorrupção: pontos de estrangulamento da segurança jurídica. Revista Digital de Direito Administrativo, v. 6, n. 2, p. 95–113, 2019, p. 111.

[27] Como bem destacado pela professora Amanda Athayde em obra dedicada ao tema: “para além dos benefícios administrativos, a entrada da AGU na negociação dos Acordos de Leniência Anticorrupção trouxe mais benefícios aos signatários. Consiste no benefício do afastamento ou da mitigação da pena que seria aplicável nos termos da Lei de Improbidade Administrativa e da Lei Anticorrupção. (…) A participação da AGU nas negociações do Acordo de Leniência Anticorrupção visa, portanto a garantir a possibilidade de concessão de benefícios administrativos relacionados principalmente à reparação de danos e à multa de que trata a Lei de Improbidade Administrativa, trazendo segurança aos seus signatários”. (ATHAYDE, Amanda. Manual dos Acordos de Leniência no Brasil: Teoria e Prática. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2019, p. 294.).

[28] Essa discussão será aprofundada no item 2.1.2 deste artigo.

[29] Os cartéis em licitação são atos de corrupção especialmente pelos seus efeitos danosos, tanto na esfera privada, quanto na esfera pública. Como bem destacado pelas autoras Paula Farani de Azevedo Silveira e Paula de Andrade Baqueiro: “a corrupção nas seleções públicas vai além da mera transferência de recursos entre agentes privados e públicos, uma vez que, do ponto de vista da concorrência, esses atos fundamentalmente minam a competitividade e facilitam colusões”. (tradução livre) (SILVEIRA, Paula Farani de Azevedo e BAQUEIRO, Paula de Andrade. Can Competition Authorities Address Corruption in Public Procurement? The Brazilian Experience in Car Wash Cases. Concurrences Review, 2020, p. 4)

[30] Por todos, cf. RICHARD, Michelle. Brazil’s Landmark Anti-Corruption Law. Law and Business Review of the Americas, v. 20, n. 1, p. 141–148, 2014 e PRADO, Mariana Mota; CARSON, Lindsey D. Brazilian Anti-Corruption Legislation and Its Enforcement: Potential Lessons for Institutional Design. IRIBA Working Paper, p. 1–40, 2014.

[31] CARSON, Lindsey D.; PRADO, Mariana Mota. Using institutional multiplicity to address corruption as a collective action problem: Lessons from the Brazilian case. Quarterly Review of Economics and Finance, v. 62, p. 56–65, 2016, p. 59.

[32] Em outra importante publicação sobre o tema, as mesmas autoras sustentam que uma das possíveis razões da pouca responsabilização dos agentes da corrupção no Brasil ao longo das últimas décadas seria a monopolização do poder punitivo pelo Judiciário. Desse modo, a multiplicação das esferas administrativas de punição seria uma tendência promissora. Nesse sentido, cf. PRADO, Mariana Mota; CARSON, Lindsey D.; CORREA, Izabela. The Brazilian Clean Company Act: Using Institutional Multiplicity for Effective Punishment. Osgoode Legal Studies Research Paper No. 48, v. 12, n. 3, p. 57, 2015.

[33] A doutrina aponta que uma das principais fragilidades do sistema residiria no fato de que a celebração do acordo anticorrupção não garante imunidade criminal às pessoas naturais envolvidas. Sobre isso, cf. RIBEIRO, Douglas Costa; CORDEIRO, Néfi; GUIMARÃES, Denis Alves. Interface between the Brazilian antitrust, anti-corruption, and criminal organization laws: the leniency agreements. Law and Business Review of the Americas, v. 22, p. 195–244, 2016, p. 242 (“the main point of contention between the Antitrust and the Anti-Corruption Laws is the lack of criminal immunity for individuals by an anti- corruption leniency agreement”) e em SILVEIRA, Paulo Burnier da; FERNANDES, Victor Oliveira. The “Car Wash Operation” in Brazil: Challenges and Perspectives in the Fight Against Bid Rigging. in: SILVEIRA, Paulo Burnier e KOVACIC, William Evan. Global Competition Enforcement, Alphen aan den Rijn: Kluwer Law International B.V., 2019, p. 131 (“the main weakness of multiple leniency system in Brazil seems to derive from the fact that lenient applicants in competition law and anti-corruption spheres are applicable only to firms and no to individuals”).

[34] Em aprofundado estudo sobre o cenário de multiplicidade dos regimes de leniência no Brasil, Raquel Pimenta conclui que essa multiplicidade, embora pudesse gerar resultados positivos, “facilitou interferências entre os atores. Sob a avaliação de insuficiência de uma das funções dos acordos de leniência, uma autoridade buscou alterar o alcance ou o conteúdo do instrumento celebrado com outra e, até mesmo, em sua versão mais extrema miná-lo ou inviabilizá-lo”. Os episódios narrados pela autora (como a atuação do TCU no caso de Angra III) corroboram o diagnóstico de que “houve sinalização ambígua quanto à solidez do sistema, o que importa em um instrumento que depende de negociação, estabilidade e confiança entre as partes” (PIMENTA, Raquel de Mattos. A construção dos acordos de leniência da lei anticorrupção. São Paulo: Blucher, 2020, p. 182). Ainda no mesmo sentido, Rafaela Canetti salienta que “os desentendimentos ocorridos entre as autoridades não necessariamente denotam uma tentativa racional de diminuir a utilidade dessa ferramenta, ou de deslegitimá-la. Cada um dos entes pode, simplesmente, estar colocando à frente dos demais interesses em jogo a sua própria competência, por entenderem-na insuficientemente tutelada (ou mesmo preterida), ou em razão de alguma sorte de ‘visão de túnel’ quanto a ela” (CANETTI, Rafaela Coutinho. Acordo de leniência: fundamentos do instituto e os problemas de seu transplante ao ordenamento jurídico brasileiro. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2019, p. 256–257).

[35] BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Estudo técnico n. 01/2017 – Estudo sobre inovações da Lei 12.846 e o papel do Ministério Público nos acordos, p. 1–131, 2017.

[36] BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Orientação 07/2017 – 5a Câmara de Coordenação e Revisão – Combate a corrupção – Acordos de Leniência, 2017.

[37]BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Orientação 07/2017 – 5a Câmara de Coordenação e Revisão – Combate a corrupção – Acordos de Leniência, 2017, item 7.3.

[38] BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Orientação 07/2017 – 5a Câmara de Coordenação e Revisão – Combate a corrupção – Acordos de Leniência, 2017, item 7.5.

[39] Como mais uma vez destacado por Raquel Pimenta: “a interpretação dada pelo Ministério Público Federal, naquele momento, foi audaciosa. Considerou que a Lei Anticorrupção continha dispositivos que teriam aplicação temporal diferida: as sanções não poderiam retroagir porque agrava- riam a situação do réu, mas os acordos de leniência, quando celebrados, levariam ao abrandamento das penalidades do conjunto de subsistemas de responsabilização da pessoa jurídica e, por essa razão, poderiam ser utilizados em prol do réu. Embora estivessem tratando de leis de caráter administrativo e cível, esse raciocínio sobre retroatividade se baseou, em alguma medida, na lógica do direito penal e a retroatividade de condições mais benéficas ao réu” (PIMENTA, Raquel de Mattos. A Construção dos Acordos de Leniência da Lei Anticorrupção. São Paulo: Blucher, 2020, p. 93–97, p. 95).

[40] O Estudo Técnico 01/2017 da 5ª CCR/MPF dispõe que: “o Ministério Público detém legitimidade para celebrar o acordo de leniência, nos mesmos moldes que a lei autoriza a autoridade administrativa a fazer. E assim deve ser porque ao órgão ministerial foi, inclusive, conferida a atuação subsidiária pela própria LAC – como guardião e garante -, quando verificada a omissão da autoridade administrativa, como deflui dos termos do artigo 20 da LAC. A legitimidade do Ministério Público decorre ainda de sua posição institucional de independência, em relação às autoridades administrativas, livre de qualquer intervenção hierárquica sobre sua atuação finalística, o que decorre de seu perfil constitucional autônomo, fundado nas prerrogativas que asseguram a seus Membros independência funcional, inamovibilidade e vitaliciedade” (BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Estudo Técnico 01/2017 – Estudo sobre inovações da Lei 12.846 e o papel do Ministério Público nos acordos, p. 1–131, 2017, p. 75).

[41] Como observa Amanda Athayde “apesar de não haver qualquer dispositivo legal que exija a participação do Ministério Público nos Acordos de Leniência Anticorrupção, dado que estes possuem efeitos tão somente administrativos, o Estudo Técnico nº 01/2017 da 5ª CCR argumenta que as condutas apuradas na Lei Anticorrupção podem configurar ilícitos penais. (…) Assim, a indissolúvel associação da Lei Anticorrupção e a responsabilidade penal tornaria insustentável que o Ministério Público e o Poder Judiciário fossem postos à margem das fases de detecção e seleção de casos atribuídos e submetidos a seu exercício funcional típico” (ATHAYDE, Amanda. Manual dos Acordos de Leniência no Brasil: Teoria e Prática. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2019, p. 258–261).

[42] BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Nota Técnica 02/2020 – 5ª Câmara de Coordenação e Revisão Sobre o Acordo de Cooperação Técnica assinado pela AGU, CGU, TCU e MJ, em 6.8.2020, com participação do STF, em relação aos Acordos de Leniência, da Lei 12.846, de 2013, p. 1–47, 2020, p. 45.

[43] BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Estudo Técnico 01/2017 – Estudo sobre inovações da Lei 12.846 e o papel do Ministério Público nos acordos, p. 1–131, 2017, p. 78.

[44] Salienta-se que, a despeito dessa previsão, a doutrina já há muito aponta superação dessa vedação a partir de transformações do Direito Penal e Processual Civil que ampliaram os espaços de consensualidade. Para uma profunda construção doutrinária explicando essas transformações, cf. TAVARES, João Paulo Lordelo Guimarães. A Aplicação do Instituto da Colaboração Premiada nas Ações de Improbidade Administrativa. Revista de Processo da Revista dos Tribunais, v. 248, n. 9, p. 371–396, 2018 (sustentando que “tal dispositivo já não tem mais aplicação nos tempos atuais, em razão das intensas transformações ocorridas no campo da convencionalidade, nos últimos anos, podendo ser considerado implicitamente revogado”).

[45] Esse ponto é destacado em CAMPELO, Sofia Cavalvanti. Acordo em Ação de Improbidade Administrativa: Desafios Atuais e Perspectivas para o Futuro. Revista dos Tribunais, v. 1011, n. 1, p. 23–50, 2020, p. 29–30.

[46] Transcreve-se a ementa do acórdão: “DIREITO ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI ANTICORRUPÇÃO. MICROSSISTEMA. ACORDO DE LENIÊNCIA. VÍCIO DE COMPETÊNCIA. INDISPONIBILIDADE DE BENS. DETERMINADA. (…) Não há antinomia ab-rogante entre os artigos 1º e 2º da Lei nº 8.249/1992 e o artigo 1º da Lei nº 12.846/2013, pois, naquela, justamente o legislador pátrio objetivou responsabilizar subjetivamente o agente ímprobo, e nesta, o mens legislatoris foi a responsabilização objetiva da pessoa jurídica envolvida nos atos de corrupção. 6. No entanto, há que se buscar, pela interpretação sistemática dos diplomas legais no microssistema em que inserido, como demonstrado, além de unicidade e coerência, atualidade, ou seja, adequação interpretativa à dinâmica própria do direito, à luz de sua própria evolução. 7. Por isso, na hipótese de o Poder Público não dispor de elementos que permitam comprovar a responsabilidade da pessoa jurídica por atos de corrupção, o interesse público conduzirá à negociação de acordo de leniência objetivando obter informações sobre a autoria e a materialidade dos atos investigados, permitindo que o Estado prossiga exercendo legitimamente sua pretensão punitiva. 8. Nem seria coerente que o mesmo sistema jurídico admita, de um lado, a transação na LAC e a impeça, de outro, na LIA, até porque atos de corrupção são, em regra, mais gravosos que determinados atos de improbidade administrativa, como por exemplo, aqueles que atentem contra princípios, sem lesão ao erário ou enriquecimento ilícito. (…)10. A autoridade competente para firmar o acordo de leniência, no âmbito do Poder Executivo Federal é a Controladoria Geral da União (CGU). 11. Não há impedimentos para que haja a participação de outros órgãos da administração pública federal no acordo de leniência como a Advocacia-Geral da União, o Ministério Público Federal e o Tribunal de Contas da União, havendo, portanto, a necessidade de uma atuação harmônica e cooperativa desses referidos entes públicos. 12. O acordo de leniência firmado pelo Grupo Odebrecht no âmbito administrativo necessita ser re-ratificado pelo ente competente, com participação dos demais entes, levando-se em conta o ressarcimento ao erário e a multa, sob pena de não ensejar efeitos jurídicos válidos. 13. Enquanto não houver a re-ratificação do acordo de leniência, a empresa deverá permanecer na ação de improbidade, persistindo o interesse no bloqueio dos bens, não porque o MP não pode transacionar sobre as penas, mas porque o referido acordo possui vícios que precisam ser sanados para que resulte íntegra sua validade, gerando os efeitos previstos naquele ato negocial. 14. Provido o agravo de instrumento para determinar a indisponibilidade de bens das empresas pertencentes ao Grupo Odebrecht” (BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Agravo de Instrumento 5023972-66.2017.4.04.0000. Terceira Turma, Relatora Desembargadora Vânia Hack de Almeida, DJe 24.8.2017).

[47]BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Agravo de Instrumento 5023972-66.2017.4.04.0000. Voto-Vogal do Desembargador Rogério Favreto.

[48] Os esforços do MPF para a celebração desses “acordos-espelho” são bastante relevantes para o aprimoramento da cooperação institucional entre as diversas autoridades do microssistema anticorrupção. Infelizmente, porém, são bastante raros os casos em que as empresas lograram celebrar acordos de leniência conjuntamente com o MPF e a CGU/AGU.

[49] RUFINO, Victor. Elementos indispensáveis às leniências: o exemplo do CADE. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2019, p. 52.

[50] A esse respeito, relatando a experiência antitruste norte-americana, Scott D. Hammond explica que a diminuição do espaço de discricionariedade na atuação punitiva da autoridade é medida necessária para a implementação dos programas de leniência. Assim, afirma o autor que: “in order for a Leniency Program to work, an antitrust authority must do more than just publicize its policies and educate the public. It has to be willing to make the ultimate sacrifice for transparency—the abdication of prosecutorial discretion. (…) If a company cannot accurately predict how it will be treated as a result of its corporate confession, the Division’s experience suggests that it is far less likely to report its wrongdoing, especially where there is no ongoing government investigation. Uncertainty in the qualification process will kill an amnesty program” (HAMMOND, SD. Cornerstones of an effective leniency program. ICN Workshop on Leniency Programs, Sydney, 2004, p. 12).

[51] LIMA, Erik Noleta Kirk Palma. Política de Leniência e a Segurança Jurídica Conferida pela Advocacia-Geral da União. Publicações da Escola da AGU, v. 10, n. 3, p. 63–84, 2018, p. 71.

[52] Ressalta-se, a esse respeito, previsão constante de nota técnica da 5ª CCR/MPF: “no âmbito do MPF houve a busca incessante de superar um incontestável desincentivo aos Acordos de Leniência, que estava na ausência de extensão dos benefícios dos acordos às pessoas físicas, coautoras de atos ilícitos, mas que também se dispõe a colaborar na esfera civil” (BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Nota Técnica 1/2020 – 5ªCâmara de Coordenação e Revisão sobre Termos de Adesões ou Subscrições de pessoas físicas em Acordos de Leniência, celebrados pelo MPF, nos termos da Lei 12.846 e da Lei 8.429, no domínio da improbidade administrativa, p. 1–56, 2020, p. 11).

[53] O item 7.2 da Orientação 7/2017 prevê, no item relativo às partes do acordo: “se for o caso, previsão da possibilidade de adesão ao acordo, durante prazo específico, por parte de empresas do grupo, diretores, empregados e prepostos da empresa envolvidos nas práticas objeto do acordo de leniência, mediante assinatura dos respectivos termos e posterior aceitação pelo membro oficiante” (BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Orientação 07/2017 – 5ª Câmara de Coordenação e Revisão – Combate a corrupção – Acordos de Leniência, 2017).

[54] Essa ampliação para as repercussões criminais é descrita por Amanda Athayde como o preenchimento de uma “zona cinzenta” entre o acordo de leniência do MP e o acordo de colaboração premiada. (ATHAYDE, Amanda. Manual dos Acordos de Leniência no Brasil: Teoria e Prática. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2019, p. 339). Como destacado pela 5ª CCR: “o MPF tem adotado a técnica de celebração de Acordos de Leniência, com pessoas jurídicas colaboradoras e pessoas físicas a elas relacionadas, atribuindo repercussões sancionatórias cíveis e criminais. Esta prática, sob o ponto de vista criminal, é um enorme desafio institucional. O novo regramento das colaborações premiadas encontra-se assim estabelecido na Lei nº 12.850/2013 (com as alterações da Lei nº 13.964/2019), em seus artigos 3º-A ao artigo 7º. Este regramento de Direito Penal e Direito Processual Penal deverá ser observado, relativamente às Adesões de pessoas físicas, quando celebradas no contexto de Acordos de Leniência, caso sejam negociadas com efeitos jurídicos criminais, e, por conseguinte, extravasando os efeitos do domínio da improbidade administrativa” (BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Nota Técnica 1/2020 – 5ª Câmara de Coordenação e Revisão sobre Termos de Adesões ou Subscrições de pessoas físicas em Acordos de Leniência, celebrados pelo MPF, nos termos da Lei 12.846 e da Lei 8.429, no domínio da improbidade administrativa, p. 1–56, 2020, p. 41–42).

[55] Cláusula 8ª, alínea d, do Termo de Leniência. Homologado em 1º.12.2014.  Disponível em: http://apps.mpf.mp.br/apex/apex_util.get_blob?s=27126671645314&a=131&c=10985183900844818&p=8&k1=29&k2=&ck=anVlBPRFUkX-JfhHblNz3ppHjtc&rt=IR.

[56] BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Nota Técnica 1/2020 – 5ª Câmara de Coordenação e Revisão sobre Termos de Adesões ou Subscrições de pessoas físicas em Acordos de Leniência, celebrados pelo MPF, nos termos da Lei 12.846 e da Lei 8.429, no domínio da improbidade administrativa, p. 1–56, 2020, p. 20.

[57] BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Nota Técnica 1/2020 – 5ª Câmara de Coordenação e Revisão sobre Termos de Adesões ou Subscrições de pessoas físicas em Acordos de Leniência, celebrados pelo MPF, nos termos da Lei 12.846 e da Lei 8.429, no domínio da improbidade administrativa, p. 1–56, 2020, p. 23.

[58] BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Nota Técnica 1/2020 – 5ª Câmara de Coordenação e Revisão sobre Termos de Adesões ou Subscrições de pessoas físicas em Acordos de Leniência, celebrados pelo MPF, nos termos da Lei 12.846 e da Lei 8.429, no domínio da improbidade administrativa, p. 1–56, 2020, p. 11–12.

[59] BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Nota Técnica 1/2020 – 5ª Câmara de Coordenação e Revisão sobre Termos de Adesões ou Subscrições de pessoas físicas em Acordos de Leniência, celebrados pelo MPF, nos termos da Lei 12.846 e da Lei 8.429, no domínio da improbidade administrativa, p. 1–56, 2020, p. 23.

[60] Cláusula 8ª, § 1º e 2º, do Termo de Leniência. Homologado em 30.6.2016. Disponível em: http://apps.mpf.mp.br/apex/apex_util.get_blob?s=13183982187426&a=131&c=10985183900844818&p=8&k1=39&k2=&ck=qb8lM1wLH8iVtOS0JL8q-21Nse0&rt=IR.

[61] Cláusula 4ª, § 1º a 4º, do Termo de Leniência. Homologado em 15.12.2016. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/wp-content/uploads/sites/41/2019/04/Termo-de-Acordo-Braskem.pdf.

[62] Cláusula 3ª do Termo de Leniência. Homologado em 30.6.2016. Disponível em: http://apps.mpf.mp.br/apex/apex_util.get_blob?s=13183982187426&a=131&c=10985183900844818&p=8&k1=39&k2=&ck=qb8lM1wLH8iVtOS0JL8q-21Nse0&rt=IR.

[63] Cláusula 4ª do Termo de Leniência. Homologado em 15.12.2016. Disponível em:  http://apps.mpf.mp.br/apex/apex_util.get_blob?s=13183982187426&a=131&c=10985183900844818&p=8&k1=41&k2=&ck=MR5J-xxjmE8995p1ohR9SDIXBWs&rt=IR.

[64] Essa expressão consta das cláusulas referenciadas nas três notas de rodapé anteriores.

[65] Cláusula 4ª do Termo de Leniência. Homologado em 15.12.2016. Disponível em:  http://apps.mpf.mp.br/apex/apex_util.get_blob?s=13183982187426&a=131&c=10985183900844818&p=8&k1=41&k2=&ck=MR5J-xxjmE8995p1ohR9SDIXBWs&rt=IR.

[66] Cláusula 4ª do Termo de Leniência. Homologado em 15.12.2016. Disponível em:  http://apps.mpf.mp.br/apex/apex_util.get_blob?s=13183982187426&a=131&c=10985183900844818&p=8&k1=41&k2=&ck=MR5J-xxjmE8995p1ohR9SDIXBWs&rt=IR.

[67] A esse respeito, observa Rafaela Canetti que: “a celebração de acordos com o Ministério Público, nessas circunstâncias, não apresenta o mesmo nível de proteção conferido com a intervenção do Parquet no programa de leniência concorrencial. É que, enquanto nessa segunda hipótese os efeitos penais, administrativos e patrimoniais da colaboração encontram-se expressamente previstos na legislação que trata do programa de leniência, no primeiro caso eventual extensão das isenções e mitigações para além daquelas elencadas na Lei Anticorrupção (abarcado a seara criminal e a seara cível, por exemplo não passarão de criação administrativa ou infralegal, que certamente não oferece o mesmo nível de proteção” (CANETTI, Rafaela Coutinho. Acordo de leniência: fundamentos do instituto e os problemas de seu transplante ao ordenamento jurídico brasileiro.Belo Horizonte: Editora Fórum, 2019, p. 289–290).

[68] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inq 4.130 QO, Relator DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 23.9.2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-020  DIVULG 2.2.2016  PUBLIC 3.2.2016.

[69] Salienta-se a título de ilustração que, em 2017, o Ministério Público de São Paulo rejeitou a adesão ao acordo de leniência firmado pelo MPF com a Odebrecht, o qual envolvia ilícitos relacionados a obras feitas pela empresa para o Metrô, Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e Departamento de Estradas de Rodagem (Dersa). Diante dessa recusa, a empresa colaboradora buscou novo acordo com o Parquet na esfera estadual. (CANETTI, Rafaela Coutinho. Acordo de leniência: fundamentos do instituto e os problemas de seu transplante ao ordenamento jurídico brasileiro. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2019, p. 289).

[70] Dentre as obrigações mínimas da colaboradora, a Orientação prescreve o “pagamento de valor relativo à antecipação de reparação de danos, ressalvado o direito de outros órgãos, instituições, entidades ou pessoas de buscarem o ressarcimento que entenderem lhes ser devido”. (BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Orientação 07/2017 – 5ª Câmara de Coordenação e Revisão – Combate a corrupção – Acordos de Leniência, 2017, p. 4).

[71] ATHAYDE, Amanda. Manual dos Acordos de Leniência no Brasil: Teoria e Prática. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2019, p. 351.

[72] BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Estudo técnico 01/2017 – Estudo sobre inovações da Lei 12.846 e o papel do Ministério Público nos acordos, p. 1–131, 2017, p. 75.

[73] Referido acordo havia sido celebrado pelos membros do MPF no Paraná em complementação a dois outros acordos firmados pela Petrobras nos Estados Unidos com o Department of Justice (DoJ) e com a Securities and Exchange Commision (SEC).

[74] Transcreve-se trecho da decisão: “em conclusão, nos termos do artigo 166 do Código Civil, é NULO O NEGÓCIO JURÍDICO celebrado por Procuradores da República no Paraná (Força-Tarefa Lava-Jato) com a Petrobras – denominado “Acordo de Assunção de Compromissos” – e, consequentemente, nula sua homologação pela 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba, pois: (1) foi realizado por partes absolutamente ilegítimas e homologado por juízo incompetente, com exclusão da participação da União e da Chefia Institucional e Administrativa do Ministério Público Federal; (2) apresenta objeto ilícito, ou seja, a transformação de verba destinada ao Brasil – e, consequentemente, a ser integrada ao Tesouro Nacional como receita pública – em dinheiro privado, para gerir Fundação de direito privado;(3) contém motivo determinante ilícito, pretendendo fraudar lei imperativa – tentativa de financiar determinadas atividades gerenciadas por alguns membros do Ministério Público com verbas extraorçamentárias, em total desacordo com a Constituição Federal e a LDO; (4) está em flagrante desrespeito aos preceitos fundamentais da separação de poderes, às garantias institucionais do Ministério Público e às normas constitucionais e legais de Direito Orçamentário e Financeiro” (ADPF 568, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 17.9.2019, DJe 19.9.2019).

[75] BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto-Lei 3.689, de 3 de outubro de 1941.

[76] CONSULTOR JURÍDICO. Alexandre de Moraes pede explicações sobre acordo de leniência da Odebrecht. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-abr-04/alexandre-moraes-explicacoes-leniencia-odebrecht e CONSULTOR JURÍDICO. Alexandre de Moraes pede que PGR também explique leniência da Odebrecht. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-abr-05/alexandre-moraes-pgr-explique-leniencia-odebrecht .

[77] PIMENTA, Raquel de Mattos. A Construção dos Acordos de Leniência da Lei Anticorrupção. São Paulo: Blucher, 2020, p. 26–27 e RIBEIRO, Julia Lavigne. O acordo de leniência da lei anticorrupção e a descoordenação institucional. Dissertação de Mestrado. Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas (FGV), 2019, p. 46–51.

[78] ALBUQUERQUE, Marcio André Santos de. O papel do Tribunal de Contas da União nos Acordos de Leniência Firmados sob a Égide da Lei 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dissertação de Mestrado. Escola de Administração do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), p. 91, 2017, p. 63–65.

[79] Nessa linha, como bem destacado por Maíra Rocha Machado, referindo-se aos acordos de leniência anticorrupção: “conceber a independência como indiferença funciona como um bloqueio à reflexão jurídica sobre como diferentes programas jurídicos sancionatórios devem interagir e se relacionar quando incidentes sobre um mesmo fato.” (MACHADO, Maíra Rocha. Independência como indiferença : ne bis in idem e múltipla incidência sancionatória em casos de corrupção. Direito, Estado e Sociedade, v. 55, p. 257–295, 2019, p. 286).

[80] Destaca-se o teor da IN: “considerando que, por não afastar a reparação de dano ao erário, nos termos do art. 16, § 3º, da Lei 12.846/2013, a celebração de acordos de leniência por órgãos e entidades da administração pública federal é ato administrativo sujeito à jurisdição do Tribunal de Contas da União quanto a sua legalidade, legitimidade e economicidade, nos termos do art. 70 da Constituição Federal”.

[81] Art. 16, § 14. “O acordo de leniência depois de assinado será encaminhado ao respectivo Tribunal de Contas, que poderá, nos termos do inciso II do art. 71 da Constituição Federal, instaurar procedimento administrativo contra a pessoa jurídica celebrante, para apurar prejuízo ao erário, quando entender que o valor constante do acordo não atende o disposto no § 3º” (NR).

[82] Como relatado por Rafaela Canetti “em sessão sigilosa, o TCU teria determinado à CGU a alteração de termos de acordos de leniência então em negociação com empreiteiras. Conforme relatado, o TCU teria entendido pela existência de inconsistências entre as minutas e os requisitos legais para a celebração desses acordos, como o fato de as pessoas jurídicas terem sido procuradas pela CGU (e não o contrário), a limitação do tempo de cooperação ao prazo de dois anos e a ausência de verificação do critério de primazia” (CANETTI, Rafaela Coutinho. Acordo de leniência: fundamentos do instituto e os problemas de seu transplante ao ordenamento jurídico brasileiro. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2019, p. 266).

[83] Conforme amplamente noticiado pela imprensa: https://www.poder360.com.br/governo/tcu-questiona-agu-e-controladoria-geral-por-possiveis-irregularidades/ e https://politica.estadao.com.br/blogs/coluna-do-estadao/tcu-notifica-grace-mendonca-e-wagner-rosario-por-leniencia-da-odebrecht/. Destaca-se que, em agosto de 2020, referidos processos foram arquivados por ocasião da assinatura do Acordo de Cooperação Técnica entre as instituições. Cf. https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/08/05/tcu-arquiva-processo-que-acusava-ministro-da-cgu-de-atrapalhar-fiscalizacao-do-acordo-de-leniencia-da-odebrecht.ghtml.

[84] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança 3.4031-MC, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 22.2.2016, DJe 26.2.2016.

[85] A esse respeito, vide Projeto de Decreto Legislativo 5, de 2015 (Apensado ao PDC 25, de 2015), de autoria do Deputado Raul Jungmann, o qual visava sustar os efeitos da Instrução Normativa  74,  de  11  de fevereiro  de  2015,  do  Tribunal  de  Contas  da União, com fundamento no art.49, inciso V, da CF.

[86] Art. 2º da Instrução Normativa 83, de 12 de dezembro de 2018, do TCU.

[87] Nesse sentido, cf. GABRIEL, Yasser. Novo regulamento do TCU sobre acordos de leniência: algo mudou? Disponível em: https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/controle-publico/novo-regulamento-do-tcu-sobre-acordos-de-leniencia-algo-mudou-01052019.

[88] BRASIL. Acordo de Cooperação Técnica que entre si celebram a Controladoria-Geral da União (CGU), a Advocacia-Geral da União (AGU), o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e o Tribunal de Contas da União (TCU) em matéria de combate à corrupção no Brasil, 2020.

[89] “Segunda ação operacional: visando a incrementar-se a segurança jurídica e o trabalho integrado e coordenado das instituições, a Controladoria-Geral da União e a Advocacia-Geral da União conduzirão a negociação e a celebração dos acordos de leniência nos termos da Lei no 12,846, de 2013, bem como, quando algum ilícito revelado na negociação envolver fatos sujeitos à jurisdição do Tribunal de Contas da União, lhe encaminharão informações necessárias e suficientes para a estimação dos danos decorrentes de tais fatos, observados os seguintes parâmetros: (1) a CGU, a AGU e o TCU buscarão parametrizar metodologia específica para apuração de eventual dano a ser endereçado em negociação para acordo de leniência; (2) concluindo a CGU/AGU que o acordo está em condições de ser assinado e ainda não havendo manifestação do TCU, este será comunicado para que se manifeste em até 90 (noventa) dias acerca da possibilidade de não instaurar ou extinguir procedimentos administrativos de sua competência para cobrança de dano em face de colaboradora, por considerar que os valores negociados atendem aos critérios de quitação de ressarcimento do dano”.

[90] “Segunda ação operacional: (…) (3) Havendo manifestação do Tribunal de Contas da União no sentido de considerar que os valores negociados no acordo satisfazem aos critérios estabelecidos para a quitação do dano por ele estimado, o tribunal dará quitação condicionada ao pleno cumprimento do acordo. (4) havendo manifestação do TCU no sentido de considerar que os valores negociados no acordo não satisfazem aos critérios estabelecidos para a quitação do dano por ele estimado, a CGU e a AGU buscarão realizar negociação complementar para eventual ajuste dos valores a título de ressarcimento de danos, não estando impedidas de formalizar o acordo de leniência, sem a quitação no ponto, caso não seja possível alcançar consenso nesta negociação complementar; (5) não recebida a manifestação do TCU dentro do prazo indicado, a CGU e a AGU poderão assinar o acordo nos termos negociados com a empresa leniente, não havendo, nessa hipótese, quitação do ressarcimento do dano”.

[91] “Quarta ação operacional: Quarta ação operacional: após a celebração do acordo de leniência, a

Controladoria-Geral da União e a Advocacia-Geral da União compartilharão com as demais SIGNATÁRIAS DO ACT a integralidade das informações, documentos e demais elementos de prova fornecidos pela empresa colaboradora, sempre mediante o compromisso de não utilização, direta ou indiretamente, dessas informações para sancionamento da empresa colaboradora, e de não aplicação de sanção de inidoneidade, suspensão ou proibição para contratar com a Administração Pública, para os ilícitos já resolvidos no escopo do acordo de leniência, observando, ao menos, os seguintes parâmetros: (…)”.

[92] É oportuno destacar que, nesse parecer, a Seinfra Operações admitiu que a impetrante teria, inclusive, reconhecido dano já quantificado, o que reforçaria a conveniência da colaboração. Transcreve-se trecho do opinativo: “(…) Por fim, por considerar que a empresa apresentou expressamente qual seria o valor do dano, indicando os meios pelos quais pretende demonstrá-lo, e quais as benesses almejadas, entende-se que é o caso de conceder o termo de marker à proponente, de forma a marcar o seu posicionamento em uma fila de possíveis cooperadores (…) a não caracterização de postura de defesa diz respeito a confissão de um dano já quantificado e/ou uma fraude (…) deve-se considerar a primazia quanto ao dano do caso concreto, questão que, até o momento, não foi aventada por outras consorciadas.”

[93] BRASIL. Tribunal de Contas da União (TCU). Processo 016.991/2015-0. Acórdão 580/2019, Rel. Min. Walton Alencar Rodrigues. Julgado em 22.5.2019.

[94] BRASIL. Tribunal de Contas da União (TCU). Processo 016.991/2015-0. Acórdão 580/2019, Rel. Min. Walton Alencar Rodrigues. Julgado em 22.5.2019.

[95] Destaca-se o seguinte trecho do voto: “De fato, tramita no Tribunal processo com o objetivo de estudar as possibilidades jurídicas e as premissas de possível colaboração de responsáveis com o controle externo. No entanto, enquanto não houver decisão deste Tribunal a respeito da viabilidade e condições de cooperação, não há amparo legal e parâmetros devidamente estabelecidos para andamento de processos que tratem do referido procedimento em casos concretos. Como deixei assente no acórdão embargado, as únicas exceções foram os processos motivados por requerimento do Ministério Público Federal”.

[96] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança 36.526, Rel. Min. Gilmar Mendes, voto-relator disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-mai-26/stf-analisa-inidoneidade-empresas-declarada-leniencia.

[97] A esse respeito, cf. Ementa: “AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. MATÉRIA PROCESSUAL PENAL. ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA. VOLUNTARIEDADE. INDISPENSABILIDADE. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO JUDICIALMENTE EXIGÍVEL. RECURSO DESPROVIDO. (…). 3. A realização de tratativas dirigidas a avaliar a conveniência do Ministério Público quanto à celebração do acordo de colaboração premiada não resulta na necessária obrigatoriedade de efetiva formação de ajuste processual. 4. A negativa de celebração de acordo de colaboração premiada, quando explicitada pelo Procurador-Geral da República em feito de competência originária desta Suprema Corte, não se subordina a escrutínio no âmbito das respectivas Câmaras de Coordenação e Revisão do Ministério Público. 5. Nada obstante a ausência de demonstração de direito líquido e certo à imposição de celebração de acordo de colaboração premiada, assegura-se ao impetrante, por óbvio, insurgência na seara processual própria, inclusive quanto à eventual possibilidade de concessão de sanção premial em sede sentenciante, independentemente de anuência do Ministério Público. Isso porque a colaboração premiada configura realidade jurídica, em si, mais ampla do que o acordo de colaboração premiada. 6. Agravo regimental desprovido”. (MS 35.693 AgR, Rel. Min. Edson Fachin, Segunda Turma, julgado em 28.5.2019, DJe 24.7.2020).

[98] Art. 7º “Compete à comissão responsável pela condução da negociação do acordo de leniência: (…) V – propor cláusulas e obrigações para o acordo de leniência que, diante das circunstâncias do caso concreto, reputem-se necessárias para assegurar: (…) e) a identificação dos agentes públicos e demais particulares envolvidos nos atos ilícitos e VI – negociar os valores a serem ressarcidos, preservando-se a obrigação da pessoa jurídica de reparar integralmente o dano causado”.

[99] Vide item 7.5 da Orientação 07/2017: “- OBRIGAÇÕES DA COLABORADORA (mínimas): (…) pagamento de valor relativo à antecipação de reparação de danos, ressalvado o direito de outros órgãos, instituições, entidades ou pessoas de buscarem o ressarcimento que entenderem lhes ser devido (v. item 10)”.

[100] Como destacado por Maíra Rocha Machado, a tese da independência das esferas desdobra-se em três conteúdos principais, quais sejam a independência (i) como possibilidade de cumulação de sanções; (ii) como possibilidade de um programa sancionatório não ser influenciado por outro em uma eventual decisão de absolvição ou de condenação; e ainda (iii) como possibilidade de um programa não aguardar a decisão de outro. Convém destacar que a tese da independência das esferas tem sido amplamente aceita na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no que se refere à possibilidade de execução conjunta de acórdão condenatório do Tribunal de Contas, título executivo extrajudicial, e a sentença condenatória em ação civil pública de improbidade administrativa. (Por todos, cf. REsp 1.454.036/MG, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 9.10.2018, DJe 24.10.2018; STJ, REsp 1.633.901/PA, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe 20.6.2017; AgInt no REsp 1.381.907/AM, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, DJe 22.3.2017).

[101] Como esclarecido por Francisco Sérgio Maia Alves, diante do suposto caráter indisponível dos créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não, “todos os valores devolvidos em função dos acordos de leniência e de colaboração premiada a título de ressarcimento ao erário, servem apenas como adiantamento dos prejuízos causados às entidades lesadas, uma vez que o Ministério Público não tem competência legal para dar quitação aos colaboradores em nome da administração pública” (ALVES, Francisco Sérgio Maia. Repercussão dos acordos de leniência e de colaboração premiada celebrados pelo Ministério Público Federal sobre as competências do Tribunal de Contas da União. Revista de Direito Administrativo, v. 277, n. 3, p. 71, 2018, p. 81).

[102] O Estudo Técnico 01/2017 da 5ª CCR esclarece que a celebração do acordo de leniência “não exime a pessoa jurídica colaboradora nem os demais responsáveis solidários do dever de reparar integralmente o dano causado a todos os lesados, tampouco tem que disto necessariamente cuidar, quer parcial, quer integralmente, embora esta obrigação legal e o modo de seu cumprimento possam já ser considerados na negociação e vir a constar do acordo firmado entre as partes”. Quanto à possibilidade de “antecipar” o valor incontroverso, o Estudo aduz que: “segundo o texto da própria LAC, o dano deve ser apurado em procedimento administrativo específico. Não obstante, inclusive como demonstração de boa-fé das partes, o valor incontroverso inicial da lesão pode ser adiantado pela empresa colaboradora e outros agentes responsáveis, sem que isto implique quitação integral, eis que não se pode dispensar aquilo cujo alcance completo eventualmente ainda seja desconhecido, talvez até pelo próprio infrator” (BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Estudo técnico 01/2017 – Estudo sobre inovações da Lei 12.846 e o papel do Ministério Público nos acordos, p. 1–131, 2017, p. 102).

[103] BRASIL. Acordo de Cooperação Técnica que entre si celebram a Controladoria-Geral da União, a Advocacia-Geral da União, o Ministério da Justiça e Segurança Pública e o Tribunal de Contas da União em matéria de combate à corrupção no Brasil, 2020, décimo quinto princípio.

[104] ATHAYDE, Amanda. Manual dos Acordos de Leniência no Brasil: Teoria e Prática. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2019, p. 57–60.

[105] Em 18.12.2018, a Andrade Gutierrez Engenharia celebrou acordo de leniência com a CGU e AGU (eDOC 100). Assim, logrou celebrar acordos nas três esferas administrativas e judiciais aplicáveis, considerando o acordo de leniência firmado com o MPF e o termo de compromisso de cessação celebrado com o CADE. Em 10.7.2017, a UTC Engenharia celebrou com a CGU e a AGU acordo de leniência sobre os mesmos fatos apurados na TC 016.991/2015-0. Ressalta-se que, embora a formalização desse acordo tenha ocorrido em momento posterior à prolação do Acórdão TCU 483/2017, as tratativas entre a impetrante e a CGU/AGU se iniciaram ainda em 2016 e tal fato foi levado a conhecimento do próprio TCU.

 

[106] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Voto-Conjunto nos Mandados de Segurança 35.435, 36.173, 36.496 e 36.526, Rel. Min. Gilmar Mendes, voto-relator disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-mai-26/stf-analisa-inidoneidade-empresas-declarada-leniencia. Ressalta-se que o julgamento dos MS ainda está em andamento na Segunda Turma do STF.

[107] “Art. 2º O acordo de leniência será celebrado com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos lesivos previstos na Lei nº12.846, de 1º de agosto de 2013, e dos ilícitos administrativos previstos na Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, na Lei nº 8.666, 21 de junho de 1993, e em outras normas de licitações e contratos, com vistas à isenção ou à atenuação das respectivas sanções, desde que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo, devendo resultar dessa colaboração.”

[108] É válido lembrar que, para alcançar a reparação do dano ao erário, além de declarar a inidoneidade, o TCU pode, de acordo com a Lei 8.443/1992, decretar a indisponibilidade de bens (art. 44, § 2º), aplicar multa (arts. 57 e 58), bem como conceder eficácia de título executivo às suas decisões que resulte em imputação de débito ou cominação de multa (art. 24).

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