
A senadora Simone Tebet (MDB-MS), pré-candidata à Presidência da República nas eleições de 2022, lentamente se consolida como nome da “terceira via” — expressão enfraquecida e, agora, rebatizada por ela e aliados como “centro democrático”. Lançada postulante ao Palácio do Planalto em dezembro, a comissão executiva do MDB oficializou seu nome na semana passada. Na sequência, obteve o apoio do nanico Cidadania e, agora, aguarda a deliberação do PSDB, que segue dividido mesmo após a desistência do ex-governador João Doria.
O objeto de desejo é ter um tucano de vice na chapa para robustecer uma candidata desconhecida em nível nacional. O Datafolha aponta que cerca de 71% do eleitorado não sabe quem é Simone Tebet, faltando cinco meses para o primeiro turno. “O PSDB tem bons nomes, excelentes quadros e tenho certeza que vão escolher alguém que vai somar. A tendência é que isso ocorra”, afirmou ao JOTA o presidente do MDB, deputado Baleia Rossi (SP).
A pré-candidata, contudo, enfrenta uma série de obstáculos no xadrez político. A começar pelo próprio MDB, especialmente em parte das lideranças partidárias da região Norte e integralmente no Nordeste. “Não vejo grande entusiasmo nessa candidatura”, diz o senador Eduardo Braga (AM).
O senador Marcelo Castro (PI) evita declarar-se contra, embora ressalte ser aliado histórico do PT no Piauí, onde o MDB terá o vice na chapa petista ao governo local. “Simone Tebet é uma tentativa do partido para viabilizar um candidato próprio”, pondera. “Mas o MDB não teve sucesso em todas as tentativas desde Ulisses Guimarães”, relembra.
Guimarães terminou a eleição de 1989 com 4% dos votos válidos. Simone Tebet aparece nas pesquisas oscilando entre 1% e 2%. O baixo desempenho motiva parte do MDB a querer se alinhar com o ex-presidente Lula, líder nas pesquisas, já no primeiro turno.
Tucanos veem ‘pouca entrega’
No outro canto do tabuleiro, o PSDB cobra posições de comando da própria Tebet para mensurar sua habilidade política. Nos bastidores, o grupo é liderado pelo deputado Aécio Neves (MG), derrotado na corrida presidencial de 2014. A ala avalia que a pré-candidata “entregou pouco” ao PSDB até o momento, conforme relato de um tucano ligado à cúpula do partido ouvido pelo JOTA.
Com a legenda dividida, o senador Tasso Jereissati (CE) foi sondado para ser o vice. Mas saiu pela tangente sugerindo o ex-governador Eduardo Leite (RS), que assiste a tudo quieto enquanto calcula se volta a disputar o Palácio Piratini, após renunciar para tentar substituir Doria na corrida presidencial.
O paulista também é cortejado para vice. Doria, porém, saiu de cena: tirou alguns dias de férias após a desistência. Em bom politiquês, o gesto significa “não contem comigo”.
O passado político da pré-candidata é questionado entre os tucanos. A advogada e professora universitária, de 52 anos, é filha do ex-presidente do Senado Ramez Tebet, morto em 2006. “Ela é emedebista desde criança”, recorda Castro, ressaltando que Simone Tebet acompanhava conversas políticas do pai.
Embora a ligação partidária seja antiga, só entrou na vida pública em 2002, elegendo-se deputada estadual em Mato Grosso do Sul. Em 2004, tornou-se a primeira mulher eleita prefeita de sua cidade natal, Três Lagoas, sendo reconduzida ao cargo em 2008.
Dois anos depois, deixou a prefeitura para ser vice-governadora do cacique do MDB sul-matogrossense André Puccinelli. Em 2017 e em 2018, Puccinelli chegou a ser preso preventivamente pela Polícia Federal durante as investigações da Operação Lama Asfáltica, mas até hoje não há decisão de primeira instância sobre o caso.
Relações incômodas
Simone Tebet nunca foi acusada de ligação com os supostos esquemas de corrupção de Puccinelli. Ela se desligou do governo em 2014 para concorrer ao Senado. Mas a ligação com o ex-governador é questionada por integrantes do PSDB.
Uma ala tucana exige dela uma demonstração de força para fazer Puccinelli desistir de concorrer ao governo contra o tucano Eduardo Riedel, indicado pelo atual governador Reinaldo Azambuja.
O marido da senadora, Eduardo Rocha, é secretário de Governo de Azambuja. “Ela tem de demonstrar poder e mostrar quem manda no MDB local”, diz o tucano ouvido pelo JOTA.
O recado foi dado indiretamente pelo presidente do PSDB, Bruno Araújo, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo. “A parceria com o MDB é vista por nós como sendo fundamental [no Rio Grande do Sul e Pernambuco]. Isso se repete no Mato Grosso do Sul, estado da senadora Simone Tebet e governado pelo PSDB”, indicou.
Simone Tebet tem ficado em cima do muro quando questionada em quem votou no segundo turno de 2018. Ora responde que o voto é secreto. Ora afirma não ter votado nem em Jair Bolsonaro (PL) nem em Fernando Haddad (PT). O Mato Grosso do Sul, estado de Tebet, é economicamente dependente de um setor fiel ao presidente, o agronegócio. No estado Bolsonaro teve 65,22% dos votos a segunda etapa das eleições de 2018.
Em entrevista ao jornal português Diário de Notícias, em dezembro de 2021, afirmou que “ninguém podia imaginar uma gestão tão ruim, nem que o presidente Bolsonaro pudesse entrar para a história como o pior presidente da história do Brasil”.
Primeira em cargos
Simone Tebet é uma das três mulheres na corrida presidencial, ao lado de Vera Lúcia (PSTU) e Sofia Manzano (PCB). No Senado, ela foi pioneira ao ocupar algumas posições numa Casa Legislativa dominada por homens (68 entre 81 senadores).
Foi a primeira mulher a presidir a cobiçada Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e a concorrer à Presidência do Senado (2020). Comandou também a Comissão Mista de Combate à Violência contra a Mulher.
A notoriedade em âmbito nacional veio em 2021, como integrante da CPI da Covid-19. Foi ela quem conseguiu que o deputado Luís Miranda (REP-DF) dissesse, durante depoimento, que Bolsonaro definiu uma suspeita de corrupção na negociação de compra da vacina Covaxin como “rolo” de Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara.
O governo chegou a empenhar R$ 1,6 bilhão para comprar a vacina, mas desistiu. O presidente foi acusado de prevaricação. O procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu o arquivamento da investigação, alegando que o contrato de aquisição da Covaxin foi fiscalizado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pela Controladoria-Geral da União (CGU).
Dinheiro para campanha
O fato de ser mulher tem sido usado por opositores para afirmar, nos bastidores, que a candidatura dela é uma forma de o MDB aplicar 30% do fundo eleitoral em quadros femininos. A regra começou a valer neste ano.
Castro, atual tesoureiro nacional do MDB, rejeita o argumento. “Acho que a campanha não vai levar recursos muito vultosos.”
A legenda terá direito a R$ 356,72 milhões do fundo de R$ 4,9 bilhões aprovado pelo Congresso para o pleito deste ano, conforme cálculo da Associação Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).
O dinheiro é cobiçado por líderes partidários regionais, cujo foco é eleger parlamentares, com o objetivo de a legenda voltar a ter expressão no jogo político de Brasília. Em 2018, o MDB elegeu 34 deputados federais, ante 66 na eleição anterior. O número de deputados é usado para definir a fatia do fundo eleitoral.
Viabilidade eleitoral de Simone Tebet é questionada
O senador Renan Calheiros (AL) é o mais notório emedebista contrário à candidatura de Simone Tebet. Defende que a legenda integre a coligação de Lula (PT). “Ter um candidato sem viabilidade só prejudica o desempenho do partido. Já vimos isso”, afirma. “A tendência é que continue não havendo espaço para nenhum candidato da terceira via”, acredita.
Em 2018, o candidato da legenda foi Henrique Meirelles, que obteve 1,2% dos votos válidos. O desempenho dele, somado à baixa popularidade do então presidente Michel Temer, é citado para justificar a perda de quase metade da bancada na Câmara.
Temer diz a interlocutores que Simone Tebet é sua candidata. Procurado pelo JOTA, não quis dar entrevista, afirmou apenas que defende a “conciliação nacional” e que a senadora seria capacitada para a tarefa.
Castro não vê espaço para ela decolar nas pesquisas. “Há um ano a eleição está polarizada entre Lula e Bolsonaro”, diz. “Não é interessante nem para a Simone nem para o MDB ficar com 1% ou 2% [dos votos]. Qualquer candidato de peso precisa de dois dígitos”, avalia.
O presidente da legenda discorda. “Na pesquisa que nos foi apresentada [informalmente encomendada pelo PSDB], ela tem 1% [de intenção de voto], 24% de rejeição, 60% de desconhecimento e, claramente, a possibilidade real de crescimento. Nós temos convicção de que ela vai crescer”, confia Rossi.
Dirigentes partidários elogiam perfil de Simone Tebet
Apesar das críticas dos opositores à candidatura, o perfil de “trabalhadora” e praticante da “boa política” é destacado por eles. “Não há nada contra a senadora Simone Tebet”, diz Braga.
Castro a chama de “candidata fantástica”. “Ela sempre esteve do lado bom da política”, afirma.
Calheiros reforça o coro. “Nós acreditamos que a Simone Tebet é uma grande senadora. Votei com ela para presidência da Casa. Atuei com ela na CPI da Covid-19 e temos uma boa relação. Não se trata disso, trata-se da necessidade de o candidato ter viabilidade”, pondera.