À medida que outubro se aproxima, o brasileiro falará mais sobre política, inclusive nas redes sociais. O tema demanda atenção da Kwai, plataforma de origem chinesa, que chegou ao país em 2019 e tem cerca de 45 milhões de contas registradas. Tanto que a rede social se prepara para lidar com uma enxurrada de desinformação nos próximos meses.
Focada em vídeos curtos e com alto potencial de viralização, o aplicativo tem características semelhantes a outras plataformas concorrentes, como o também chinês TikTok. Porém, o perfil do público que usa o Kwai colabora para que ele possa ser estratégico durante as eleições – tanto a legítima campanha política quanto o espalhamento de fake news.
“Há presença muito forte dos usuários nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. No Brasil, o Kwai tem a característica de ser de interior e de periferia. Além disso, o público é de faixa etária mais alta do que outras redes sociais de vídeos curtos – de mais de 25 ou mais de 30 anos”, diz Wanderley Mariz, diretor de políticas públicas e relações governamentais do Kwai Brasil. “A plataforma busca ser um palco das pessoas comuns”, resume.
O histórico das últimas eleições – combinação de uma arena política acirrada e um maior uso das plataformas para difusão de conteúdos falsos ou de ódio durante as eleições – deixou o alerta aceso. A plataforma lançou, no fim de fevereiro, uma política global com foco especificamente em eleições.
“Com o tamanho que já temos, não havia como fugir da responsabilidade de combater fake news, mas também queríamos agir antes de uma crise”, diz Mariz. A pandemia da Covid-19 trouxe uma crise que antecipou os desafios para este ano: o compartilhamento de vídeos relacionando vacina a abortos e defesa de medicamentos sem comprovação científica. Estes conteúdos foram retirados da plataforma.
A política para eleições prevê o combate a informações falsas sobre o processo eleitoral, incluindo postagens com incitação a boicotes, descrédito ao sistema eleitoral sem evidências (como ataques às urnas eletrônicas), rumores falsos sobre candidatos, e crowdfunding para apoiar candidaturas. Além, obviamente, do que é previsto pela legislação eleitoral.
“A política para as as eleições serve como posicionamento sobre a comunidade. Quem quiser tratar de assuntos relacionados às eleições, têm que saber que precisa respeitar esses termos para preservar a integridade das eleições. Evidentemente, essa política é balizadora para todo o nosso sistema de moderação”, diz Mariz.
Nesse sentido, conteúdos que infrinjam de forma direta alguma das regras são removidos da plataforma. “Se algum usuário tenta postar novamente, nossa moderação já deleta automaticamente”, diz. Além disso, vídeos que começam a viralizar precisarão entrar novamente na análise da moderação.
O número de vídeos removidos pela plataforma por violação a termos de uso é alto: foram 12,3 milhões globalmente entre julho e dezembro passados, o que representa cerca de 2% dos vídeos carregados na plataforma. Por isso, a máquina precisa funcionar sem erros como classificar conteúdos legítimos erroneamente.
A plataforma diz que os vídeos que estiverem na zona cinzenta entre opinião e mentira nas eleições serão avaliados por uma agência de checagem independente para, então, decidir sobre a remoção. “A responsabilidade sobre as notícias falsas não é do usuário. Precisamos contribuir para que ele possa estar cada vez mais consciente, mas é um esforço contínuo de nossa parte e dos parceiros”, diz.
O Kwai ainda não identifica um movimento de políticos mantendo contas na plataforma. Diferentemente de outras redes sociais em que os perfis oficiais de políticos se tornaram quase obrigatórios e, frequentemente, são propagadores de desinformação e discurso de ódio.
Porém, a rede diz que as regras sobre eleições valem para todos e posts enganosos de pessoas que ocupam ou que concorrem a cargos eletivos poderiam ser derrubados, dentro da moderação válida para todos os usuários.
No último mês, a empresa foi uma das plataformas a firmar parceria com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para atuar nas eleições – inclusive, agora o tribunal mantém perfil e produz conteúdo próprio no Kwai. O memorando prevê o encaminhamento de denúncias e das postagens que esbarrarem na moderação à Justiça Eleitoral.
Também estão previstos na parceria treinamento a servidores e a campanhas políticas. “O Kwai tem andado na direção de defender que temas de políticas públicas podem ser comunicados de maneira intuitiva e em uma linguagem usada pela população. Vídeos curtos podem ser uma ferramenta muito efetiva, rápida e direta de comunicação com o cidadão”, afirma Mariz.
A plataforma ainda tem a peculiaridade de remunerar diretamente os criadores. Plataformas vizinhas como TikTok e Instagram não mantêm programa nesse sentido, que existe também no YouTube.
O app tem uma moeda virtual (que se transforma em dinheiro de verdade e pode ser transferido via Pix), que o usuário ganha por assistir a vídeos, convidar pessoas ou acessar com frequência. “O Kwai não tem a missão de celebrizar o criador; ele quer que o criador mantenha sua autenticidade. Você não vai ter remunerações astronômicas de criadores de outro tipo de mídia social”, diz Mariz.
A ideia é fidelizar usuários e impulsionar o crescimento da comunidade. Desse modo, a carga de responsabilidade sobre a moderação de conteúdo aumenta, já que, se há erro, criadores de desinformação passam a ser remunerados.
PL das Fake News
A Câmara dos Deputados se prepara para votar o Projeto de Lei (PL) 2630/2020, conhecido como PL das Fake News. O texto atual, do relator Orlando Silva (PCdoB-SP), já foi aprovado por um grupo de trabalho e novas mudanças são discutidas com as bancadas da Casa.
Entretanto, diversos pontos do projeto têm sido criticados publicamente por plataformas, como Facebook, Instagram e Google. Elas afirmam que o projeto deixou de combater a desinformação e há risco de as redes se tornarem mais propensas a usuários mal-intencionados.
“A preocupação é que o excesso de informações requeridas a respeito dos critérios usados pelas empresas para calibrar seus algoritmos pode servir como atalho para que produtores de conteúdos maliciosos se capacitem ainda mais para burlar as políticas. Temos que ter muito cuidado com isso, porque o sigilo de negócios é protegido pelo Marco Civil da Internet”, afirma Mariz.
Também é criticado o dispositivo que prevê a remuneração de conteúdos jornalísticos que aparecem nas buscas. “Há uma discussão sobre definir o que é conteúdo jornalístico, de não deixar o que é conteúdo jornalístico de uma maneira tão genérico. O que é? É produzido por jornalista? É conteúdo de informação?”, explica. O Kwai já faz a remuneração dos criadores, mas primando pela diversificação de conteúdos.
Nas discussões do relator com lideranças e bancadas, um dos temas que aparecem é a possibilidade de equiparar as redes sociais aos meios de comunicação para efeitos da legislação eleitoral. Veículos de imprensa podem ser responsabilizados diretamente e punidos por veicular informações falsas.
“A maneira como as plataformas seriam responsabilizadas é um pilar do Marco Civil da Internet, então não é o momento de mudança por meio dessa lei que tem um foco em fake news. A lei é uma demanda da sociedade, mas não pode balançar pilares importantes do Marco”, diz