Comparação

De 2003 a 2023: o quanto o Brasil mudou desde a 1ª vez em que Lula foi eleito 

Apesar da melhora em índices socioeconômicos, vários indicadores voltaram piorar nos últimos anos e país retornou ao Mapa da Fome

Crédito: Marcello Casal - Agência Brasil

O Brasil que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) toma posse neste domingo, 1º de janeiro, é outro em comparação com o país que ele recebeu para administrar 20 anos atrás, quando foi eleito pela primeira vez. De modo geral, o país apresenta melhora em dados socioeconômicos, como maior expectativa de vida, população levemente mais escolarizada e produto interno bruto (PIB) mais robusto.

No entanto, há questões semelhantes. Vários indicadores voltaram a piorar após anos de melhora. O país voltou para o Mapa da Fome, a inflação está em alta e há desafios no combate ao desmatamento. Além disso, apesar de o índice de homicídios ter caído, o número de armas em circulação e o de colecionadores, atiradores desportivos e caçadores (CACs) registraram uma alta surpreendente. 

O dado que melhor descreve a mudança que o país vivenciou é o índice de desenvolvimento humano (IDH), que evoluiu em termos absolutos, mas recuou na comparação com outros países. O indicador de qualidade de vida é composto basicamente por três pilares: saúde, educação e renda. Em 2003, o Brasil estava na 78º no ranking de 191 países, com índice de 0,695, em uma escala de 0 a 1, na qual 1 é a nota mais alta. De lá para cá, o país caiu para 87º, mas com índice de 0,754, segundo dados divulgados pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), em setembro deste ano. 

O número reflete o desenvolvimento nos indicadores de saúde, por exemplo. Levantamento do Ministério da Saúde mostra que a expectativa de vida ao nascer saltou de 67 anos, em 2003, para 72 anos, em 2021. A mortalidade infantil caiu de 22,5 a cada mil vidas para 12,2 a cada mil vidas, em 2020. Em educação, a taxa de analfabetismo das pessoas com mais de 15 anos reduziu de 11,8% em 2002 para 6,6%, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) de 2019. 

O país também registrou progresso no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), realizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A nota média em leitura foi de 403 para 413, entre 2003 e 2018. E, em matemática, de 356 para 384, no mesmo período, com o pico de 389 alcançado em 2012. 

Houve avanço nos índices de renda e emprego. O PIB foi de 558,2 bilhões de dólares em 2003 para 1,6 trilhões de dólares em 2021, segundo dados do Banco Mundial. A taxa de desemprego, que era de 12,3% da população economicamente ativa em 2003, hoje está em 8,7%.

No entanto, cabe destacar que o país chegou a registrar 4,8% de desemprego no final de 2014, uma situação de pleno emprego que se inverteu a partir do ano seguinte com a crise econômica. Em 2021, em meio à pandemia de Covid-19, o índice superou os 13%. Com a chamada uberização das relações trabalhistas, há novos desafios relacionados à precarização e à informalidade.

Por sua vez, o salário mínimo em 2023 previsto no orçamento será de R$ 1.320 – 5,5 vezes a mais do que os R$ 240 de 2003. No entanto, os reajustes feitos ao longo do governo Jair Bolsonaro se limitaram a repor a inflação, sem aumento real.

Além disso, o Brasil, que era a 11ª economia mundial em 2003 e chegou a ser a 7ª em 2010, hoje é a 13ª. 

Os indicadores também contrastam com o percentual de jovens que não estudam nem trabalham e com o desafio na inflação. Quando o petista tomou posse pela primeira vez, 7,7% dos jovens com idade entre 15 e 19 anos faziam parte do grupo dos “nem-nem”, segundo levantamento da OCDE. Hoje, o percentual atinge 8,52% e está em tendência de alta. 

Outro indicador que gera incertezas no horizonte é o da inflação. Lula assumiu seu primeiro mandato após o ano de 2002 terminar com uma inflação acumulada de 12,53%, segundo dados do IPCA. Foi o maior índice desde 1995, mas os números voltaram a descer já em 2003. Em 2006, a inflação acumulada chegou a 3,14% e se manteve praticamente estável nos anos seguintes.

O índice voltou a aumentar consideravelmente em 2015, ao chegar a 10,67% no acumulado do ano, mas registrou queda nos anos seguintes. Em 2021, entretanto, a inflação teve mais uma alta acentuada e fechou o ano 10,06%. A alta seguiu em 2022, por conta dos efeitos da pandemia e da guerra da Ucrânia no comércio internacional, até Bolsonaro intervir diretamente em alguns preços, como os dos combustíveis, em pleno ano eleitoral. Em novembro de 2022 o IPCA acumulado era de 5,9%, mas há incertezas sobre como a inflação se comportará no ano seguinte.

Mapa da Fome

Alta na inflação significa aumento no preço dos alimentos, o que impacta diretamente na fome dos brasileiros. Em 2003, Lula tomou posse com a promessa de acabar com a fome, e, agora, 20 anos depois, o mesmo discurso está sendo reeditado. Isto porque, pelos números divulgados este ano, desde 2018 o Brasil voltou ao Mapa da Fome. A insegurança alimentar voltou a assombrar as famílias brasileiras.

Em 2014, devido a efeitos de políticas públicas como Fome Zero, que consistia em mais de 30 programas sociais, incluindo o Bolsa Família, o Brasil saiu da lista de países em que mais de 2,5% de sua população enfrentam falta crônica de alimentos. Este índice, que havia caído de 10,7% para menos de 2,5% entre 2003 e 2014, subiu em 2018 para 2,6% e hoje é 4,1%, segundo o levantamento da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).

A alta nos últimos dois anos contabiliza os efeitos da pandemia de Covid-19. Segundo o Banco Mundial, o Brasil foi um dos países mais afetados. Além da fome, o país teve impacto na educação das crianças, com redução nas atividades presenciais, e a maior queda em PIB, de -4,1% em 2020.

Segurança pública e meio ambiente

Nesses 20 anos, outros dois pontos ganharam novos contornos, especialmente nos últimos anos: segurança pública e meio ambiente. Embora nesse período, segundo o Atlas da Violência, a taxa de homicídios por armas de fogo tenha caído de 20,42 a cada 100 mil habitante para 14,67 a cada 100 mil habitantes, a quantidade de armas de fogo legais em circulação teve um aumento exponencial. 

Enquanto em 2003 ocorria a campanha do desarmamento, que resultou na entrega de mais 440 mil armas de fogo – mais que o dobro do esperado –, hoje parte da população brasileira busca se armar. Os novos Certificados de Registro de Armas de Fogo emitidos por ano pela Polícia Federal foram de 5.948 em 2003 para 56.031 em 2022. O dado que impressiona, porém, é o de Colecionador, Atirador e Caçador (CACS), que saltou 4.936,8% de 2005 para 2022, de 13.378 para 673.818 registros.

O número de CACs passou a ter um crescimento expressivo a partir de 2017, quando chegou a 117.467. Mas desde 2019, quando Bolsonaro assumiu o governo e editou 43 normas facilitando acesso às armas, o aumento passou a ser vertiginoso. Também a partir de 2017, o número absoluto dos registros de arma de fogo ativos na Polícia Federal teve forte alta, de 637.972 para 1.490.323 em quatro anos. 

Em relação ao meio ambiente, o alerta está nos dados de desmatamento, especialmente da Amazônia Legal e do Cerrado. O índice é relevante por indicar que o país está lançando mais gases do efeito estufa na atmosfera e perdendo a capacidade de absorvê-lo. Com isso, o país, além de perder biodiversidade, acelera o aquecimento global. 

Em 2002, a taxa de desmatamento da Amazônia Legal foi de 21,65 mil quilômetros quadrados de área desmatada, segundo dados do Prodes/INPE. O pico veio em 2004, com 27,77 mil quilômetros quadrados. A partir do ano seguinte, com o lançamento do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDam), o índice passou a registrar uma baixa acentuada, chegando a um mínimo histórico de 4,57 mil quilômetros quadrados de área desmatada em 2012 — uma queda de mais de 80% desde 2004.

A curva, no entanto, está em tendência de alta desde 2015, chegando a um novo pico em 2021, com 13,24 quilômetros quadrados desmatados. A estimativa para 202 é de 11,6 mil quilômetros quadrados.