Desigualdade

Candidatos brancos à Câmara tiveram em média o dobro de recursos dos pretos

Deputados eleitos receberam em média R$ 1,77 milhão, seis vezes mais do que a média

Congresso; candidatos câmara
Câmara dos Deputados em sessão plenária semipresencial / Crédito: Wilson Dias / Agência Brasil

Os deputados federais eleitos neste domingo (2/10) tiveram cerca de seis vezes mais dinheiro para fazer campanha do que a média dos candidatos ao cargo. Já grupos menos representados na política, como mulheres e negros, receberam financiamento abaixo da média.

No topo do ranking, 11 entre os 20 que mais receberam recursos conquistaram uma vaga na Câmara – ao custo de, pelo menos, R$ 3,2 milhões para cada um. Entre as campanhas mais caras, o pior desempenho foi o de Joice Hasselmann (PSDB-SP), que teve apenas 0,06% dos votos e não conseguiu se reeleger.

Embora possa levar a crer que dinheiro e voto não se correspondem, o caso dela é exceção. Os 513 candidatos eleitos tiveram em média cerca de R$ 1,77 milhão para gastar, entre recursos do Fundo Eleitoral, doações, recursos próprios, financiamentos coletivos e rendimentos de aplicações financeiras.

Os números foram filtrados no painel Siga o Dinheiro, desenvolvido pela organização Base dos Dados em parceria com o JOTA, que permite saber as disparidades no destino dos recursos de campanha nas eleições 2022. Eles correspondem às prestações de contas à Justiça Eleitoral até esta segunda-feira (3/10).

A maior parte do bolo é formada por recursos públicos: 89% dos quase R$ 1 bilhão recebidos pelos 513 candidatos eleitos foram repassados pelos partidos, após repartição do Fundo Eleitoral. O restante dos 10,1 mil candidatos a deputado ou deputada federal teve acesso a cerca de R$ 3 bilhões.

Apesar da cifra significativa, a média por candidato cai para R$ 280 mil quando se observa o total de candidatos, somando vencedores e perdedores. O acesso a recursos para campanha é um dos elementos que asseguram a capacidade de a candidatura ser divulgada para maior número de eleitores, por exemplo.

“Normalmente, os partidos apostam em quem acreditam ter mais chances de se eleger. Em termos de gênero e raça, isso pode ser um problema, porque candidaturas de mulheres e negros podem ser consideradas menos competitivas, quando elas não têm alto capital político”, aponta Teresa Sachet, pesquisadora do Observatório Nacional da Mulher na Política, da Câmara dos Deputados

Em 2018, as mulheres eleitas deputadas receberam, em média, R$ 1,3 milhão e os homens, R$ 1 milhão, segundo dados do Observatório. Com isso, a diferença entre a vencedora e a perdedora foi de 14 vezes a receita, enquanto para os homens foi de oito vezes.

Além da diferença entre quem venceu e perdeu, há ainda a desigualdade entre candidatos a depender do grupo social ao qual eles pertencem. Nestas eleições, para concorrer a uma vaga na Câmara, brancos tiveram, em média, quase o dobro de dinheiro dos pretos; e homens receberam volume de recursos um quarto maior do que as mulheres.

Colocando em números reais, enquanto um branco recebeu em média R$ 356,1 mil, um preto recebeu R$ 180 mil. Já uma mulher teve, em média, R$ 242,8 mil para tentar aumentar a representatividade feminina na Câmara, frente a R$ 304,5 mil que um homem recebeu para disputar contra ela. Os dados foram calculados pela Base dos Dados, também até a segunda-feira, com as mesmas informações oficiais do Siga o Dinheiro

A situação não é uniforme para todos os partidos. A legenda que elegeu a maior bancada foi o PL de Bolsonaro, com 99 deputados. A diferença na média de recursos recebidos entre homens — beneficiados com mais recursos — e mulheres do partido foi de 43%. Brancos tiveram mais do que o dobro de recursos de pretos e quase igual diferença em relação aos pardos.

A segunda maior bancada em 2023 será da federação que reúne PT, PCdoB e PV, com 79 parlamentares. A desigualdade de gênero na distribuição dos recursos foi menor, de 2%. Já pardos e indígenas receberam o equivalente a cerca de 51% e 70%, respectivamente, dos recursos que foram investidos em candidatos brancos.

A falta de condições para fazer campanha é um dos motivos para os lentos avanços na representatividade de minorias na política brasileira. Essa percepção justificou a adoção da obrigatoriedade de investir volume proporcional de recursos nas candidaturas de mulheres e negros, a partir das eleições de 2020.

A partir de 2023, as mulheres passarão a representar 17,7% das cadeiras do Câmara dos Deputados. Hoje, elas são 15%. O aumento é tímido: 14 parlamentares a mais do que há quatro anos, mas agora haverá mulheres trans e mais indígenas. Negros passarão de 123 para 135 parlamentares.

“Diante da mobilização da sociedade e das novas regras, esperávamos um desempenho melhor, mas continuaremos em posição ruim na participação feminina na política em relação à América Latina”, aponta Sachet. Segundo ela, um dos problemas da regra de gênero sobre o Fundo é a demora para que os recursos cheguem às candidatas.

Ainda é preciso aguardar o fim da prestação de contas pelos partidos para que reflexos dessa política possam ser medidos com precisão. Contudo, os dados atualizados nesta terça-feira (4/10) pelo Siga o Dinheiro mostram que as minorias receberam menos recursos também quando se considera o grupo como um todo – e não só a média por candidata ou candidato.

Concorrendo à Câmara, havia 35% de mulheres, e elas tiveram 28% da receita declarada por enquanto. Pretos e pardos são 48% dos candidatos, mas acessaram 34%. Indígenas tiveram 0,6% da receita, o que é proporcional às candidaturas. Observando a soma de todos os cargos, os desvios seguem padrão semelhante.

Se for observada apenas a receita Fundo Eleitoral, a situação não tem mudança significativa: as mulheres ficaram com apenas 30% quando se consideram todos os cargos, abaixo da proporcionalidade prevista pela legislação eleitoral. Além disso, elas dependem mais dos recursos públicos para financiar campanha, como também mostram os números.

“Quando olhamos no detalhe para o que as médias escondem, percebemos ainda que dentro desses grupos há candidatos que receberam milhões e outras quase nada”, observa Clara Araújo, professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Um quinto das mulheres não receberam nada para concorrer, por exemplo.

Formalmente, em relação aos recursos do Fundo, a repartição pelas legendas precisa seguir uma racionalidade, com justificativa à Justiça Eleitoral. Geralmente, um dos focos dos partidos é depositar mais empenho financeiro para reeleger candidatos que já ocupem cadeiras na Câmara – era esse o caso de 66% dos que venceram nestas eleições.

“Além do dinheiro, outra variável para ser eleito é ter um cargo. Isso pode colaborar com a desigualdade, porque a maioria dos que buscam a reeleição é homem e branco”, aponta Araújo, da UERJ.

Essa percepção é evidenciada pela chamada taxa de sucesso, que é a probabilidade de concorrer e vencer, calculada pelo Observatório Mulheres na Politica da Câmara dos Deputados e pela Universidade de Brasília. Para homens brancos que buscavam a reeleição, esse número foi de 68%; para negras no cargo, a taxa cai para 53,8%. Além disso, mulheres negras sem posição na Câmara têm 0,6% de chances de se eleger, enquanto homens brancos na mesma situação têm 2,1%.

Os partidos também costumam colocar mais dinheiro naqueles que entendem ter potencial de alta votação, o que poderia colaborar para que o partido eleja mais representantes. Nestas eleições, isso se tornou ainda mais significativo para os partidos políticos, pois os requisitos para atingir a chamada cláusula de barreira ficaram mais rígidos.

Pela regra, partidos que não atingiram desempenho mínimo serão excluídos da distribuição de recursos nas próximas eleições. Há dois parâmetros: ou a legenda atinge 2% dos votos válidos para deputado federal, distribuídos em pelo menos nove estados, com não menos que 1% de votos válidos em cada um deles; ou conquista no mínimo 11 vagas de deputados federais, também espalhados por nove estados.

O resultado é que, entre as atuais 32 siglas, 19 não cumpriram os requisitos – é o caso do Solidariedade, Pros, PTB e Novo. Além de perder acesso ao Fundo Eleitoral, elas também ficam sem tempo de rádio e televisão para propaganda.

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