No artigo desse mês, dedico-me a falar sobre a previsibilidade da aplicação da pena de multa pelo CADE nos casos de cartéis. Especificamente, gostaria de saber se o advogado, quando questionado pelo cliente acerca do que esperar do CADE em relação a aplicação da pena de multa em face de um ato colusivo, sabe com clareza o que responder. Para isso, é essencial deixar a retórica e o “achismo” de lado e fazer uma análise empírica dos casos concretos já julgados pelo Conselho, mais especificamente dos acordos firmados em sede de Termo de Compromisso de Cessação de Conduta – TCC. Resumidamente, o que se quer descobrir é se o CADE tem um padrão para se calcular a multa esperada e se tal padrão, se existir, fornece segurança jurídica ao mercado.
Com efeito, realizei um trabalho empírico visando testar as hipóteses acima. Foram utilizados todos os casos que tinham como requerentes grupos empresariais e que foram considerados precedentes (i) comparáveis[i] e (ii) disponíveis[ii] no SEI[iii]. O marco inicial do levantamento foi o funcionamento do CADE a partir da entrada em vigor da Lei nº 12.529/2011. Foram desconsiderados os julgamentos anteriores, tendo em conta que as regras legais anteriormente vigentes indicavam critérios distintos, como pode ser conferido no quadro 1.
Quadro 1
Lei nº 8.884/1994 |
Lei nº 12.529/2011 |
“Art. 23. A prática de infração da ordem econômica sujeita os responsáveis às seguintes penas: (Revogado pela Lei nº 12.529, de 2011).
I - no caso de empresa, multa de um a trinta por cento do valor do faturamento bruto no seu último exercício, excluídos os impostos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando quantificável;
II - no caso de administrador, direta ou indiretamente responsável pela infração cometida por empresa, multa de dez a cinqüenta por cento do valor daquela aplicável à empresa, de responsabilidade pessoal e exclusiva ao administrador.
III - No caso das demais pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como quaisquer associações de entidades ou pessoas constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, que não exerçam atividade empresarial, não sendo possível utilizar-se o critério do valor do faturamento bruto, a multa será de 6.000 (seis mil) a 6.000.000 (seis milhões) de Unidades Fiscais de Referência (Ufir), ou padrão superveniente.” |
Art. 37. A prática de infração da ordem econômica sujeita os responsáveis às seguintes penas:
I - no caso de empresa, multa de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do valor do faturamento bruto da empresa, grupo ou conglomerado obtido, no último exercício anterior à instauração do processo administrativo, no ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação;
II - no caso das demais pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como quaisquer associações de entidades ou pessoas constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, que não exerçam atividade empresarial, não sendo possível utilizar-se o critério do valor do faturamento bruto, a multa será entre R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) e R$ 2.000.000.000,00 (dois bilhões de reais);
III - no caso de administrador, direta ou indiretamente responsável pela infração cometida, quando comprovada a sua culpa ou dolo, multa de 1% (um por cento) a 20% (vinte por cento) daquela aplicada à empresa, no caso previsto no inciso I do caput deste artigo, ou às pessoas jurídicas ou entidades, nos casos previstos no inciso II do caput deste artigo. |
Feitos os recortes temporal e de disponibilidade dos autos no sistema SEI, foram consultadas todas as notas técnicas e votos em cartéis, que totalizaram o número de 116 casos[iv]. Estes casos foram submetidos ao escrutínio de saber se tiveram contribuição pecuniária dimensionada dentro de um padrão adotados pela autarquia, tendo em conta critérios previstos em lei e também em jurisprudência, esse último diretamente ligado ao guia de TCC.
O critério previsto em lei é o disposto no art. 37, inciso I, da LDC, que para efeitos didáticos pode ser divido em 4 dimensões: a) geográfica - deve se reportar ao faturamento bruto no Brasil; b) temporal - faturamento deve ter sido apurado no ano anterior à instauração do processo administrativo relacionado; c) temático - faturamento deve ter sido apurado no ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração; e d) reincidência - em havendo, dobra a multa esperada.
O critério infralegal para negociação em cartéis, decorre da jurisprudência do CADE, já devidamente internalizada pelo guia de TCC. Para efeitos didáticos é possível dividi-lo em 7 critérios específicos: a) quantitativo (alíquota de 12% a 20% em casos de cartéis institucionalizados e de 5% a 12% no caso de cartéis pontuais ou difusos); b) faturamento “virtual” no mercado brasileiro[v] ou estimativa de vendas indiretas (quando inexistente ou muito pequeno faturamento no país); c) faturamento referente ao escopo geográfico da conduta (quando faturamento nacional é muito maior do que os limites territoriais do cartel, v. casos de GLP, por exemplo); d) faturamento referente ao produto ou serviço afetado pelo cartel (quando faturamento no ramo de atividade é excessivamente amplo ou objeto não perfeitamente enquadrável em nenhuma categoria da Resolução CADE nº 3/2012); e) faturamento obtido com a receita que efetivamente é mantida pela empresa com o negócio em questão, ou seja, descontado repasse para terceiros (casos de agenciamento); f) faturamento do exercício anterior à instauração do IA ou PP ou do ano anterior ao da apresentação do requerimento do TCC (quando não instaurado processo administrativo); e g) média dos faturamentos durante o período da conduta, faturamento nos últimos 12 meses da conduta ou maior faturamento anual obtido durante a conduta (quando o faturamento no ano anterior à instauração é inexistente, excessivo ou muito aquém).
Veja-se que alguns dos critérios implicam em justa medida de proporcionalidade para os casos em que os critérios legais são inaplicáveis literalmente por serem considerados excessivos, insuficientes ou impossíveis. São exemplos dessas situações a inexistência de faturamento no ano anterior à instauração do PA, a inexistência de vendas no Brasil ou a manifesta desproporção entre o faturamento no ramo de atividade e o produto ou serviço objeto do cartel.
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Da pesquisa realizada
Considerando tais regras legais e infralegais como as medidas de previsibilidade, foi testada a seguinte questão: os julgamentos do CADE seguem critérios previsíveis para a determinação de contribuições pecuniárias em Termos de Compromisso de Cessação de Conduta (“TCCs”) envolvendo cartéis? Considerou-se que respondiam sim à questão todos aqueles que cumpriam as regras legais e/ou infralegais enunciadas. Observou-se que, dentro do universo pesquisado, aproximadamente 90% dos casos responderam positivamente.
Gráfico 1
TCCs do CADE seguem critérios legais e infralegais previamente conhecidos?

Percebe-se que os casos seguiram os critérios esperados, por seu turno, a análise revela maior ocorrência dos critérios da Lei nº 12.529/2011 na forma pura e desses conformados pela adaptação da dimensão temática para contemplar na base de cálculo o faturamento do produto ou serviço afetado em lugar do faturamento no ramo de atividade segundo o definido preliminarmente na Resolução CADE nº 3/2012.
Tabela 1
Distribuição dos critérios utilizados |
Apenas Lei nº 12.529/2011 |
27 |
23% |
Faturamento: “faturamento virtual” no mercado brasileiro |
9 |
8% |
Faturamento: estimativas de vendas no
Brasil de subprodutos que utilizaram como insumo o produto objeto
do cartel |
1 |
1% |
Faturamento: faturamento obtido com a receita que efetivamente é mantida pela empresa com o negócio em questão, ou seja, descontado repasse para terceiros (agenciamento) |
16 |
14% |
Faturamento: faturamento referente ao produto ou serviço afetado pelo cartel |
27 |
23% |
Faturamento: média dos faturamentos durante o período da conduta |
3 |
3% |
Período: ano anterior ao PP |
1 |
1% |
Período: ano anterior ao PP/IA |
3 |
3% |
Período: aplicação do faturamento nos 12 últimos meses na conduta |
15 |
13% |
Período: aplicação do maior faturamento anual obtido durante a conduta |
2 |
2% |
Outros[vi] |
12 |
10% |
|
116 |
100% |
Volto a enfatizar que os ajustes nos critérios de base de cálculo não ocorrem de forma aleatória, sempre decorrem de uma relação entre a absoluta desproporcionalidade entre os critérios da Lei nº 12.529/2011 na forma pura e a carga sancionatória demandada pelo caso concreto. Evidência disso é o levantamento que pode ser feito também acerca das justificativas que exigem ajustes de proporcionalidade, cuja tipologia também é conhecida e com alto padrão de previsibilidade.
Gráfico 2

De um ponto de vista estatístico, a justificativa mais frequente foi a desproporção entre o faturamento no ramo de atividade e o faturamento com o produto ou serviço objeto da conduta. Esta foi a justificativa em 51% dos casos que se afastaram de um ou mais critérios da regra pura. Isto já era relativamente esperado, já que o antecedente legislativo do critério ramo de atividade era o conceito de mercado relevante, de formulação mais madura no antitruste, e que foi afastado por razões de conveniência e prática ao longo da tramitação do projeto que veio a se tornar a Lei nº 12.529/2011[vii].
Deve-se perceber que as justificativas, quando presentes, atingem, em regra, a proporcionalidade de apenas uma das dimensões do critério legal (divididos em geográfico, temporal, temático e reincidência). As demais dimensões são preservadas com eficácia literal plena. O fato de as justificativas dialogarem com o critério literal da lei e apenas serem afastados, parcialmente, confirma a eficácia desta lei, que apenas não se materializa literalmente quando isto levar a resultados absurdos – o que, por evidente, não é a finalidade de qualquer norma.
Tendo em conta o levantamento destes dados e a indicação de uma sistematização que atenda de modo satisfatório um tratamento sancionatório previsível e seguro para os casos que tenham tramitação junto ao CADE, fica fácil perceber que existe previsibilidade no que diz respeito a multa esperada nos casos de carteis, refletindo um padrão de julgamento e acordos praticados pela autoridade antitruste brasileira. Vale destacar que a existência de padrão não implica em fórmula única de apenação, mas apenas em segurança que permita sancionar e/ou negociar punição de modo suficiente e previsível. É antigo o brocardo latino summum ius, summa iniuria, a exigir que a aplicação do direito deve ter ponderação, conexão com a realidade e cláusulas gerais de equidade. Não é possível prever todas as situações da vida que demandam regulação jurídica e, por isso, é necessário aplicar o direito cum grano salis.
O sistema legal e infralegal de dimensionamento de contribuição em TCCs provavelmente não é a fórmula perfeita ou definitiva, mas é respeitada no meio jurídico e dotada de previsibilidade suficiente para encorajar número crescente de adesões ao programa, robustecimento da carga probatória dos processos e, ao fim, incremento sem precedentes na efetividade da aplicação da legislação antitruste no Brasil. Veja-se, sobre isto, a evolução da arrecadação ao Fundo de Direitos Difusos provocada pelo CADE (que é a instituição líder incontestável na arrecadação de recursos para este fundo):

O avanço no sistema negocial e sancionatório do CADE, como medida de gestão de política pública, deve ser enfrentado de modo permanente. Recomendável, porém, redobrada cautela se a pretensão é reformar ferramenta de tanto sucesso em nossa política. Indispensável formar consensos. O ótimo pode ser inimigo do bom.
Os precedentes aqui levantados em estatística foram geradores e, em um segundo momento, plenamente influenciados pelo Guia de Negociação de Termo de Compromisso de Cessação do CADE, documento que adquiriu força normativa singular em nosso sistema.
A visão de que há sólida previsibilidade nas aplicação das sanções aparentemente é corroborada pela comunidade servida pela instituição, vez que muito recentemente o Guia de Termo de Compromisso de Cessação desta instituição recebeu o prêmio de primeiro colocado (Best Soft Law) na categoria práticas concertadas do Antitrust Writing Awards 2016, tradicional premiação de defesa da concorrência promovida pela revista francesa Concurrences.
Da vantagem auferida como critério alternativo e a segurança jurídica
O critério alternativo à metodologia tradicional de dosimetria do CADE é baseado na estimativa de vantagem auferida como elemento central da pena. Apesar da sofisticação, a metodologia em questão não ostenta a mesma robustez do critério tradicionalmente adotado pelo CADE. A robustez e austeridade são qualidades fundamentais para processos administrativos, pois, ao contrário de estudos teóricos, as decisões do CADE têm impacto real no mercado e podem ser submetidas a revisão do Poder Judiciário.
Um dos grandes obstáculos para a aplicação prática do conceito de vantagem auferida a julgamentos do CADE tem sido a inexistência de uniformidade de procedimento. A ausência de uniformidade tende a fragilizar a previsibilidade dos julgamentos e a afastar a segurança jurídica.
O fato é que essa discussão tem se acirrado nos últimos meses e parte do Tribunal, mais especificamente os Conselheiros João Paulo de Resende e Cristiane Alkmin, defende a aplicação da vantagem auferida como elemento central para dimencionamento de penas. Observe que mesmo entre os conselheiros que concordam com a utilização da vantagem auferida não há consenso ou uniformidade acerca de algumas questões básicas como; o conceito de vantagem auferida; e metodologia ou instrumentos utilizados para se chegar a multa esperada.
Para tentar corroborar o alegado no parágrafo anterior realizei um levantamento de todos os votos (no total de 107) emitidos no período de 22 de junho de 2016 a 25 de abril de 2017 pelos membros do Plenário do CADE que se dedicaram a indicar aplicação de multa a partir de estimativa de vantagem auferida[viii], de maneira que foi possível observar o seguinte sobre procedimentos de aplicação.
O Conselheiro João Paulo de Resende defende a aplicação de um percentual predeterminado, em regra de 10% (dez por cento), sobre o volume de vendas havido ao longo do cartel como presunção de sobrepreço.
A Conselheira Cristiane Alkmin, por seu turno, aplica metodologia de encontrar nos dados disponíveis evidências de um ou mais preços que devam ser considerados os contrafactuais, ou seja, os preços que seriam praticados em ambiente competitivo caso o mercado em questão não estivesse submetido a acordo colusivo. A diferença entre o preço unitário contrafactual e o preço unitário efetivamente aplicado, multiplicado pelo volume vendido ao longo da duração do cartel é que indicaria a estimativa adequada de benefício auferido.
Enunciadas as regras que podem ser consideradas a preferência de cada um dos Conselheiros, forçoso observar que cada uma delas apresenta técnicas diferentes de estimação, que podem levar a resultados muito distintos. Tais resultados teriam impacto direto no dimensionamento da multa devida em razão de condenação em processo sancionador.
Para além da diferença entre técnicas aplicadas por cada um dos membros do Tribunal do CADE, é de ver que os votos dos próprios Conselheiros ostentam flexibilizações significativas das regras, justificadas pelas particularidades dos casos postos a julgamento.
O Conselheiro João Paulo de Resende, por exemplo, embora aponte como regra um percentual de sobrepreço predeterminado em 10% (dez por cento), já sustentou que em alguns processos este percentual deveria ser modificado para 2% (dois por cento), como no caso dos Requerimentos nº 08700.000098/2017-76 e 08700.000120/2017-88, assinados pelas empresas Agility Public Warehousing Company K.S.C.P., Geodis Wilson Management B.V. e Geodis Gerenciamento de Fretes do Brasil Ltda. Entendeu-se que o percentual deveria ser 2% (dois por cento) e não 10% (dez por cento) por haver provas de que o cartel apenado implicou em contrato ilegal para repasse uniforme de encargo público que equivalia a este percentual.
No Requerimento nº 08700.006546/2016-64, de empresas do Grupo Siemens, adotou percentual de sobrepreço de 20%, por entender que o percentual de 10% deve ser dobrado em caso de cartéis internacionais. Adotou-se medida majorada de proporcionalidade por se considerar que cartéis internacionais tendem a ter lucratividade maior, não recolherem tributos no país importador e haver maior dificuldade na sanção.
Nos Requerimentos nº 08700.004016/2016-81 e 08700.003945/2016-73 o Conselheiro tampouco trabalhou com percentual fixo de 10% para estimar vantagem auferida. Ao invés, utilizou cenários de sobrepreço de 10%, 15% e 20%[ix] . Como se tratava de cartel em licitações específicas, ocorridas nos anos 2006, 2008 e 2011, usou como base de cálculo o faturamento apenas com estes contratos e não os totais das requerentes nos anos ou períodos em que ocorreram as vendas supostamente viciadas.
No Processo Administrativo nº 08012.009645/2008-46 (cartel de alimentos para nutrição especial) também afastou o percentual de sobrepreço de 10%, ante a justificativa de que se tratavam de produtos essenciais para certas pessoas, com baixa elasticidade-preço na demanda.
Além disso, apesar de considerar que o percentual de sobrepreço deve incidir sobre o faturamento efetivamente apurado sob influência do cartel, o Conselheiro João Paulo em algumas ocasiões usou dado de faturamento de período diferente daquele em que efetivamente ocorreu a conduta. Assim foi, por exemplo, nos Requerimento nº 08700.008241/2013-44, 08700.010978/2015-99 (UTC), 08700.011995/2015-43 (Andrade Gutierrez), 08700.003764/2015-66 (Modine do Brasil), 08700.007074/2015-86 (JP Morgan Chase), 08700.007418/2015-57 (Citicorp), 08700.007789/2015-39 (HSBC Bank), 08700.006946/2015-99 (Barclays), 08700.007064/2015-41(Deustche Bank). Tal proceder, ainda que justificado na questão da indisponibilidade dos dados, aumenta a potencial controvérsia sobre a o valor adequado da multa.
Em uma terceira família de casos, sob fundamento de indisponibilidade de informações, não foi feita qualquer estimativa de vantagem auferida. Isto aconteceu, por exemplo, nos Requerimentos nº 08700.004433/2016-24 (Brampac), 08700.004554/2016-76 (Nicoll Indústria Plástica), 08700.003897/2016-13 (BR Plásticos Indústria Ltda.), 08700.002108/2016-27 (Alstom), 08700.000843/2016-04 (Grupo OW/WW). Se uma observação empírica indica que em uma quantidade significativa de casos não é possível estimar vantagem auferida, é de se pensar se realmente a multa deve ter por elemento central o valor da vantagem auferida, sob pena de se ter claramente duas réguas de proporcionalidade incomunicáveis por conta de uma simples questão processual incidental: a disponibilidade ou não de dados de volume de faturamento afetado pelo cartel.
Relativamente ao Conselheiro João Paulo de Resende, a Conselheira Cristiane Alkmin tem menor volume de votos discutindo, in casu, vantagem auferida. Inobstante, sublinhou de modo genérico, por diversas vezes, sua insatisfação com o fato de a metodologia de dosimetria do CADE não ter como ponto central a quantificação da vantagem auferida ou mesmo do dano (ver, por exemplo, Requerimentos nº 08700.008241/2013-44 (Posto Trovão), 08700.010997/2015-15 (Hitachi), 08700.009213/2015-14 (Ec Tokin), 08700.001449/2015-02 (Rubycon Corporation), 08700.011024/2015-01 (Schaeffler Friction), 08700.001444/2015-71 (Kawasaki Kisen Kaisha).
Em julgamento de processos administrativos foi mais detalhista. Sua linha de pensamento se distingue da do Conselheiro João Paulo de Resende, basicamente, por tentar buscar dentro do caso concreto os elementos de formação do preço provável em caso de inexistência de mácula no comportamento competitivo das empresas. A sensibilidade às fontes dos dados, aos cenários e aos modelos estatísticos são mais notados nesta linha de raciocínio do que na linha encaminhada pelo Conselheiro João Paulo de Resende.
No cartel de GLP do Pará (PA n° 08012.002568/2005-51), estimou o dano, utilizando 2 modelos que levaram a resultados muito distintos, um no valor de 48 milhões e outro no valor de 97 milhões, confirmando a dificuldade do cálculo. Nesse caso, diferentemente dos demais, ainda multiplicou o valor pela probabilidade de punição e ainda aplicou um aumento de 20% na multa em função de outras condutas.
Em dois casos, cartel de memória DRAM (PA n° 08012.005255/2010-11) e cartel de CRT (PA n° 08012.005930/2009-79, fez o cálculo tendo como base de cálculo as exportações para o Brasil. No primeiro, como não conseguiu calcular o dano, utilizou um percentual de 10%, enquanto que no segundo, com base no cálculo do Conselheiro João Paulo de Resende, aplicou 17,6%.
Na indução de conduta comercial uniforme no transporte de carga em Santos (PA n° 08012.000504/2005-15), aplicou multa em UFIR, mas fez o cálculo do sobrepreço, sendo esse caso o melhor exemplo da dificuldade de estimativa do dano. No cenário mais conservador, com sobrepreço de 50%, o dano teria sido de 847 milhões. Em um cálculo "mais realista", com sobrepreço de 67%, dano de 1,130 bilhão de reais. No caso do sobrepreço de 83%, 1,4 bilhão de reais. No caso do sobrepreço de 117%, 2 bilhões de reais.
No cartel do leite tipo C (PA nº 08012.010744/2008-71), a conselheira partiu de 15%, com base no Guia de TCC, que prevê que é a base de cálculo que serve de referência inicial para acordos de TCC. Contudo, ela aplicou esse percentual sobre o mercado relevante.
Feito este panorama sobre o modo de proceder sugerido, a despeito do mérito em se discutir o tema, é forçoso constatar que não existe regra clara e segura que permita a utilização mais intensiva de cálculos de vantagem auferida em processos antitruste no CADE.
Conclusão
Após os estudos empíricos acimas descritos é possível concluir que atualmente o CADE segue um padrão para aplicação de sanções em atos colusivos em 90% dos casos, o que, por consequência, fornece a segurança jurídica que o mercado espera. A sensação de que a comunidade antitruste sabe o que esperar da autoridade concorrencial quando se trata de estimar a multa para atos colusivos parece ser confirmada com a presente pesquisa.
Em sentido contrário, não se pode afirmar o mesmo em relação aos casos já julgados pelo CADE que tem como fundamento central da aplicação de pena a vantagem auferida. O que se observou foi que existe um divergência metodológica entre os próprios conselheiros que defendem sua aplicação no Tribunal. Ademais, é possível perceber que mesmo analisando os votos de cada conselheiros individualmente não há coesão ou uniformidade de procedimento, sendo adotada uma solução distinta para cada caso específico, o que por sua vez torna a decisão do CADE imprevisível, gerando insegurança jurídica.
De fato, o padrão utilizado pelo CADE atualmente pode não ser o ideal e não restam dúvidas que há, ainda, muito o que evoluir, mas em relação a um aspecto específico não há dúvidas, o administrado sabe o que esperar do CADE quando se trata de estimar a multa esperada.
[i] Os casos de tipo (i) inseridos nas categorias apontadas não são comparáveis aos definidos no universo pesquisado porque o CADE decidiu, no julgamento do PA nº 08012.009834/2006-57 (Associação dos Produtores de Cal do Paraná) que “os parâmetros estabelecidos na Lei 12.529/11 para condenação de empresas são mais benéficos que os anteriormente previstos na Lei 8.884 e, por isso, devem ser aplicados”. Por terem os TCCs anteriores se subsumido a outros critérios legais, diferentes, os julgamentos que antecederam a vigência da Lei nº 12.529/2012 foram considerados não comparáveis.
[ii] Os casos do tipo (ii) não foram considerados comparáveis com os do universo pesquisado porque equiparados a casos inexistentes, já que de acesso custoso, difícil e provavelmente tardio em relação à necessidade da discussão. A impossibilidade de comparação de caso presente com ausente é operacional. Comparar envolve descrever características de um e outro elemento e formar juízo de semelhança e dessemelhança.
[iii] Por razões operacionais, ainda não estão disponíveis para consulta no SEI os autos dos seguintes TCCs: 08700.005016/2007-16, 08700.004551/2007-41, 08700.005203/2007-91, 08700.005313/2007-53, 08700.005281/2007-96, 08700.005109/2010-38, 08700.002933/2009-01, 08700.010220/2012-16, 08700.002362/2013-62, 08700.002367/2013-13, 08700.002361/2013-68, 08700.002363/2013-27, 08700.002459/2013-95, 08700.002351/2013-01, 08700.004689/2013-99, 08700.010809/2012-14, 08700.001028/2013-10, 08700.008852/2013-92, 08700.010345/2013-19, 08700.000278/2014-05.
[iv] 08700.002321/2011-24, 08700.002370/2011-67, 08700.002492/2015-87, 08700.002611/2015-00, 08700.002028/2013-29, 08700.007160/2015-99, 08700.012016/201574, 08700.007420/2015-26, 08700.004627/2014-68, 08700.005159/2014-49, 08700.004496/2014-19, 08700.010978/201599, 08700.011995/201543, 08700.009616/2014-74, 08700.003266/2015-13, 08700.003268/2015-11, 08700.007742/2015-75, 08700.001415/2015-18, 08700.001464/2015-42, 08700.010925/2015-78, 08700.011930/2015-06, 08700.008910/2015-40, 08700.001414/2015-65, 08700.003897/2016-13, 08700.002238/2014-06, 08700.011024/2015-01, 08700.003432/2016-62, 08700.003050/2016-39, 08700.011036/2015-28, 08700.011190/2015-08, 08700.009944/2015-51, 08700.005552/2016-02, 08700.004258/2014-03, 08700.009872/2013-80, 08700.003071/2014-92, 08700.002740/2014-09, 08700.009026/2013-60, 08700.003376/2013-13, 08700.007402/2015-44, 08700.010314/2013-68, 08700.007696/2013-42, 08700.001445/2015-16, 08700.001444/2015-71, 08700.001450/2015-29, 08700.002857/2014-92, 08700.006544/2012-41, 08700.002074/2013-28, 08700.007696/2013-42, 08700.011226/2013-83, 08700.003191/2013-09, 08700.009213/2015-14, 08700.010997/2015-15, 08700.003672/2016-67, 08700.001451/2015-73, 08700.011328/2013-07, 08700.011327/2013-54, 08700.006546/201664, 08700.001455/2015-51, 08700.002856/2014-48, 08700.004433/2016-24, 08700.003192/2013-53, 08700.001469/2015-75, 08700.001448/2015-50, 08700.001808/2016-02, 08700.002026/2016-82, 08700.002147/2015-43, 08700.003945/2016-73, 08700.004016/2016-81, 08700.003764/2015-66, 08700.000843/2016-04, 08700.006946/2015-99, 08700.007064/2015-41, 08700.007074/2015-86, 08700.007418/2015-57, 08700.007789/2015-39, 08700.001449/2015-02, 08700.004176/2015-40, 08700.002125/2016-64, 08700.001718/2011-07, 08700.002108/2016-27, 08700.011998/201587, 08700.004554/2016-76, 08700.007362/2016-11, 08700.007364/2016-19, 08700.007366/2016-08, 08700.007370/2016-68, 08700.007368/2016-99, 08700.007351/2016-31, 08700.007360/2016-22, 08700.008241/201344, 08700.001429/2015-23, 08700.002404/2013-85, 08700.001430/2015-58, 08700.001393/2015-88, 08700.001413/2015-11, 08700.007343/2015-12, 08700.003754/2015-21, 08700.008068/2015-46, 08700.009978/2015-46, 08700.001426/2015-90, 08700.001427/2015-34, 08700.001428/2015-89, 08700.002076/2013-17, 08700.006523/2015-79, 08700.008219/2015-66, 08700.008299/2013-98, 08700.010674/2014-40, 08700.010675/2014-95, 08700.010676/2014-30, 08700.010677/2014-84, 08700.010678/2014-29, 08700.010679/2014-73, 08700.011545/2014-70, 08700.011546/2014-14, 08700.000141/2015-31, 08700.003821/2015-15
[v] Acontece mediante a mensuração do mercado nacional do produto e atribuição de faturamento presumido em participações de mercado iguais às verificadas no mundo como um todo. É indicada para cartéis internacionais em que as divisões de mercado podem seguir critérios geográficos – o cartel evita concorrência potencial no Brasil.
[vi] Critérios excepcionais, sem correspondência com nenhum dos anteriores.
[vii] O critério “faturamento no produto ou serviço afetado” se aproxima, mas não se confunde, com o conceito de mercado relevante. Se aplica em cerca de 40% do total de casos. Para o histórico da exclusão do critério de mercado relevante como base de cálculo para multas antitruste, ver A Jurisprudência do CADE sobre a Base de Cálculo das Multas Administrativas Aplicadas por Infração à Ordem Econômica: o Critério do Ramo de Atividade in RDC, Vol. 3, nº 1, Maio 2015, pp. 161-180.
[viii] Protocolados nº 08700.000098/2017-76, 08700.000120/2017-88, 08700.005258/2016-92, 08700.007053/2016-41, 08700.001845/2017-93, 08700.000814/2017-15, 08700.000591/2012-81, 08700.001844/2017-49, 08700.004602/2016-26, 08700.008241/2013-44, 08700.005902/2016-22, 08700.006351/2016-14, 08700.008345/2016-00, 08700.006535/2016-84, 08700.006546/2016-64, 08700.012016/2015-74, 08700.011998/2015-87, 08700.010978/2015-99, 08700.011995/2015-43, 08700.007074/2015-86, 08700.007418/2015-57, 08700.007789/2015-39, 08700.006946/2015-99, 08700.007064/2015-41, 08700.004433/2016-24, 08700.003764/2015-66, 08700.004016/2016-81, 08700.003945/2016-73, 08700.007368/2016-99, 08700.007362/2016-11, 08700.007364/2016-19, 08700.007351/2016-31, 08700.007370/2016-68, 08700.007366/2016-08, 08700.007360/2016-22, 08700.004554/2016-76, 08700.003897/2016-13, 08700.008910/2015-40, 08700.011930/2015-06, 08700.009978/2015-46, 08700.002108/2016-27, 08700.000843/2016-04, 08700.001429/2015-23, 08700.011036/2015-28, 08700.011190/2015-08, 08700.007160/2015-99, 08700.011024/2015-01, 08700.009213/2015-14, 08700.010997/2015-15, 08700.001449/2015-02, 08700.002492/2015-87, 08700.007420/2015-26, 08700.002125/2016-64, 08700.004602/2016-26, 08700.001845/2017-93, 08700.001844/2017-49, 08700.008241/2013-44, 08700.005902/2016-22, 08700.006351/2016-14, 08700.006535/2016-84, 08700.005902/2016-22, 08700.006351/2016-14, 08700.006535/2016-85, 08700.005902/2016-22, 08700.006351/2016-14, 08700.006535/2016-86, 08700.007368/2016-99, 08700.007362/2016-11, 08700.007364/2016-19, 08700.007351/2016-31, 08700.007370/2016-68, 08700.007366/2016-08, 08700.007360/2016-22, 08700.005593/2016-91, 08700.001728/2016-49, 08700.001730/2016-18, 08700.010997/2015-15, 08700.009213/2015-14, 08700.001449/2015-02, 08700.011024/2015-01, 08700.001444/2015-71, 08700.006777/2015-97, 08012.001273/2010-24, 08012.002540/2002-71, 08012.010470/2005-77, 08012.001029/2007-66, 08012.003824/2002-84, 08012.009381/2006-69, 08012.002568/2005-51, 08012.005255/2010-11, 08012.005930/2009-79, 08012.009645/2008-46, 08012.011881/2007-41, 08012.000504/200515, 08012.010744/200871, 08012.002874/200414, 08012.009566/201050, 08012.007011/200697, 08012.010470/2005-77, 08012.002568/2005-51, 08012.005255/2010-11, 08012.005930/2009-79, 08012.011881/2007-41, 08012.000504/200515, 08012.010744/200871, 08012.009566/201050, 08012.007011/200697.
[ix] Para justificar usar cenários de sobrepreço de 10%, 15% e 20%, utilizou estudo da OCDE que informava que sobrepreço praticado por empresas em cartel varia entre 10% e 20%, com média de 15,75%( Fighing Hard Core Cartels: Harm, Effective Sanctions and Leniency Programs, de 2002).